CAUSOS DA BOLEIA - IMAGINE UMA IMAGINAÇÃO QUE IMAGINA UMA LINHA IMAGINÁRIA

CAUSOS DA BOLEIA – IMAGINE UMA IMAGINAÇÃO QUE IMAGINA UMA LINHA IMAGINÁRIA

Eu estava abastecendo o caminhão num posto perto de Petrópolis quando ele se aproximou. Usava brinquinho e eu não gosto de homem que usa brinco na orelha. Quando um camarada chega perto de mim usando brinco eu já olho meio atravessado. Sei lá pode ser cisma minha, mas tai uma coisa que eu jamais usaria. Eu até comentei com ele mais tarde. O fato é que ele se aproximou e perguntou se eu estava indo para Nordeste e se eu podia dar uma carona para ele. Confesso que me deu vontade de dizer que eu estava indo para o Rio, principalmente quando ele virou um pouquinho o rosto e sua orelha cintilou, mas eu percebi que ele trazia uns traços de muita inteligência e maneiras educadas então concordei em levá-lo até onde ele quisesse, eu ia até Feira de Santana, na Bahia. Disse que não tinha acomodação para ele dormir, mas a resposta foi que não era problema algum, que estava acostumado e dormiria numa barraca individual, parte de sua bagagem, quero dizer, mochila.

- Rui Barbosa é o meu nome, mas pode me chamar só de Rui – eu disse.

- O meu é João Carlos, mas me chamam de Jonny. – ele falou em contrapartida.

Ele estava indo para a Paraíba e gostava de viajar nesse estilo aventureiro em lugar de se utilizar das facilidades que a função lhe oferecia, é docente numa universidade do Rio de Janeiro. Queria ver de perto o corredor ufológico e estudar os indícios da passagem de ovnis relatadas na década passada e marcar um encontro com um Físico que tem uma vasta biblioteca sobre eles. Na verdade, segundo me confidenciou, iria fazer uma pesquisa para um amigo cuja tese de mestrado envolvia o assunto.

- Eu não entendo nada desse negócio de disco voador, seres extraterrestres e outros bichos. Nem sei qual seria a minha reação se me deparasse com um deles. A minha vida é rodar aqui no chão da Terra e viver minha vidinha - eu disse.

- Você vive sempre na estrada, não tem residência fixa? Não é casado? – Ele perguntou.

- Tenho sim. Moro no Rio de Janeiro. Geralmente ao término de uma entrega eu volto pra ver como estão as coisas. Eu já fui casado, mas acho que me precipitei. Resultado: não deu certo. O casamento durou pouco, tudo por conta das minhas frequentes viagens. Eu preferi antes ser caminhoneiro que ser controlado por uma mulher. Depois eu conheci outra que ficou morando lá em casa por uns tempos e queria ficar sempre comigo, inclusive viajar, porque não gostava de ficar sozinha em casa. Então conversei com uma amiga que estava precisando de alguém pra fazer companhia à mãe dela e desde então mora com a velha. De vez em quando a gente sai pra namorar. Eu saio com outras, mas tem uma que é especial. Pra falar a verdade nem sei se posso dizer que é minha namorada. Ela mora lá em Pouso Alegre, em Roraima. É fazendeira. A gente só tem se falado por telefone e ela vem dizendo que está sentindo a minha falta. Pior que eu também gosto muito dela e queria ficar lá juntinho como ela queria que eu ficasse. Ela é linda, parecida com a Meg Ryan, aquela atriz que fez Sintonia de Amor com Tom Hanks e outros filmes românticos. Você viu Sintonia de amor?

- Claro!

- Gosto de todos os filmes em que ela atua, dela e do Tom, principalmente por causa de Forrest Gamp, porque ele gostava muito de conversar e contar histórias e de O Náufrago pelo tema, a capacidade do homem sobreviver em isolamento. A Paloma é mais bonita que a Meg Ryan porque ela é minha, eu acho, essa foto aí é dela – apontei para o porta-retratos em cima do painel.

- Muito bonita mesmo – O Jonny falou pegando o porta-retratos – um mulherão, se me permite o elogio. E esse santo aqui atrás?

- Esse é o São Tadeu – eu respondi.

- São Tadeu? Eu nunca ouvi falar em São Tadeu!

