ANARA ( PARTE I )

O sol dava os primeiros sinais no horizonte, a Inglaterra se calara enquanto o povo cigano chegava.

Há vinte dias na estrada, muitos homens vinham chegando com suas mulheres e famílias inteiras para trazer a música e seus artefatos.

À frente víamos o líder Mirko com seus filhos Marko e Jeker, junto dele a amada mulher Mirtes e a filha Anara. Vinha esperançoso cruzando as aldeias e procurando um bom lugar para acampar.

A bela jovem vinha de mãos dadas com a inseparável amiga Lívia. Nasceram na mesma época e eram como irmãs. Ciganas jovens e desejadas pelos ciganos, prometidas a Antunes e Leonel, ciganos astutos e fortes que por suas ciganas matariam.

As carroças iam se aproximando enquanto a cidade ia acordando.

Pararam num lugar pouco distante da cidade e os homens iam montando o acampamento.

Mulheres saiam com suas saias rodadas e respiravam o ar puro.

Anara e Lívia desceram correndo e sorrindo, se enroscando nas saias e nos cabelos longos que se misturavam aos seus sorrisos.

Anara tinha os cabelos negros e cacheados, olhos negros, rosto belo e firme, jeito maduro de agir, ao contrário de Lívia que tinha os cabelos lisos e claros e olhos de um mel interessante.

Corpos bem feitos, figuras vivas que pareciam pintadas à mão com capricho.

Invejadas pelas outras ciganas, Lívia e Anara contavam com a confiança das mães e dos pais a quem amavam fielmente.

Anara sorria feliz enquanto perguntava a Lívia:

- Será que conseguiremos bom ouro, boas moedas?

- Sim. Meu pai já arruma os tachos para vendermos e se Santa Sara permitir, conseguiremos sair daqui com boas moedas. Irá à cidade logo?

- Eu irei com minha mãe “buena dicha” senhor. Vou ler a sorte de todos.

- Então não deixe de ir.

- Nos veremos depois, disse Lívia indo ao encontro do pai Favero.

Favero era um homem sério, forte, astuto, não conversava muito, trabalhava com maestria e fazia os melhores tachos do acampamento. Vivia para seu povo.

Tinha na mulher Elize seu tesouro e na filha amada sua vida.

Lívia se aproximou e beijou forte o pai, que já se aprontava para vender seu trabalho.

O pai temia o jeito sonhador da cigana que não aceitava ser cigana. Queria encontrar seu amor e então se casar.

Embora com pouca idade, Lívia sempre que ia às cidades acompanhar o pai, despertava o olhar masculino e isso preocupava o bom Favero.

Temia que a iludissem, por isso não a deixava só em nenhum momento..

A cidade acordara, algumas mulheres pegavam as pessoas para ler a sorte, enquanto os homens arrumavam o produto a ser vendido.

Muitos homens se aproximaram dos tachos de Favero, os examinando.

Um rapaz jovem, cabelos claros e bonitos perguntou:

- Quanto me custará cigano? Disse apontando para um dos tachos.

- Pouco para o senhor - disse ele indo ter com o rapaz.

- Quero um bonito, disse ele.

- Tenho o ideal na carroça, um momento.

O cigano aproximou-se da carroça e chamou.

- Lívia traga o tacho grande que fiz ontem.

Lívia saiu da carroça com o tacho nas mãos e entregou ao pai.

O rapaz deslumbrado com sua beleza, a fitou com insistência tentando observar cada detalhe da jovem cigana.

- O que acha deste? Disse Favero.

O rapaz não o ouviu, sorriu para a cigana que retribuiu enquanto sentava à frente da carroça.

- É vossa filha?

- É sim. Meu único tesouro.

- Entendo, disse ele a olhando. É realmente um grande tesouro.

Favero não gostou e irritou-se falando firme:

- Vai querer o tacho?

- Ah sim. Desculpe-me. É muito belo, disse ele tirando muitas moedas. Acho que basta cigano.

O cigano surpreendeu-se com a quantia, mas não deixou de perceber o olhar do nobre para a cigana.

Vitor entrava no casarão de Martin a fim de encontrá-lo.

Uma criada surgiu à porta e ele, com carinho, perguntou à bela jovem:

- Rebecca, onde está o senhor Martin?

- Chegou nesse instante. O aguarda no jardim.

- Obrigado Rebecca, disse Vitor indo ter com o amigo no jardim.

- Meu caro Vitor. Já era tempo. O aguardo há algum tempo.

- Desculpe Martin. Tive contratempos. Mas enfim aqui estou. A propósito, quando será o casamento com Leonor?

- Breve. Isso me atormenta. Na verdade não desejo me casar.

