DRAMA DE BAR

Uma simples dama, é capaz de destruir o universo e a vida de qualquer homem

“quando alguém lhe der amor, nunca faça pouco caso dele”

ATO 1. Pintando um quadro morto.

Aí vem os pedintes, carregando suas sacolas e, no peso delas, o abandono, que foi cruel, realmente, até certo ponto. Aí vem os cachorros sem coleiras, farejando lixo, disputando um pedaço de carne (ou solidão) com um menino, que no frio ou no calor, esteve a espera de um milagre. Aí vem no longe, uma brisa passageira, carregando tanta sujeira e levando aos montes, nossa velha ambição. Vem num sopro dourado por fora e escuro por dentro. Aí vem os enfermos da alma, perdendo seu brilho a cada minuto que passa, derrubando por todos os lados sua nova solidão. Aí vem as nuvens que não são passageiras, tampando a luz desta cena e mesclando com medo delas mesmas. Aí vem todos que perderam o rumo, é só escolher um porquê. Perderam porque desafiaram a si mesmos, e derrotados foram pelo seu próprio eu. Aí vem ex-soldados esquecidos e suas guerras particulares, que fazem sua casa em todos os lugares. Aí vem mulheres se vendendo para um ‘Marido complacente’ , para pagar o velho vício de um cigarro. Aí vem crianças de um capítulo só, a vida tão curta quanto um livro bom,e nas costas, o peso de uma imensa solidão. Como uma bússola sem norte, vagam por aí. Aí vem ladrões encapuzados, que não confessaram os seus pecados. Aí vem as donas de casa sem lar, cruzando seus braços sobre a mesa. Aí vem as vítimas de um ataque terrorista, vem lutando contra os seus medos. Aí vem os vagabundos, que compõem a poesia, e que vão com maestria, desfilar na sarjeta desta vida. Rolando em cima de suas frustrações, vão esquecendo os diamantes no caminho. Aí vem as águias do destino, num rasante elas carregam tudo que você já amou. Aí vem os sujos e maltrapilhos, carregando o destino ingrato de ter que sobreviver. Aí vem outro perdedor, mas hoje, só durante alguns minutos, ele terá um nome e sua história contada aqui, nas próximas linhas. Acompanhe sua tragédia, enquanto ele vem.. vem caminhando entre a noite e a noite, e junto com todos outros, entra no bar.

ATO 2. No bar, sozinho.

Então, Yuri entra pela porta principal de um bar, tão igual aos outros que freqüentou, sente a mesma solidão pesada caindo pelos cantos. Ele não carrega mais seus sonhos nos olhos, nem coração. Ele chega sem brilho algum ao balcão e espera, se for preciso o resto da tarde, para ser atendido. A cabeça pesada não consegue pensar muito bem, esta tentando achar algum sentimento bom. Não encontra. Lembra-se que precisa beber, e é isso que faz. Já mais calmo, lembra-se de Rita. Dos longos cabelos de Rita... “Que diabos, tem Rita na cabeça?!?!”. Precisa de outra dose para não chorar. A cachaça que desce amarga, lhe cortando a garganta, foi sempre mais fiel que Rita, e neste momento é o consolo ideal, é o remédio para esquecer de Rita. Seu estômago fervendo, e ele acende um cigarro. “É pra lembrar de Rita..”, “Não quero lembrar de Rita!”.

Yuri não tem mais moeda alguma no bolso, “e que diferença faz, ter dinheiro ou não?”, pensou. Pediu outra dose, e prometeu pagar amanhã. Seu pedido foi negado. Poderia ter sido apenas mais um não na vida de Yuri, mas este não foi. Faziam, neste dia, sete meses de que Rita havia o deixado e por este, e só este motivo, Yuri implorou. Precisava mais do que nunca estar ébrio, entorpecido, e então lágrimas rolaram no seu rosto. Naquele momento, frente ao dono do bar, Yuri se sentiu um lixo. Notou que dentro dele a vida era uma vela bruxuleando, quase por se extinguir. Acompanhado de toda solidão do bar, Yuri chorava. Fez-se naquele instante um silencio. Yuri tentava conter as lágrimas. E o dono do bar quebrou o silencio fazendo uma pergunta, que tocou no fundo de Yuri, fez ele rever todo o filme que não queria mais ver, e então respondeu:

- “Irei contar para você a minha história”

ATO 3. A tragédia de um coração I

Yuri ajeitou-se no banco, tomou fôlego e uma lagrima escorreu do rosto, estava refazendo a sua tão sofrida trajetória. Por um momento pensou em hesitar de contar a história, afinal não merecia tamanha humilhação. Mas pensando melhor, resolveu se abrir, poderia de alguma forma ajudar, ou se não, compartilhar simplesmente seu amor por Rita. E foi com este nome que Yuri começou a narrar sua história...