- Eu também não. Além do mais, nem acredito em santo, sou até ateu, mas ela insistiu tanto pra dar essa foto com o santo pelo qual ela tem devoção, que eu fiquei com ela, ora bolas! Ela queria que eu carregasse a foto dela e a imagem do santo que ela gosta muito numa demonstração de amor, então eu aceitei. Não me faz mal algum. Mas que santo é esse eu não sei e também não tive a curiosidade de perguntar. Eu chamo de São Tadeu porque ela insistiu tanto em me dar e eu não queria dizendo que era o santinho de devoção dela, que não via sentido em ela me dar uma das coisas que ela mais gostava. Eu sei porque eu vi essa imagem em cima da mesinha de cabeceira, no quarto dela. Mas ela insistiu dizendo que me deu, embora eu dissesse que não queria e ela repetia dizendo: “Mas eu quero que você fique com ele meu amor!” Você sabe como é? Fazendo aquele jeitinho assim, cheia de dengo... eu falei: “Tá, deu! Eu vou ficar com ele”. E como o santo pra mim é desconhecido eu passei a chamá-lo de São Tadeu.

E continuei a falar sobre aquele assunto que me agradava muito:

- O nosso caso foi amor à primeira vista. Você que parece ser tão inteligente acredita em amor à primeira vista? Eu só estive com ela dois dias, fisicamente, mas ela está sempre aqui na minha cachola e ela me diz que acontece a mesma coisa com ela. Às vezes eu fico pensando em largar a vida de caminhoneiro e ir lá pra fazenda dela. Na realidade é do pai dela. Terei que dar um jeito de fazer outra coisa ou continuar trabalhando com o caminhão, mas não viver nas estradas como faço agora. O relacionamento não dá certo quando a gente vive mais afastado do que junto. O que você acha? No meu lugar, se você tivesse um amor muito grande por uma mulher, você largaria a sua vida regrada pra mudar completamente o seu modo de viver?

- Rui. É claro que eu acredito em amor à primeira vista, já aconteceu comigo. No seu caso, eu pensaria duas vezes, Rui. Três se precisasse. Eu fazia as coisas assim, de rompante, sem pensar. Mas depois que aconteceu uma coisa comigo eu não falo e nem faço nada precipitadamente. Vai que eu diga pra você ir em frente e depois não dá certo? É lógico que você não é criança e se toma alguma iniciativa é de sua própria responsabilidade, mas vai ficar se remoendo: “por que é que eu fui dar ouvidos ao Jonny? Um cara que eu nem conhecia direito, ou coisa parecida.” Pior é que tem amor no meio, e amor machuca muito quando termina o relacionamento por qualquer motivo. É sentimento humano e depende das idiossincrasias de cada um. Às vezes de uma simples amizade nasce um amor muito sólido. Por outro lado, de uma paixão repentina, quando começa a convivência, aparecem as diferenças e o relacionamento vai pro brejo. Em princípio, eu até acho que podem acontecer as duas coisas juntas e, de uma paixão assim, nascer um grande e duradouro amor. Mas você não vai saber se não experimentar, se não tentar. Se não der certo, o jeito é terminar antes que a situação piore como você fez no seu primeiro casamento. Você mesmo disse: “se os fatos não confirmam a teoria, abandone os fatos”.

- Pois é! Eu sinto uma grande vontade de ter a Paloma nos meus braços de novo. Quando eu saí de lá, fiz um esforço muito grande pra não voltar de ré. Eu acho que agora, se eu for, não vou ter a mesma força pra deixá-la mais uma vez. Aí, terei que tomar uma decisão.

Então, o cara delirou. Fiquei até pensando se ele é meio pirado ou se estava drogado, embora não parecesse. O fato é que ele veio com a seguinte história: “Meu amigo, vou te contar uma coisa que aconteceu comigo e por conta de agir sem pensar quase me estrepei, ou melhor, quase deixei de existir. Eu já fui abduzido, mas porque eu quis. É por isso que esse meu colega pediu pra eu ir lá à Paraíba pra ver esse lance de discos voadores. Eu pedi aos camaradas, aos extraterrestres, pra me deixarem viajar na nave deles porque eu precisava resolver um problema que afligia o meu pai, e por ele eu faria qualquer coisa. Precisava tentar ajudar a retificar uma coisa que ele fez e, se tivesse planejado melhor, faria só uma vez. A maneira que eu tentei resolver o problema me obrigou a fazer tudo novamente. Foi assim que aconteceu: eu fui lá pra Mato Grosso naquela região por onde circulavam muitos discos voadores na época. Peguei carona numa nave espacial pra voltar pro passado. Eles conseguem isso porque viajam mais rápido que a velocidade da luz, eu acho. Eu só sei que eu consegui. A nave tinha vindo pro futuro. Eles vão passando o conhecimento pros homens e, de vez em quando, vêm ao futuro pra ver se nós aprendemos. Penso que é pra nós termos melhor conhecimento do universo e procurarmos outro planeta quando a vida aqui for insustentável. Assim, também conseguem, pelo que eu pude observar, estudar a evolução dos buracos negros. Você sabe que os buracos negros são formados a partir do colapso de estrelas gigantes? Pois é, quando a estrela acaba de queimar o combustível do seu interior, o seu núcleo atrai os gases que estão à sua volta e cria uma massa compacta e muito densa, então a sua gravidade atrai tudo que passa pela região. Eu acho até que os buracos negros serão o fim do universo e talvez tenha sido o início, assim como num ciclo.”