- Nem eu. Mas, enfim somos nobres e o casamento é considerado sagrado. Teremos que dar adeus aos nossos divertimentos.

Vitor era um rapaz bonito, olhos claros e maneira educada. Era muito amigo de Martin e em parte o achava demais galanteador.

- Quero divertir-me hoje, disse Martin. Os ciganos chegaram e a noite as ciganas vão dançar. Lembra-se de Aramel?

- Ciganas, Martin. Por que atormentá-las? Não se esqueça de Aramel.

- Eu vi uma belíssima. Preciso ter com ela ou não me chamo Martin.

A noite caíra, na carroça Anara sentia-se mal.

- O que há Anara? Passa mal?

Mirtes lhe fez um chá de ervas e pediu que ela tomasse.

Estavas tão bem, disse Lívia.

- Ela comeu algo que fez mal. Não poderá dançar.

- Vá você, disse Anara à amiga. E dance bem bonito.

Mirtes sorriu e deixou as duas amigas a sós.

Anara deitada nas almofadas percebeu o olhar iluminado da amiga que não continha a ansiedade.

- Quer contar-me algo? Perguntou Anara

Lívia não se contendo disse:

- Sim. Preciso contar-lhe. Vi um rapaz tão belo hoje na cidade.

- É mesmo? Disse Anara sorrindo.

- Ele sorriu para mim. E eu confesso que não o esqueci um só momento.

Anara ficou séria e disse:

- Esqueça Lívia. E Antunes?

- Não o amo Anara.

- O amor vem com o tempo, disse ela.

- Não acredito. Para mim o amor vem em um único olhar.

- Fala do rapaz?

- Sim. Ele era nobre.

- Pare com isso Lívia. Sou jovem, mas já vi nobres roubarem honras de ciganas e elas chorarem. Já vi muitas serem expulsas e sofrerem de desilusão.

- Não será comigo, disse Lívia saindo.

- Espere Lívia. Pense bem, eles tiram o que uma cigana mais preza, arrebentam com sua vida e mancham seu destino. Então você se tornará alvo das piadas entre os nobres da sociedade e a vergonha para Antunes.

Lívia deu de ombros e saiu pronta para dançar.

CAPÍTULO II

A cidade estava em festa, a praça cheia de pessoas. Lívia dançava junto das outras e pode perceber a presença do jovem nobre que lhe fazia sinais.

Pensou em Anara e ao acabar a dança, quis ir embora e dizer à amiga que esqueceria.

Enquanto saía da multidão, Lívia foi surpreendida pelo jovem nobre.

- Você é linda cigana, disse ele.

- Obrigada, disse ela. Tenho que ir.

- Espere, não se vá. Esperei ansioso para revê-la. Não a esqueci um só minuto.

- Deixe-me, disse ela saindo.

Martin entrou em sua frente e disse:

- Irei conquistá-la e se casará comigo.

Lívia atordoada com as palavras do rapaz saiu correndo rumo ao acampamento. Foi à carroça de Anara, mas esta dormia.

Voltou à sua carroça, tentou dormir, mas os olhos do rapaz a perseguiam.

Nunca se sentira assim, parecia conhecê-lo e amá-lo há muitos anos.

Tentou adormecer, mas lhe era difícil.

Já amanhecia quando ela fechou os olhos.

Na manhã seguinte Elize andava pelo acampamento, quando um homem aproximou-se.

- Preciso entregar este presente a uma cigana.

- Presente?

- Sim. Do nobre Martin. Ele pediu que eu entregasse.

- Quem é a cigana?

- Seu nome é Lívia.

Elize empalideceu, sua filha apesar de todos os cuidados do pai, se metera com um nobre.

Neste instante Lívia surgiu.

- O que é mãe?

- Um presente para você minha filha.

Os olhos de Lívia brilhavam enquanto dizia que era dela.

- Largue isso, berrou Elize.

- Pare mãe, disse ela abrindo e se deparando com um lindo anel de ouro puro e um bilhete.

- Case-se comigo. Estou aguardando na entrada da cidade, não demore.

Lívia se alegrou com o presente de Martin e esqueceu a mãe enquanto foi se arrumar para vê-lo.

Pensava calada. Ele a queria para casar e tentava aproximar-se

Na hora marcada Lívia estava lá e Martin logo surgiu.

- Vieste Lívia?

- Como sabe meu nome?

- O amor me revelou, disse ele tentando beijá-la.

Lívia hesitou, mas ele a beijou e quis tocá-la.

- O que quer de mim?

- Quero casar-me com você.

- Não nos conhecemos.

- Não percebe que parece já nos vimos várias vezes?

- Acho isso também disse ela olhando o jovem apaixonada

Muitos dias se seguiram como aqueles e a certeza de amá-lo crescia a cada instante.

