Seqüestraram-na

O momento do reencontro não foi dos mais convenientes, afinal estavam em um enterro. Na verdade, estavam indo ao cemitério.

Quem olhou pra quem primeiro? Espere um momento, isso não é o que há de mais relevante agora; se olharam, imaginaram-se... E não estou fantasiando por eles.

Anos se passaram e ela jamais imaginara que se "reapaixonaria", um turbilhão de sentimentos vieram à tona e, seu coração, que já cansado de amar - ou de amor - estava, resolveu se entregar.

Um relacionamento de anos poderia barrar esse sentimento, mas o que sentiram foi intensamente recíproco, tudo foi deixado pra trás. Se encontraram, se beijaram, se abraçaram, estavam envolvidos, e posso até dizer, sem sombra de dúvidas, que se completaram.

Seus dias foram modificados, eles se modificaram, sorriram, estavam verdadeiramente felizes, todos viram. O amor os deixou em paz, lhes devolveu a paz, a alegria, a vontade de viver, a vida chegou até a se descomplicar!

Cuidaram um do outro o suficiente pra que o amor que sentiam aumentasse a cada dia.

Na vida amores vêm e vão, todos já ouviram isso. Acredito que na vida pessoas vêm, algumas pra ficar, outras por passar, nos trazem recordações, nos trazem aprendizagem através de experiências boas ou ruins. Pessoas nos comandam e são comandadas por nós, temos que nos atentar a isso, pode ser grave.

Se pensarmos que cada um pode se relacionar ao clima que os dias trazem, logo as situações que passamos na vida podem ser representadas por temporais, dias de chuva fina, dias nublados e dias de sol e calor. Os dias desse casal enamorado foram intensos de sol, calor, céu azul - bem azul -, um azul radiante, contagiante!

Mas, um outro amor, que já havia passado por sua vida (a vida dela), voltou aos seus dias - não que os tenha estragado com a volta, trouxe apenas a confusão a que ela conseguira com tanto esforço se desvincular.

Um amor doído, nublado... triste! Um amor de dias de chuva, aqueles dias em que tudo é lânguido. Houve um distanciamento.

Ela se distanciou, não do amor que reencontrara nem do amor que já vivera, distanciou-se de si mesma, isso é trágico! Se havia felicidade, por que não permanecer ao lado dela? Por que não manter-se livre, ao sol?

Ela não sabe responder, por enquanto.

Deixou o amor de sol e calor e voltou pra debaixo do cobertor dos longos dias de chuva fina.

Pouco depois, o que não era de difícil percepção - aos olhos dos outros - acontecera. Novamente estava ela sozinha, completamente coberta, coberta dos pés a cabeça, distanciada do que havia reencontrado e do que voltara a aparecer. Distanciada, como em outras vezes, de si! Alienada!

Tentou voltar atrás, retroceder, perda de tempo! Feito o corte, a cicatriz sempre é evidenciada. Ele não a queria mais...

Vazia sua vida voltou a ser. Arriscou tudo pra tentar recuperar um amor passado, esquecendo-se do que acabara de reencontrar, do "reapaixonamento" a que estava envolvida. Perdeu!

Entramos em cativeiros sem ordem expressa de um seqüestrador, nos seqüestramos tantas vezes, em tantos momentos. Nos deixamos ser seqüestrados e nos acostumamos a isso! Ficamos sem lençol, sem travesseiro, sem ar, sem nós mesmos.

Entregamos nossa identidade a um desconhecido que, por incrível que pareça, está dentro de nós.

Ela sente medo do novo, essa é a resposta da troca dos dias de sol pelos de chuva ao qual estava acostumada.

O medo que temos do novo é o seqüestrador que há em nós, ele nos paralisa, e ela se deixou seqüestrar e nem pensou que poderia pedir resgate a alguém, nem a ela mesma.

AnaNunes
Enviado por AnaNunes em 02/04/2009
Reeditado em 11/04/2009
Código do texto: T1519876
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