Encontro Fatal

Este conto eu escrevi junto com minha nova parceira literária, Sofy Sol. Este é mais uma obra nossa.

Morte súbita .

O campo de batalha cheira a morte. A fumaça dificulta a visão. Os tiros vêm de todos os lados. Explosões dão o tom infernal à cena. Não é possível saber quem é inimigo ou amigo. Ehud Shalit está no meio do fogo cruzado. Uma explosão dividira seu pelotão. Seus ouvidos zunem. Seus olhos ardem. Descontrolado de medo o soldado solitário corre na direção de uma trincheira. Mergulha no buraco sem saber onde irá cair. Os corpos no chão amortecem sua queda. Um silêncio súbito tomou conta do vale.

Ehud Shalit nasceu em 28 de Agosto de 1989 em Nahariya, distrito ao norte de Israel. Graduou-se distintivamente na área de ciência na casa senhorial Kabri High School, uma das melhores escolas técnicas da região. Depois fixou residência com a família em Tel Aviv. Seu esporte preferido é basquete. Ehud iniciou seu serviço militar cerca de dois anos antes desta batalha.

“Em Israel, a lei obriga todos a prestar serviço militar”

O campo de batalha cheira a sangue derramado. A fumaça atrapalha a visão. Os tiros vêm de todos os lados. Explosões e fogo dão um tom infernal ao ambiente. Não é possível saber quem é amigo ou inimigo. Abu Abdul está escondido entre mortos dentro de uma trincheira. Seus ouvidos doem. Seus olhos crestam. Ele é o único sobrevivente de seu pelotão. Chora feito uma criança. Vê um corpo cair no buraco bem ao seu lado. Fica imóvel agarrado à sua metralhadora.

Abu Abdul Hadi nasceu em 24 de Fevereiro de 1990 em Jerusalém, no bairro de Mevasseret Sion. Com doze anos de idade foi morar com os irmãos na Cisjordânia. Não seguiu com os estudos. Seus pais eram integrantes do Hamas e foram mortos em conflito na Faixa de Gaza. Abu Abdul se incorporou ao "Movimento de Resistência Islâmica" quatro anos antes deste confronto.

"Todos os palestinos foram criados para lutar em nome de Deus"

Abu Abdul fingindo-se de morto, com os olhos serrados viu Ehud Shalit se arrastar entre os corpos. Tomou coragem e rendeu seu oponente. Sem reagir Ehud levanta-se do chão devagar. Os dois estavam frente a frente. Olhos nos olhos. Ambos com a mesma cara de espanto. Ehud ajoelha-se e soluça um choro desesperado implorando por sua vida. Os dois têm motivos para se odiar e lutar até a morte. Mas algo dentro deles parece impedir, talvez seja covardia, medo ou falta de coragem.

Ehud Shalit teve uma infância tranqüila apesar de viver numa zona de conflitos. Filho de um respeitado médico, nunca teve maiores problemas. Para juntar dinheiro trabalhou em um café/restaurante moderno no bairro mais descolado de Tel Aviv. Sonha ser ator de cinema.

Ehud só pensa em voltar para casa. Ele está cansado de lutar, não quer morrer. Abu mantém o prisioneiro sob a mira de uma metralhadora M-60, do mesmo tipo usado pelo ator Sylvester Stallone no filme Rambo, de fabricação americana. Ehud esconde uma pistola SP-21 (também conhecida como "Barak", que significa relâmpago em hebraico). Arma desenvolvida pela empresa Israel Military Industries.

Abu Abdul teve uma infância traumática. A vida de uma criança ou adolescente palestino na Faixa de Gaza ou na Cisjordânia é extremamente perigosa. Em quase seis anos de intifada mais de 1000 crianças, adolescentes e jovens foram mortos na luta. Abu sonha com dias de paz.

Abu de olhos abertos começa uma oração: (Surata de Abertura do Alcorão)

Em Nome de Deus, O Clemente, O Misericordioso

Louvado seja Deus, Senhor do Universo

O Clemente, O Misericordioso

Senhor do Dia do Juízo

Só a Ti adoramos, e só de Ti imploramos ajuda

Guia-nos à senda reta,

À senda dos que agraciastes,

Não à dos abominados, e nem à dos extraviados

Ehud, em voz baixa reza uma oração judaica pela paz:

Vamos subir a montanha do Senhor, para que possamos trilhar os caminhos do mais Alto. Vamos forjar arados de nossas espadas, e ganchos de poda com nossas lanças. Uma nação não levantará a espada contra outra nação – nem aprenderão a guerra novamente. E ninguém mais sentirá medo, pois isto falou o Senhor das Hostes.