Seu casamento com Antunes aproximava-se. Queria fugir, dizer que amava Martin e que se casariam e se amariam.

Anara, preocupada com os inúmeros presentes e as saídas da amiga, perguntou:

- Encontra-se com o nobre?

Lívia não conseguia mais esconder seu amor, queria gritar seu amor e respondeu:

- Sim. Com Martin. Filho de um nobre muito rico.

- Isso que a atrai? Perguntou Anara triste por ver a jovem iludida.

- Eu o amo amiga. Ele disse que virá falar com papai e nos casaremos. Enche-me de presentes, me deu anel para provar e comprometer-nos.

- Não seja inocente, disse Anara séria. Virando-se de costas para a jovem.

- Não percebe que nos amamos? Disse Livia se aproximando da amiga e pegando em suas mãos.

- O quero muito. Anara, eu o esperei toda vida para tirar-me desse lugar, desse povo e me fazer feliz. Ele chegou, não vou deixá-lo escapar de minhas mãos.

- Tudo que quer é isso? Perguntou Anara. Largar o povo?

- Não. Quero estar com quem amo. Mas você minha amiga não pode entender o que sinto, simplesmente pôr que nunca amou, disse ela saindo da carroça.

O dia nascia, Lívia beijava Martin com amor.

- Falará com meu pai?

- Sim. Mas antes eu a quero muito. Sabe que a amo. Provo todos os dias.

- Fale primeiro com meu pai.

- Entenda Lívia. Eu a quero e juro que nos casaremos.

Martin a beijou repetidas vezes enquanto Lívia, embalada na paixão, deixou-se entregar.

Anara estava preocupada. Lívia desaparecera e ela mentira aos seus pais.

A dias a jovem Lívia não trabalhava e não participava das festas com o povo

Preocupada Anara ia para sua carroça quando Lívia surgiu.

- Onde estava Lívia? Perguntou Anara indo a seu encontro aflita

- Procurando Martin. A dias acordo e o espero para que fale com o papai de nosso casamento Mas ele não veio. Disse ela pálida

- E nem virá, disse Anara. séria

- Ele jurou-me Anara, disse Lívia com os olhos marejados de lágrimas.

- Está bem, disse Anara a abraçando. Creio em você, mas mal o conhece e deu sonhos demais a este jovem.

- Vamos a casa dele. Por favor, pedia Lívia segurando a amiga desesperada.

- Não entendo seu desespero, mas irei contigo a casa deste homem disse Anara abraçando a jovem.

Chegando à porta, Rebecca avistou as duas ciganas e rapidamente preocupou-se.

- O que querem? Perguntou com os olhos arregalados

- Procuro Martin, disse Lívia deixando a amiga e aproximando-se.

- Martin viajou com a noiva. O que quer?

Lívia empalideceu e teria caído se Rebecca não a tivesse segurado.

- Acalma-se, pediu Rebecca.

Anara levou a amiga para casa que chorava e por muitos dias chorou e sofreu.

Não se alimentava e não se levantava da cama deixando todos preocupados

Numa manhã fria, Anara foi lhe levar um chá.

- Como está? Perguntou vendo a jovem em pé arrumada

- Quero vingança, disse ela. Eu vou matá-lo.

- Acalme-se. Pediu Anara preocupada com o ódio presente nos olhos da jovem

- Ele enganou-me e temo o pior.

- O que aconteceu entre vocês que está tão desesperada? Disse Anara preocupada.

- A dois meses espero. E nada vem. A natureza me esqueceu, disse ela.

Anara empalideceu. Estaria ela grávida? Como contar ao povo e a Antunes?

Anara sentia-se mal, lhe faltava o ar.

- Não pode ser Lívia.

Lívia tinha perdido a pureza, os olhos belos guardavam o ódio de Martin.

- Ele terá que nos assumir.

Anara não tinha palavras, sofria com Lívia. Ele a enganara e agora a abandonara. Chegou a acreditar em seu amor pela amiga.

- Irei procurá-lo, disse Lívia, agora.

Disse se arrumando:

- Irei só. Disse a Anara que ia seguindo a jovem cigana

- Irei contigo.

- Não, irei só.

Anara viu a amiga sair no frio que feria a pele e rezou a Santa Sara.

O vento batia e com custo Lívia alcançou o casarão.

Vitor ia entrando quando ela chamou:

- Senhor.

- Sim, disse ele, reconhecendo nela a cigana que o amigo enganou.

- Quero falar com Martin. Por Deus meu, disse quase implorando.

Vitor quis chorar pelo destino da cigana.

- Esqueça-o, pediu. Ele nada vale.

- Espero um filho dele. Preciso que ele nos assuma ou serei expulsa do meu povo, pedia chorando.