-Eu boiei Cara! – Eu disse – Esse lance de Astronomia não é meu forte. É muito complicado.

- É mesmo, nem sei por que eu fugi do assunto pra falar de buraco negro. Acho que, inconscientemente, encontrei alguma relação entre o nosso papo e o fim que pressupõe um buraco negro. Mas voltando ao assunto: é muito esquisito você estar num local com pessoas que você conhece, mas te consideram estranho. Por exemplo, o meu pai não me conhecia, claro eu ainda não existia pra ele. Eu tenho pouca lembrança da minha mãe e eu aproveitei o tempo que fiquei por lá pra ter mais contato com ela, conhecê-la melhor, embora eu estivesse mais perdido que cebola em salada de frutas. Os meus pais se separaram porque ela não gostava dele, ou não gostava muito, e cometeu adultério. Ele nunca mais teve um relacionamento fixo com mulher nenhuma. Namorava uma, ficava um tempo com ela e depois dava um jeito de esfriar o relacionamento, ficava sem ninguém depois arrumava outra namorada. O fato é que, quando o relacionamento começava a parecer estável, ele dava um jeito de cair fora. Acho que ficou traumatizado. Um dia ele me contou que gostava muito de uma garota quando era rapaz. Ela também gostava muito dele e estavam próximos do casamento. Mas ele conheceu aquela que viria a ser a minha mãe. Foi uma paixão repentina. Ele não conseguia mais tirá-la da cabeça e tanto fez que conseguiu conquistá-la. Mas ela nunca foi apaixonada por ele, não o amava e nunca escondeu isso. Dizia que ele era muito bom pra ela e não tinha do que se queixar em relação ao casamento, mas amá-lo mesmo, de verdade, nunca conseguiu. Por outro lado, aquela que ele deixou, substituída pela minha mãe, sofreu muito a perda do homem que ela amava, o meu pai no caso, ficou até doente, segundo ele. Eu não demorei muito pra nascer depois que eles se casaram, apesar de ela não querer filhos e tentar evitar a gravidez a todo custo. Dizia que não tinha habilidade pra lidar com crianças. Quando eu tinha cerca de cinco anos ela foi embora, nos abandonou.

Então, quando ele me contou essa história, eu resolvi ir lá ao passado pra interferir no futuro deles e a primeira ideia que passou pela minha cabeça foi conquistar a minha mãe pra que ele não se casasse com ela e pudesse restabelecer o namoro com aquela que realmente gostava dele e que, no fundo, era aquela pela qual ele sentia o verdadeiro amor. E assim eu fiz. A minha mãe era uma bela mulher por sinal, eu compreendi toda a cegueira do meu pai.

Foi fácil pra mim conquistá-la e ela já estava traindo o meu próprio pai com o filho dele, mas ele não chegou a saber. Por sorte, minha sorte no caso, eu pensei bem e concluí que se meu pai não se casasse com a minha mãe eu não iria nascer. Então, achei que era melhor eu voltar poucos anos atrás da época atual pra fazer alguma coisa pra tornar o meu pai feliz, sem interferir na minha vida. Você não vai acreditar, mas eu voltei ao passado uns dez anos atrás e encontrei aquela pessoa que namorava o meu pai antes de ele perder a cabeça pela minha mãe. Como era de se esperar, ela estava separada do ex-marido. O casamento dela também não tinha dado certo, o lugar dela era junto ao meu pai. Eu consegui fazê-los se reencontrar “por acaso” e eles são felizes e vivem juntos desde então.

Você percebeu o que eu iria fazer tomando uma decisão precipitada? Não era melhor eu tê-la procurado logo em lugar de voltar lá atrás e criar aquela confusão? É por isso que eu estou dizendo pra você pensar bem no que vai fazer com a sua vida.

-É. Você tem razão. Tenho que pesar os pros e os contras.

Quando chegamos a Feira de Santana, e ele foi embora, me deixou com uma grande dúvida. Eu não sei se ele é maluco, se sonhou e acredita que é verdade ou se estava drogado e eu não percebi, porque não tenho muita experiência disso.

Naquela noite eu fiquei um tempão olhando para céu, para as estrelas..., não conseguia pensar em nada direito. Ainda bem que aquele papo louco é coisa do passado e eu estou aqui no futuro bem tranquilo procurando disco voador entre as estrelas.