A batalha parece não ter fim. Ouvem gritos, tiros e explosões. Ambos estão visivelmente cansados de todo aquele conflito. Os dois soldados encaram-se o tempo todo, sem saber o que dizer. Apenas olham. Ehud num ímpeto por sua vida se lança a cintura de seu oponente e o derruba. Os dois rolam e caem pela escada de saída da trincheira. Abu se desespera e corre em campo aberto. Ehud vai atrás. Correm juntos em direção a um prédio completamente destruído. Correm em meio a tiros de canhão. Os dois mergulham em um amontoado de escombros. Ao se levantar, rapidamente Ehud saca sua pistola, até então escondida, aponta para Abu que não se levanta; grita de dor no chão com as mãos ensangüentadas forçando o abdome. Abu se feriu nas ferragens retorcidas do entulho que como navalhas rasgaram sua carne. O sangue que parecia não ter fim coloria sua farda. Ehud com sua pistola ainda em punho não sabe o que fazer. Sua mente o perturba. É sua chance de vitória, mas será que eles realmente precisavam ser inimigos? A mesma dúvida de antes o fez largar sua arma e correr até Abu. Abrindo o uniforme de Abu vê que o corte não foi profundo, mas pode infeccionar caso não receba cuidados médicos. Retira a camisa de quem antes era seu oponente e tenta estancar o sangue. Eles trocam um olhar de amizade.

Ehud toca o peito de Abu, os corações aceleram. Sentimento que tentam ignorar. Apoiando-se no ombro de seu novo amigo Abu senta numa pedra e encosta no que já fora uma pilastra. Sentem suas respirações ofegantes. Olham um nos olhos do outro, vêm mais do que no primeiro olhar, antes acompanhado pelo reluzir das bombas e silvos de balas. O conflito se intensifica. Nesse momento caças da força aérea israelense sobrevoam o campo de batalha. Os soldados palestinos tentam inutilmente, com seus mísseis precários, interceptar os potentes caças F16.

Cada vez mais cansado, Ehud também se senta. E assim ficam. Um de frente para o outro sem dizer palavra. Sentem medo, se os virem juntos por qualquer um dos lados, os dois morrem, mas, sarcasticamente, se sentem seguros com a presença um do outro. O pouco cuidado que Ehud pôde oferecer parece não surtir mais efeito e Abu tomado por um molesto calafrio e por febre baixa treme pelas sensações de frio e medo. Ainda contagiado por pensamentos desconhecidos Ehud tira seu blusão e se abraça ao corpo trêmulo de Abu que tenta sustentar suas mãos no corpo quente que o abriga. A confusão de sentimentos também o atinge, o caloroso corpo amigo é recebido por ele com maior ânimo do que deveria. Os dedos de Abu percorrem as costas do seu ex-inimigo. Sente seus músculos e os ossos da coluna. Ehud nada diz, tenta se esquivar dos curiosos dedos, mas a necessidade urgente do carinho que há muito não sente o faz aceitar. Abu sente a culpa e empurra-o, mas Ehud não aceita e se mantêm sobre seu corpo afastando somente seu rosto. Os dois novamente se encaram e se aproximam devagar até quase encostarem os lábios. No campo de batalha algo é revelado, o desejo, a boca, o olhar. Próximos assim os corpos se excitam e perdem o cheiro horripilante da morte, o ímpeto pela vida se torna essencial. Nem todo estardalhaço da guerra que acontece lá fora desfigurou o som das batidas dos corações, que em uníssono, batiam compulsivos. Por um momento nada mais importava para aqueles dois soldados. De Súbito os dois beijam-se violentamente. Um beijo longo e apaixonado. Nem percebem que um avião aproxima-se rápido. As mãos percorrem seus corpos num carinho atormentado, urgente. Não sabem o que fazer. Não há tempo para mais reações. Um dos mísseis lançado cai a poucos metros dos dois. Houve tempo apenas para um beijo. A explosão foi tão forte que os dois sumiram sem deixar rastro em meio aos escombros. Desapareceram como dois anjos. Certamente estão em um lugar melhor.

Macaco Pelado
Enviado por Macaco Pelado em 05/05/2009
Código do texto: T1576944