Vitor resolveu ajudá-la e encontrou Martin no casarão.

Martin o esperava.

- Bom dia Vitor.

- Tem uma cigana na porta.

- Tire-a daqui.

- Martin, ela chora. Carrega um filho seu.

- Isso é para pressionar-me.

- Não. Ciganas não fazem isso. A desonra pode matá-la. Converse com ela.

- Não, Vitor. Dê-lhe essas moedas e diga que pago sua desonra.

Vitor não se conformava com a atitude de Martin e não pegou as moedas.

- Faça você, disse ele.

Martin, nervoso, fez um bilhete e colocou no saco das moedas. Pediu que Rebecca entregasse.

Rebecca entregou o saco e a cigana abriu esperando a promessa que ele os assumiria.

Era um saco com algumas moedas de ouro e um bilhete.

- Sinto, Lívia. Mas nunca a amei, eu a queria e lutei por meu ideal. Se o problema é a desonra, pago por sua honra. Seu povo, pelo que sei, se cala pelo dinheiro. Suma daqui. Deixe-me cigana.

Martin

Lívia tinha as pernas trêmulas, o ódio e o desespero a dominavam, quis correr, mas nada a ajudava.

Saiu quase rastejando com o saco nas mãos.

Chegou no acampamento e foi à sua carroça.

O desespero a matava Não havia que fazer. Tinha Antunes, seus pais e seu povo. O que diria? O que faria? Vira muitas iguais a ela serem amaldiçoadas e jogadas no mundo Num impulso pegou uma corda e saiu para se distanciar do acampamento.

Amarrou rápido na árvore e como se quisesse fugir da própria vida

- Maldito seja ele. Disse enforcando-se

O acampamento a ouviu, homens e mulheres corriam para procurar de onde gritavam.

Anara corria chamando por Lívia, desesperada.

Entrou em sua carroça, achou o saco, abriu rápido e leu.

Seus olhos quiseram chorar, quis morrer, mas antes teria que achar Lívia.

Saiu da carroça, seu pai a segurou, ciganas choravam e ciganos queriam buscar o culpado.

- Onde está Lívia pai. Onde? Gritava Anara com o bilhete nas mãos

Debatia-se a menina entre lágrimas quando avistou ao longe o corpo da amiga sendo carregado pelos ciganos.

Mirko tentava contê-la, mas Anara gritava tanto que muitos choraram com ela.

Elize chorava e Anara perdia uma parte de si.

A despedida de Lívia foi bonita, enterrada como cigana digna, ninguém soubera a verdade.

Anara se calava, guardava seu ódio sozinha para não manchar o destino da amiga que tanto amava.

Queria que Lívia fosse lembrada como a mais bela cigana e não como uma qualquer.

Limpou as lágrimas e Favero aproximou-se. O pai sabia que o nobre a levara a isto e Elize sabia também. Calavam-se para não desonrar a filha.

Com os olhos chorosos Anara aproximou-se de Favero e disse:

- Vou vingar vossa filha. Vou matar o desgraçado.

Dos olhos de Favero brotou uma lágrima. Lágrima que os ciganos pensaram nunca ver.

Um ódio passou pelos olhos do velho Favero. O homem sério que nunca sorrira, temera pela sorte da filha cheia de sonhos e ilusões e há pouco a enterrara.

Tivera que enterrar o sentimento de ódio pelo nobre, para não estragar a imagem da doce Lívia.

Anara lhe jurara vingá-la. Favero confiava na moça, sabia que a jovem morreria por Lívia e mataria também. A cigana era a única que sabia da verdade. Lívia sacrificara ao seu filho e a si por vergonha, por amor.

Anara sofreu à vista de todos.

Os ciganos preocupavam-se com a filha do líder, com a filha do pai grande. Os irmãos tentavam ajudá-la e Mirtes tentava fazê-la alegrar-se.

Mas naquele dia não morreu somente Lívia.

Anara, a doce cigana, também se suicidara, dando lugar a uma mulher que ninguém jamais conhecera.

Vitor só em casa lembrou-se de Aramel. Ele vira seu povo chorar quando Martin arrebentara com sua vida como fizera a pouco com Lívia. O jovem nobre teve pena daquele povo sofrido que cria suas filhas e mulheres com amor, sem luxo, para que homens como Martin acabem com o que um cigano mais preza.

Para Martin, não bastava ser amado por todas as damas, na verdade cansara-se de vê-las se insinuando quando ele passava.

Queria mais. Queria poder ir além, para sentir-se o poderoso.

Vitor e ele eram amigos desde pequenos. Ouvira histórias sobre ciganas que ele desvirginava. Mas depois de ver os olhos de Lívia lhe implorando com um filho no ventre uma atitude do homem que Martin não era. Vitor passara a ter ódio do amigo.

