Desculpa Esfarapada

Orestes era casado e bem casado. E também não era mais jovem. No entanto, o que restou da sua juventude continuava inquieta e, ao mesmo tempo, prisioneiro de uma triste rotina conjugal. Esta situação já durava mais de dez anos. Nunca tocou nesses assuntos com ninguém, mas ansiava por algo que o libertasse. Um caso amoroso, talvez. Como ele sempre se julgara tímido, nunca se aventurara nesse terreno. De nada adiantava lhe dizerem o contrário, de nada adiantava os olhares que recebia na rua ou no trabalho.

Até que um dia, sua esposa contratou uma nova empregada, e desta vez, muito bonita. Ela lhe pareceu linda, uma figura irreal. Lembrava uma atriz de televisão. Ele se encantou dela. Deu uma boa olhada. Ela era mesmo muito linda, muito. A moça ao notar que ele a olhava, olhou também e sorriu. Orestes sentiu um desejo forte. E sem pedir licença, aquela morena, de cabelos pretos e longos, olhos castanhos e seios redondos e firmes, deslizou-se para dentro do seu corpo, de sua mente.

Ela também se encantara dele e passou a se exibir, provocando-o, e tornando-se mais acessível. Quando se aproximava dele, era apenas para encorajá-lo a lhe dirigir galanteios. Os seus primeiros atos de resistência ocorreram, comandados pela sensação de culpa que sentia por ser casado, mas acabou vendo nela a oportunidade desejada de fugir da rotina do casamento.

Invariavelmente, todas as noites, enquanto sua mulher dormia no quarto, ele ficava na sala, assistindo televisão. Naquele dia, foi diferente. A moça que o observava de longe, veio de mansinho e sentou-se ao seu lado no sofá. Distraidamente, olhou para ela. Seus cabelos brilhavam e seus olhos enormes, cheios de apelos sensuais, estavam pregados nele. Aquilo o perturbou por um instante. Ela balançou a cabeça, inclinou-se e chegou para mais perto dele. Ao sentir aquele corpo de mulher próximo ao seu, ficou por um instante, paralisado, e pensou que seria uma loucura o que iam fazer. Mas, não querendo deixar que a vida passasse sem algumas boas lembranças, decidiu continuar.

Antes que ele desistisse, ela se aproximou mais , envolvendo-o com um perfume manso e penetrante. Timidamente, acariciou sua perna com os dedos da mão esquerda. Ela retribuiu-lhe os carinhos. No momento em que ele lhe acariciou o seio, sentiu no clarão das luzes da sala os reflexos dos seus cabelos soltos e cheirosos e compreendeu, então, que ela era a realidade do seu sonho.

Nos seus braços, ela era totalmente sua. Nunca imaginou que poderia sentir o que estava sentindo, naquele momento. Não podia mais recuar. Instintivamente, passou o braço em volta do seu pescoço e deu-lhe um beijo no rosto, escorregando-se para os lábios, para seu pescoço, seus ombros, seus seios... , e enfim para o quarto dela.

Três horas. Sua mulher acordou. Ao notar que estava sozinha, estranhou que o marido, que habitualmente se deitava antes de uma hora, não estivesse na cama. Sobressaltou-se. Tateou no escuro, procurando o abajur e acendeu a luz. Olhou o relógio. Nunca demorara tanto, pensou. O que teria acontecido? Sentiu-se mal ou foi apenas tomar água. Esperou mais um pouco. Quanto tempo demoraria...Imaginou que ele estivesse doente. Esta idéia a atingiu como um soco. Precisava saber. Impaciente e confusa levantou-se e foi à procura do marido.

Na sala, a televisão ligada. Ninguém assistia. Onde ele estaria? Procurou na cozinha. Nada. A porta do quarto da empregada estava fechada, mas não a impediu de ouvir uns gemidos abafados, uns ais delirantes, golpeando-a como um insulto. Hesitou por um instante. Depois, decidiu-se entrar no quarto. Com coragem suficiente, empurrou a porta e entrou.

O marido e a empregada estavam nus e entrelaçados num selvagem abraço. Ao vê-la aparecer, subitamente, no retângulo iluminado da porta, ele, num breve instante de lucidez, sentiu um arrepio a percorrer intensamente a sua coluna vertebral, e instintivamente, virou-se de costa. Não sabia o que dizer. Enquanto procurava se fixar numa realidade inteiramente diversa de tudo o que estava se passando, ouviu a mulher falar:

- Pelo amor de Deus, Orestes! O que você está fazendo?

E, como nunca se adestrara na arte de se esconder e mentir, ele não conseguiu encontrar, naquele momento, palavras suficientemente hábeis. E, sem nenhuma encenação trabalhada, vira e fixa os olhos nos olhos furiosos da esposa, e fala:

- Mulher eu estou aqui, mas estou tão contrariado!

Diante de tão frágil desculpa, ela ficou ainda mais indignada, desaguando numa torrente de palavras duras e agressivas, depois, saiu correndo do quarto. Desde então, nunca mais quis ver o marido, acabando por se separar dele.