“Rita. O nome dela é Rita.Tão lindo quanto a sua face, que guardo na memória.Fazem hoje, sete meses que estou sozinho, a sofrer e, que Deus me leve deste bar se eu estiver mentindo, pensei nela todos esses dias e também, todas as noites. Muitos foram os sonhos que tive, com o tão esperado reencontro. Apenas sonhos tolos. Lembro com clareza cada detalhe do seu corpo, que era perfeito. Parecia esculpida em ouro... Ah Rita! ‘Deusa’, era como eu costumava a chamar nos loucos momentos de paixão. E destes momentos eu guardo os farelos, que não são capazes de preencher um só centímetro deste meu gigante coração, dilatado pelo amor de Rita.”

Uma pequena pausa para colocar outro cigarro entre os dedos. Seu ouvinte espera atenciosamente do outro lado. Nos olhos de Yuri, já se nota a emoção querendo transbordar. Ajeita-se no banco, e coloca o cigarro no cinzeiro, ainda com fumaça na boca, continua:

“Lembro de quando eu a conheci, tinha nos olhos, a liberdade dos jovens e puros de coração. Respirava um ar só dela, um ar sofisticado pela beleza de sua boca. Era viva! A vida, a juventude, o prazer pelo novo, o sensacional, a liberdade, corriam pelo seu corpo, era impulsionada por estes sentimentos. Fazia da noite uma companheira fiel, com suas amigas, enfrentaram todos tipos de perigos que esta podia lhes oferecer, e a cada perigo, a cada problema, sentia ainda mais acesa a chama da vida, que exalava em todos que podiam estar a sua volta, um sentimento de felicidade. Enfim, era uma garota feliz, extrovertida e sagaz. Possuía uma inteligência sobrenatural e um dom para fazer-me feliz. Pois, logo no dia em que a conheci, beijei sua melhor amiga.

Nossos corpos ainda não tinham feito o contato que ambos desejavam. Com o passar das horas, na mesma noite, acabei encontrando sua boca, e confesso que a partir daquele momento, nunca mais fui o mesmo. Alcoolizado, jurei pra ela “Faço qualquer coisa por ti”, “eu te quero” e ela falou “querer não é poder”, mas por ela, eu fiz todo tipo de coisa. Em menos de uma semana estava louco atrás dela, sabia que tinha poucas chances com ela. Decidi que ficaria só com ela, e que, por mais que sofra, jamais sairia com outra garota. Foram estas palavras que disse pra ela alguns meses depois de nos conhecermos, e para complicar ainda mais esta história, Rita não acreditava em mim. Fiz todas as provas de amor que alguém pode fazer por uma garota, ela percebeu isso. Mas aos poucos foi mudando. Rita estava diferente, isto era um fato...”.

Via-se nos olhos de Yuri uma tristeza incomum, algo de frio atrás de seu olhar. Como uma criança, que sem entender ainda, vê seu pai morrer, mas movida pelo instinto, se põe a chorar. Yuri sabia que seu romance com Rita nunca tinha sido completo, viu como fracassou.. e estava expondo suas feridas para um simples dono de bar. Yuri chorou como uma criança.

ATO 4. Sangue no Drink

“Certa vez, após jurar mais de uma vez que me amava, Rita, finalmente me apunhalou. Confessou que não tinha certeza sobre seu sentimento, que talvez, todo o amor que ela jurou para mim, era irreal. Eu não pude acreditar nas palavras que saiam daquela boca, eram tão surreais quanto sua beleza, que já se extinguia dos meus olhos ao serem tomados pela desilusão. Estava na lona, caído. Era um perdido. Mas, Rita ainda guardava um de seus truques fatais na manga. Era algo que meu coração não estava preparado para suportar. Rita disse que suspeitava estar amando outro cara, e o que parecia ser impossível se fez frente aos meus olhos, este cara era meu amigo. Se eu já estava derrotado, com esta noticia não sabia mais o que eu... era....”

Não conseguiu prosseguir com as palavras, nem chorou. Ficou quieto, talvez imaginando algum motivo para isso, tentando encontrar algum erro. Sua aparência era fria, e quem o visse neste estado, diria que ele não possuía mais o dom de amar. Dizem que os olhos são as portas para alma de um homem, se realmente forem, Yuri, estava morto de alma. Podíamos ver pelo seu olhar, uma alma sem vida. Era uma pessoa sem sentido algum, apenas carregava seu corpo para lá e para cá. Para um bar e para outro. Quando ébrio, sentia-se menos agredido por Rita, mas de qualquer maneira seu coração doía, e doía muito. Sangrava dor para todos os lados.