Evitava-o e quando podia, se esquivava porque a expressão da cigana não saíra de seus olhos. Onde estaria ela? Teria conseguido ser aceita pelos ciganos? Talvez fugira.

Vitor, vendo os ciganos passarem para irem embora, pensou em Lívia.

- Onde estaria a cigana cujo único erro fora se apaixonar por Martin?

Anara ia deixando a cidade para trás com seu povo. De certo no próximo inverno voltariam e então conheceria Martin e faria o que prometeu.

Guardara o bilhete do nobre e o dinheiro que pagara por sua amiga.

Pensara em Lívia com carinho e tristeza.

A vida lhe perdera o sentido e não conseguira mais ser o que era.

Para trás ficará Lívia morta e no mesmo chão Martin vivo, pronto a casar-se e esquecer que matara alguém com seu cinismo.

Anara foi-se, mas em algum momento voltaria e vingaria Lívia.

Martin preparava-se para o casamento. Finalmente estava a poucos dias de selar sua união com Leonor, filha de um nobre.

Não a amava e em nenhum momento desejara isso.

Sentia-se só, Vitor pouco o procurava, notara que o amigo se afastou desde o ocorrido com a cigana.

Seu pai entrou na sala e lhe serviu um vinho.

Martin aceitou e sentou-se ao lado do pai.

- Martin é isso que quer? Desposar Leonor

- Sim, meu pai.

- Quero que a faça feliz. É uma boa jovem e filha de um grande amigo.

- Sei disso.

- Então freie suas conquistas e seja discreto em suas paixões.

- Sim, meu pai. Disse ele sorrindo.

Vitor adentrou o salão e logo avistou o amigo. Viera pedir-lhe um favor.

- Meu bom Vitor. Finalmente veio visitar-me.

- Sim. Como está Sr. Peter?

- Estou muito bem. Agora com licença jovens. Vocês querem conversar, e eu vou ter com meus amigos, disse o pai sorrindo.

Assim que o velho saiu, Martin aproximou-se sentando e convidando Vitor a sentar.

- O que o traz aqui? Após tanto tempo.

- Deve saber que os ciganos estão chegando.

Martin deu um sorriso.

- E com eles as ciganas, disse ele.

- É isso que venho pedir-lhe. Por Deus Martin, deixe-as, não as atormente. Não durmo uma só noite pensando no olhar daquela cigana que carregava vosso filho.

- Cale-se, gritou Martin. Esqueça isso.

- Tento, mas sonho com ela implorando que eu ampare seu povo. Ela me olha e mostra-me sua barriga.

- Estás apaixonado por Lívia? Disse Martin assustado.

- É claro que não. É horrível Martin. Ela chora e atormenta meu pensamento. Vejo-a enforcada. É horrível.

- De certo você está sonhando. Lívia deve estar com seu povo ou então fugiu e se deitou com um nobre que a sustentasse.

Os olhos de Vitor assumiram um misto de ódio e rancor e ele gritou:

- Não sou uma qualquer maldito, berrou ele avançando no amigo.

Martin foi ao chão e Vitor o socava.

Os criados vieram separá-los e Vitor atordoado parecia voltar a si.

- Estás louco? Falaste como uma mulher! Disse Martin se afastando do amigo

- Não me lembro. Disse atordoado.

- Precisa tratar-te Vitor. Essa cigana lhe enfeitiçou para que me lembre do ocorrido. Gosto de você, não quero que deixemos de ser amigos por uma cigana.

- Uma moça Martin, de nome Lívia.

- Vitor contenha-se. Vá descansar e amanhã retomaremos nossa conversa.

Vitor saiu atordoado.

Os ciganos montavam suas tendas, já era noite e o fogo foi aceso.

Tomavam vinho seco e comiam carne. Graças à Santa, nunca lhes faltara nada.

Anara comia em um canto do acampamento, sua vida tinha mudado, quando a jovem Lívia morrera, morrera ela, a jovem cigana.

O que restara era uma mulher, mulher que nunca mais chorara, mulher que nunca amara. Olhos frios e distantes.

Os ciganos diziam que Anara também partira ou talvez, como Raquel uma cigana feiticeira dizia, o maior sentimento para Anara era a amizade por Lívia e todo sentimento morrera.

Mas ela mudara, trabalhava mais com os pais e mataria por sua raça.

Mirtes sentou ao lado da filha e, percebendo seus olhos fixos nas chamas do fogo, pegou em suas mãos.

- O que pensas minha filha?

A jovem fitou a mãe com carinho, mas sua voz e suas palavras foram duras.

- Não sossegarei enquanto não colocar meu punhal no coração do tal Martin.

