TELHADO BICHADO

Pela terceira vez, num único mês, fora preciso recorrer a um pedreiro, pois a casa teimava em gotejar, com as chuvas de novembro. Chegara a brigar com o pedreiro, dizendo: "Só porque sou uma mulher separada, não pense o senhor que sou burra! Ou me conserta o telhado direito, ou dou queixa do senhor..."

Recebeu como troco: "Dona, tenho 20 anos de trabalho, me orgulho do que faço e tenho certeza de que algo estranho vem acontecendo; parece que um bicho pesado caminha pelo telhado e afunda as telhas. Preste mais atenção!"

Acreditou ser desculpa porca do oficial, pois não ouvia nada de diferente.

Separada do esposo há um ano, com quem vivia brigando, entrara em forte processo depressivo e estava se tratando com um psiquiatra. A mãe, com frequência dormia com ela, principalmente no começo do tratamento, "até que o organismo se acostumasse com os medicamentos", para ajudá-la com o filho menor. Os remédios não lhe faziam nenhum mal e acordava para cuidar do filho, se se mexia, antes mesmo que a mãe, que além de tudo, roncava muito.

A vida ia correndo normal, com o telhado mostrando galhardia à chuva. Parece que a bronca ao pedreiro funcionara.

Certa manhã, sucedendo a uma noite de lua cheia, a vizinha lhe chamou e disse que precisara levantar-se à noite para satisfazer a uma necessidade da cistite em tratamento e lhe pareceu ver um vulto de homem, sobre o telhado, mas ao procurar prestar a atenção, não confirmou a hipótese, mesmo tendo apagado as luzes, para despistar o possível intruso.

Isto grilou a S.T.F. (sem telhado firme), que pediu ao irmão solteiro, ajuda para dormir na casa dela.

Dez dias seguidos e nada acontecia. O irmão se mandou.

Nova carga de chuvas fortes e as goteiras ensoparam a casa. Naquela noite, sonhava que estava na praia e ao acordar, descobrira no chão do quarto e sobre a cama, muita água. Só o berço do filho ficara seco.

Chamou outro pedreiro, disposta, se preciso a trocar o madeiramento, pois era possível que a casa, já velha, precisasse de uma maquiagem.

Conseguiu um pedreiro da firma que trabalhava, com recomendação específica do patrão, para que fizesse um bom serviço. Este patrão, rapaz de meia idade, solteiro. e bem apessoado, inclusive já mostrara ter certa queda por ela.

O madeiramento, com exceção de uma ripa quebrada, estava em ordem, mas as telhas afundaram por um peso, que não puderam suportar.

A história da vizinha, que dissera ter visto um vulto sobre o telhado, numa destas noites, criou num segundo um seu pensamento: Um bicho, ou alguém, subia no telhado e estava fazendo o estrago. Mandou cortar o coqueiro que dava acesso ao telhado. "Quem sabe, um animal mais gordinho!"

Além disto, tomou a iniciativa de reunir os vizinhos e contrataram um guarda, que patrulhava as ruas do bairro de moto. O seu patrão se comprometeu a passar de noite, em frente à casa dela, pois dormia tarde, jogando caxeta com o pai e uns amigos dele.

Uma noite, coincidente com a passada do guarda, o patrão e o vigia, tiveram a impressão de que alguém se escondia no alpendre, detrás de um vaso enorme de samambaias. Combinaram fingir que nada viram, viraram a esquina e voltaram a pé, para vigiar.

O patrão pegou a chave de rodas do carro, como intimidação e o vigia deixou de sobreaviso, um vizinho, caso apitasse, para que chamasse a polícia.

Esgueirando-se entre as árvores, os dois foram pé, ante pé, entraram na casa e nada viram, até que algo despenca do telhado. Correm, cercam e descobrem o ex-marido, que imobilizado e conduzido alcoolizado ao hospital, para redução de uma fratura de fêmur, foi autuado.

Dias depois, na Delegacia, confessa tudo: vinha bebendo, depois da separação e como fora sempre fraco para bebidas, começara a sofrer de um sintoma comum aos alcoolistas: delírio de ciúme, imaginando que a ex, recebia homens na sua falta.

Recebeu uma condenação judicial leve: pagar cinco cestas básicas, teria que submeter-se a um tratamento psiquiátrico, com relatório mensal do médico e dos Alcoólatras Anônimos de que estava se tratando, sem beber. Isto, além de ter que pagar todos os consertos do telhado.

Perdeu definitivamente a mulher, que acabou ficando com o patrão apaixonado.

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Marcio Funghi de Salles Barbosa

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