AMBEV ame-a ou deixe-a

"Este fato se passou no final dos anos 90,

Trabalhava em uma Cervejaria , eu diria a maior do Brasil , tinha muito orgulho disto .A produção de cada garrafa de 600 ml era controlada com muito comprometimento por todos nós .

Cada minuto parado na produção era um caos e tinhamos que justificar os detalhes que ocasionaram parada DE PRODUÇÃO para a diretoria.

Em uma ocasião, uma das bombas de vácuo, responsável em retirar o ar dos vasilhames antes do enchimento, para que a sua cerveja não oxide ( ou seja não fique choca ) , falhou .

Recebi uma missão quase impossível, arrumar outra bomba em algum lugar do país.

O meu gerente pegou uma chave de um pálio da empresa, sem a logomarca, com o tanque cheio e disse: Dá teu jeito aiii ÓOOOO!

Eu , que me" achava " um guerreiro, peguei um engenheiro recém formado , que até então estava em treinamento ( e se transformou num dos melhores do setor diga-se de passagem ) e partimos para São Paulo às 04:00 da manhã , apenas com a roupa do corpo .

Era normal sairmos tarde , virarmos a noite nesta empresa, diga-se de passagem de graça!

Tudo em nome do comprometimento.

Pegamos a “Dutra” com aquele pálio azul marinho e muita disposição.

Nosso destino inicial era Itapecerica da Serra em SP.

Ao chegarmos a São Paulo após vários engarrafamentos e perdidos na grande cidade, pois os dois nunca tinham ido a São Paulo , achamos o nosso destino por volta das 14:00 hs .

A sede da empresa que fabrica a tal bomba é na Itália, sendo que esta filial de São Paulo possuia alguma coisa em estoque. Todavia a disputa de materiais desta empresa tanto pela concorrência interna como outras cervejarias do Brasil era muito grande e por isto não fizemos consulta via telefone , o fator surpresa era nosso trunfo .

Chegamos à portaria e fomos anunciados pela segurança patrimonial à gerência , parecíamos políticos visitando hospital público , clima de auditoria na empresa .

Após sermos apresentados ao diretor geral (Um Ítalo-brasileiro) fomos convidados a almoçar em uma churrascaria e por volta das 16 horas conseguimos solicitar a tal bomba.

O gerente de pós-venda nos informou que não tinha a tal bomba disponível, após muita pressão de nossa parte o mesmo disse que tinha uma máquina ,enchedora,recém chegada da Itália de Navio e a mesma estava em um armazém em uma cidade a três horas dali .O gerente autorizou o empréstimo desta bomba e disponibilizou uma pessoa para nos acompanhar pois o local era de difícil acesso .

Partimos para lá e ao chegarmos já havia escurecido. O local parecia um destes armazéns de cais do porto, só tinha um segurança que assistia novela em uma TV P/B, vários containeres e máquinas de grande porte encaixotadas.

O funcionário que nos acompanhou disse:

A bomba está em um destes containeres de madeira (deveria ter uns seis containeres de 36 metros quadrados cada).

Continuou dizendo: o que vocês têm que fazer agora e localizar em qual deles está à bomba retirá-la para levá-la com vocês. Olhei para o meu companheiro e pensei " TAMU FUDIDU " todavia não vim aqui à toa e não vou decepcionar este garoto.

Pois bem, mãos a obra. Comecei a subir nos containeres até que consegui identificar a máquina enchedora que tinha a bomba. A mesma seria para uma unidade nova de nossa empresa no SUL.

Conseguimos identificar, todavia não tínhamos ferramentas, perguntei ao segurança se tinha ferramentas e ele disse que não , olhei na mala do carro e por sorte havia uma caixa de chaves de boca .Um dos problemas estava resolvido , o próximo passo era abrir o container .

Amigos , o cansaço já estava tomando conta de nós e o tal acompanhante da empresa só observava .

Após verificar o local , achamos uma ferramenta apelidada no mercado de Girafinha que possui duas rodas na base e serve para elevação de pequenas máquinas , é hidráulica . Peguei a mesma e pedi ajuda ao meu colega para empurrarmos com toda força em direção ao container. A ponta da girafinha ao bater na madeira do container furou o mesmo e com isto comandei a manivela hidráulica e fiz uma fenda na madeira. Este procedimento para que passasse uma pessoa neste buraco, levou umas duas horas. O farol do carro servia-nos de iluminação.

Consegui passar por este buraco( por incrível que pareça pois meu apelido era BARRIGA ) e ao entrar no container, avistei a bomba que estava presa em uma plataforma metálica ( base ) a chave era de boca 19 mm . Dê posse da lanterna do segurança e cheio de medo de ter algum inseto vindo da viagem como um escorpião( por exemplo) dentro do container comecei a desmontagem.

Desmontei a mesma que pesava uns 350 kg foi içada por um cabo pela própria girafinha.

É claro que não foi tão fácil assim mais é muito detalhe para contar.

Já passavam das 23h00 e quando colocamos a bomba na mala do carro o mesmo foi lá embaixo , pensei : fu... , olhamos um para a cara do outro e ficamos em silêncio .

O segurança veio nos parabenizar , o mesmo abandonou a novela pois a nossa estava mais interessante ..

O funcionário da empresa nos acompanhou até a entrada da Dutra e nós iniciamos a nossa viagem de volta, sujos, cheios de sono e com fome.

O carro estava totalmente instável devido ao peso mal distribuído.

Carro mil, não apresentava potência suficiente e rezávamos para os inúmeros caminhões não passar por cima da gente. Já havíamos passado do limite da irresponsabilidade e nem nota fiscal da tal bomba existia ... Além do carro vir " sambando" por toda a VIA Dutra .

Por volta da 02:00 hs avistamos um buteco aberto na estrada e só havia café e frango frito, caímos dentro!

O sono tomava conta da gente e resolvemos cantar para não dormir, todo o repertório da Legião Urbana foi cantado e o sono continuava.

E eu implorava ao meu amigo: João, por favor, não dorme!

Foi em vão , o mesmo roncava e eu delirava de tanto sono.

Graça a Deus! Chegamos ao Rio e por volta das 05h30min chegamos à empresa e entregamos a bomba aos mecânicos que iniciaram a montagem da bomba na máquina que estava parada.

O" bonitão " do meu gerente , um gaúcho chegado a teorias e frases pitorescas , chegou às 08h00min e foi direto para a linha de produção , onde estavamos , verificou que a linha de produção já estava produzindo.

Olhei para ele com um sorriso no rosto de missão cumprida ( e comprida ) , peguei a chave da Palio e estiguei o braço para entregá-lo. O mesmo pegou a chave e disse com seu sotaque de gaúcho ,

E aí ó ... Como foi o passeio?

Não preciso dizer como aquelas palavras fincaram o meu coração.

Engoli seco a minha resposta e nunca disse isto ao meu colega João Marcelo para não desmotivá-lo .