Mirtes acostumara-se em ver homens se matarem por suas mulheres e cansada tanto de ver as próprias ciganas se defenderem.

Mas ver sua doce filha com tal idéia a assustava.

Anara sei que calou-se e ainda esconde um segredo. Por Lívia. Respeito seus sentimentos querida, mas vingar-se de um nobre poderoso? Ele a matará. E por um segredo seu, de Favero e de Elize, nenhum dos nossos ciganos irá interferir. Se seu pai souber de tal idéia.

- Não minha mãe, disse Anara olhando fixo nos olhos de Mirtes. Lívia era a pessoa em que eu mais confiava. Se ela tivesse morrido de uma doença ou qualquer outra coisa, eu aceitaria, mas não, eu o vi enganá-la, assisti sua paixão e e o cinismo deste homem que não conheço. Assisti a tudo mãe.

- Que segredo esconde Anara.

- Ele pensou somente nele, disse Anara se levantando e indo para sua tenda.

Deitou-se e quis matá-lo, o sono não veio e resolveu se levantar. Caminhou com os pensamentos perdidos, quase chegara à cidade sem dar-se conta.

Sentou-se em um canto enquanto assistia alguns de seu grupo dançando.

Um homem aproximou-se e tocou em seu ombro.

Anara levantou-se rápido e afastou-se.

- O que quer? Vá embora.

- Você é uma cigana. Esteve aqui há um ano talvez.

- Por que quer saber? Disse ela olhando para o rapaz.

- Desculpe-me, disse ele, aproximando e percebendo a beleza da cigana. Impressionou-se, mas o que queria saber só poderia vir de um deles.

- Conhece Lívia? Perguntou ele sério.

Anara empalideceu. Era ele o maldito, o desgraçado. Tentou conter-se, mas não conseguia.

- Por que pergunta? Gritou ela.

- Chamo-me Vitor.

Anara surpreendeu-se, então não era ele o maldito.

- Conheci Lívia quando foi à casa de Martin contar-lhe do filho e, desde então, não consigo dormir. Não esqueço o que Martin lhe disse, do saco de moedas que lhe deu. Confesso que às vezes eu o odeio, mas somos amigos e eu só quero saber de Lívia. O que houve com ela? Ela teve o bebê? Está vivendo com vocês?

Anara não sabia o que dizer, mas por fim perguntou:

- Preocupa-se com Lívia?

- Sim, cigana.

- Ela casou-se com um cigano de outra aldeia e mora com ele. Está bem.

- Bom saber, disse ele. Temi por ela. Martin é um homem cheio de mulheres a seus pés, se casará agora com Leonor e usa as pessoas. Sinto pelo o que ele fez.

Anara sentiu que o rapaz era sincero.

- Ele gosta de ciganas. Se ele a conhecer, vai tentar fazer o mesmo que fez com Lívia.

- Tenha certeza que não, disse ela.

- Como se chama?

- Me chamo Anara.

- Adeus Anara. Disse ele

- Martin me espera e o quero levar daqui antes que faça o que fez com outra cigana Obrigado por conversar comigo, disse ele se afastando.

A jovem cigana o seguiu com os olhos e viu quando mais à frente o tal Martin o esperava

Passou por eles e seguiu para encontrar seu grupo

O rapaz a olhou de repente e Martin percebendo a inquietação de Vitor, virou-se.

Os olhos de Martin brilharam, era a cigana mais linda que já vira, parecia desfilar pela rua. Seus cabelos longos passaram deixando um perfume no ar e ele a olhou com desejo. Queria conhecê-la, apertá-la em seus braços e beijá-la.

Ela olhou para Vitor que também a fitava e sorriu.

- A conhece Vitor? Apresente-me.

- Fique longe dela, disse Vitor.

- Por que está tendo um caso com ela?

- É claro que não. Deixe as ciganas em paz.

- Não parece com as outras, é única, disse ele.

Anara subiu em uma carroça e dando um aceno a Vitor, voltou ao acampamento.

Leonor tomava uma xícara de chá na sala de jantar de seu castelo.

A mãe a olhava com orgulho. Finalmente casaria a filha com Martin. Ansiara por aquilo, ver Leonor ligando-se a nobreza lhe deixava feliz.

Dorothy olhou a filha e perguntou:

- E o Martin filha? Não o viste hoje?

Leonor, que era bela como uma madona pintada com desvelo, pele branca e de maciez, olhos azuis e belos, olhou para a mãe, levando um gole de chá ao paladar.

- O verei ainda esta tarde. Temos uns dias ainda para nos conhecermos melhor.

- Para que conhecer... Disse Dorothy se servindo de mais um pouco de chá.

- As pessoas que se casam devem conhecer-se.