E então, Yuri retomou a narrativa de seu turbulento romance...

“Mentiras! Foi o que ela cultivou enquanto esteve junto de mim. Todas suas palavras eram ilusórias, a maneira com que ela fazia amor também era ilusória, todos os sussurros que ela proferia enquanto eu possuía seu corpo, eram ilusórios. Seu coração, como o de todas as mulheres era frio. Rita possuía o dom de iludir, e eu o de amar.. nunca percebi que esta combinação não dava certo, e que eu, por ser o mais fraco, acabaria sofrendo por isso.

Então, rompemos a nossa relação e Rita seguiu seu rumo e eu, segui seu rastro. Rastejando, como um feto procurando a placenta acolhedora de sua criadora. Rita nunca se envolveu com aquele que ela disse amar mais do que eu... refletindo agora sobre seu ato, vejo que foi apenas uma manobra para desviar de mim. Mas me diga Rita, lhe fiz tanto mal assim só por te amar? Creio que não, e com esta razão prossigo com a história..”

Neste momento o homem de trás do balcão propôs um intervalo, como consolo deu a Yuri uma dose do seu doce e adorável veneno, que sem pensar duas vezes aceitou fazendo um singelo sinal com a mão. Bebeu de um gole só toda cachaça. Sentiu o calor se espalhar pelo corpo, vindo diretamente do seu estomago. Sentiu-se melhor depois deste copo. Talvez como brinde, ganhou um cigarro que ascendeu com pressa e fumou tristemente. Após este intervalo, Yuri estava pronto para prosseguir com a história... com um cigarro entre os dedos, e a fumaça lhe subindo o rosto, ele deu continuidade à história...

Ato 5. Fragilidade emocional e amor em vão

“Noutra curva do destino encontrei seus braços outra vez. Se sentindo fraca, Rita aceitou me dar uma chance. Eu mesmo debilitado por sofrer tanto, tentei parecer o mais saudável possível.. mas não estava. E não era só o coração que estava doente, meu corpo e minha cabeça estavam também..

Saímos a noite.. eu imaginava que seria uma reconciliação perfeita, e já estava bêbado, mas logo notei que Rita queria dar um fim na situação. Logo ao me ver, ela perguntou porque estava tão ébrio. Fiquei feliz, porque aquilo demonstrava algum sentimento por mim.. era só o que eu queria, um pouco de sentimento, queria me sentir gente por alguns momentos, mas nem isso Rita foi capaz de fazer. No meio da noite, eu estava caído ao seu lado, implorando sua mão. Sem saber que era em vão e só piorava as coisas para o meu lado. Ela me negou o beijo, me xingou, negou meu amor. Disse coisas terríveis sobre mim! Eu não poderia amar mais ninguém depois deste dia. Eu estava fadado a viver na depressão eterna. A eterna solidão que é escura mesmo ao meio-dia. Que é ébria mesmo estando sóbrio. Rita foi embora, eu sentei na calçada. Para onde mais eu deveria ir? Nem ao menos conseguia caminhar. Vomitei enquanto o sol nascia. Eu não podia rir, eu não podia nem mostrar os dentes.. eu mal conseguia limpar minha boca. Uma coisa apenas eu consegui fazer, beber os últimos goles da garrafa de conhaque.. eu já tinha vomitado, e agora bebia mais um pouco. ‘Que diabos estou fazendo?’ – era tarde demais para perguntar.

Depois deste dia nunca mais vi Rita, a pessoa para quem eu dei todo meu amor, e a cada dia que passa ele só cresce. Eu errei em amar demais. Mas o que acontece com as pessoas que erram ao fazer o bem? Será destinado um inferno só para elas? Ébriamente vou imaginando algum fim para mim, já que não posso ter quem eu quero, que ao menos tenha um fim digno. Mas não terei, esta é a única certeza. Eu estou morrendo aos poucos, bebendo aos montes. Eu me apaixono todo dia por Rita, ela nem escuta minhas palavras. Mas algo, no mais profundo da minha existência me conforta.. o fato de saber que ninguém jamais irá amar Rita como eu amei...

Agora por favor, me dê outra dose que eu seguirei até outro bar, desculpe incomodar.. estou só de passagem”

Yuri morreu com uma única certeza, de que as pessoas que amam.. jamais morrem.

Reny Moriarty
Enviado por Reny Moriarty em 15/05/2009
Código do texto: T1595347
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