- Não seja caprichosa, disse Dorothy olhando a filha. Martin é o moço ideal e há quase um ano estão neste martírio

- Sei disso e confesso que talvez eu o ame. Ele é gentil e belo.

- É bom que perceba isso querida, disse a mãe sorrindo à jovem moça.

CAPÍTULO III

Anara andava pelo acampamento, triste, tudo lhe fugira das mãos, a amizade e a alegria Até seu casamento se perderam.

Teria que deixar o acampamento para vingar-se do nobre.

Decidida pegou suas coisas e falar com seu pai .

O dia amanhecia, ciganos preparavam-se para irem à cidade, alguns já haviam partido antes.

Anara andava a passos rápidos pela cidade, as pessoas a olhavam com curiosidade.

Martin passava em sua carruagem com amigos. Para eles a noite ainda não havia terminado. Desceu e foi à procura de um bom vinho na taverna de Veiga.

Ia entrando com dois amigos, sorrindo e olhando as mulheres como fazia.

Anara passou por ele com duas ciganas que pararam os amigos dizendo:

- Buena dicha senhor?

Martin, vendo Anara entre elas sorrindo para ele disse:

- Quer ler meu futuro, disse ele sorrindo para ela.

Percebendo ser Martin o amigo de Vitor e o assassino de Lívia ela não hesitou

- Quero sim, disse Anara pegando em suas mãos.

Quis matá-lo, preferia morrer a segurar nas mãos sujas do maldito que matou Lívia.

- O que vê cigana? Disse ele sorrindo

Anara olhou firme em seus olhos e o que via realmente era desgraça, fome e solidão.

- Vejo desgraça, fome e solidão.

- É mesmo? Disse ele sorrindo.

- Vejo um passado que te perseguirá e lhe arrancará as belas coisas da vida.

Martin olhou para a moça, admirado com sua beleza e com a certeza que lhe falava.

- Amará uma mulher e ela com certeza o levará ao fracasso.

- Leonor? Nunca, ela me levará a lugar nenhum.

- Deus tenha piedade de sua alma, disse ela.

- És tão bela e diz coisas tão ruins.

- São três moedas de ouro.

- Ah sim, lhe dou vinte moedas só para vê-la novamente.

- Nem que você me desse todo vossa fortuna, não iria. Não estou à venda. E além do mais, não vou cobrar. Vosso destino é muito triste.

Martin espantou-se.

- Sou tão feio assim, disse ele aos amigos.

- Pergunte a Leonor, disse ela, indo ler a mão de outro jovem.

- Buena dicha, disse ela.

- Sim, disse o moço.

- Vejo um futuro belo com uma boa jovem de nome Marie.

- Com certeza, disse ele, é minha noiva.

- Terás um belo filho, serás feliz.

O rapaz saiu satisfeito e Martin intrigou-se com o acerto da cigana. Será que poderia ser verdade?

Não. Impossível. Uma cigana mente para ganhar a vida.

Olhou novamente para ela e disse:

- Quero vê-la novamente Anara.

- Como sabe meu nome? Disse ela nervosa.

- O amor me contou. Nunca fiquei tão impressionado com tal beleza.

- Esqueça-me, disse ela saindo.

Martin, em seus aposentos, pensava no olhar da cigana. Deitou-se, mas não conseguiu adormecer. O rosto da cigana o perseguia.

E, quando a via, seu coração batia, queria tê-la nos braços e abraçá-la.

Levantou e foi à cidade, era noite e ciganos andavam por toda a parte, em uma roda alguns dançavam..

Procurou por Anara, mas ela não estava naquele grupo.

Foi até o acampamento e havia festa.

As ciganas dançavam em volta do fogo e os homens bebiam. O cheiro da carne estava no ar.

Anara dançava com graça. Martin escondeu-se para vê-la melhor.

Era realmente bela e linda.

No meio das ciganas, viu Lívia dançando e assustou-se.

Seria ela realmente? Mas de repente Lívia sumiu e ele, assustado, voltou para a taverna.

Pediu vinho e bebeu, enquanto mulheres se jogavam em seus braços.

Anara entrou na taverna com um punhado de moedas para levar mais vinho.

- Anara! Chamou ele, quando a viu.

- A cigana veio até ele e sorriu. Vais dormir por aqui?

- Não. Quero ver a festa de vocês, pediu ele. Gosto de ciganos.

- Sei disso. Vou levá-lo comigo. Vamos.

Martin levantou-se e foi com a cigana ao acampamento.

O povo o olhou com preconceito.

- É meu convidado, disse ela enquanto mostrava o acampamento para ele.

É o desgraçado, disse Favero à mulher.

- Que Anara vingue-se, disse a mãe.

Distantes do barulho, Martin tentou beijá-la.

- Não.

- Por que não. É apenas um beijo. O que quer?

- Quero que vá embora.

- Não. Vamos à minha casa.

- Não. Não sou uma qualquer.

- E se entrar como minha mulher?

- Não me iluda, disse ela.

- Falo com vosso pai e nos casamos.

- Não quero me casar com você.

Para Martin, aquilo era novidade, ela não o queria.

- Vou conquistá-la cigana e vai se casar comigo.

- Não quero. Não gosto de você.

Martin empalidecera. Era a primeira mulher que o ignorara.

- Espere e verá, disse ele indo embora.

Na manhã seguinte, Anara mal acordou quando o pai a chamou.

- Um nobre pede enlouquecido sua mão em casamento. Ofereceu-me dinheiro.

- Dê meu pai.

- Do que fala

- Por Lívia. Autorize.

- Sacrificará sua vida por Lívia e não entendo que relação tem ela com esse rapaz?

- Apenas autorize, meu pai.

Anara olhou seu pai com carinho.

- Sempre quis ver minha filha casada com um homem, com um cigano. Para que tivesse um herdeiro e pudesse dar continuidade a tudo que fiz.

Anara percebeu que o pai, insatisfeito, atenderia seu pedido, mas não gostaria de tal destino para a filha.

- Pai é o que quero, não serei feliz se eu não vingar Lívia. Por Santa Sara pai. Este é o homem que a levou a desgraça. Não diga nada e não interceda.

O pai a olhou com carinho e saiu da carroça enquanto o nobre Martin o aguardava.

- Dou-lhe a mão de minha filha. Leve-a e se casem.

Anara saiu da carroça enquanto Martin a olhava.

- Anara precipitei-me? Perguntou enquanto se distanciavam da carroça.

- Essa foi sua escolha. Não tive outro caminho.

- Seu pai autorizou.

- Você quis comprar minha mão. E, além do mais, e sua noiva, Leonor.?

- Leonor é inteligente e entenderá.

- Acha que pode mudar o destino das pessoas como muda o seu?

- Sim. Acho querida.

- Quer tanto se casar comigo. Mal nos conhecemos.

- Eu a conheço há séculos, disse ele.

- Se assim quer, serei vossa mulher.

Leonor andava nervosa, enquanto esperava a visita de Martin.

Ele lhe avisara que deveriam conversar. Ela estava apreensiva.

Martin entrou no salão principal com rapidez. Ao vê-la, teve certeza que valia a pena inventar um fato.

Teria a cigana, e depois talvez desposasse Eleonor. Um dia. Talvez as coisas fossem diferentes, gostava de variar.

- Leonor preciso falar-te.

- Sim Martin.

- Nosso casamento não será possível.

Leonor que tinha a pele branca empalidecera ainda mais.

- Vou me Casar com outra mulher.

- A jovem se levantou e saiu chorando sem dizer nada.

Martin soube que ela partira três dias depois junto com a mãe e ela revoltada lhe amaldiçoara

Anara estava pronta. Com vestes belas, parecia uma dama da corte, ia entrar para a família de Martin.

Talvez essa desgraça fosse o que Lívia tanto ansiava.

A família de Martin não se conformava.

- Desposar uma cigana? Disse o velho pai.

A mãe o olhou com carinho.

- Ama esta mulher?

- Sim mãe. Eu a amo. A amo com todo fervor.

- Não permitirei, disse o pai. E o que fazer com o compromisso com Leonor?

- Já resolvi meu pai. Leonor partiu, talvez não volte.

O pai nada disse. Inconformado, foi para seus aposentos. A mãe aproximou-se e com alegria disse:

- Ele entenderá querido. É difícil para seu pai vê-lo casado com uma cigana.

- Anara é o que quero, minha mãe.

Anara entrou na casa de Martin acompanhada por ele.

A casa era bela. Muitos criados e criadas e um belo jardim.

Guardas cuidavam dos portões, uma realidade diferente da sua. Diferente demais.

Adentraram a casa, o piso de mármore com louças adornadas em ouro.

Mary Laine, a mãe, veio recebê-los.

- Boa tarde filho. Boa tarde Anara.

- Boa tarde senhora

- Então é a noiva de Martin?

- Sim, sou.

- Bem, querida. O jantar que daremos vai ser muito bom. Pedi que Martin lhe trouxesse para tirarmos suas medidas e lhe darmos um novo vestuário.

- Fico feliz, disse ela.

- Acompanha-me, disse a mãe sorrindo feliz.

Martin, alegre, foi vendo as duas distanciarem.

Vitor entrou apressado na casa.

- Martin!

- Boa tarde Vitor amigo.

- O que você está fazendo? Disse ele nervoso.

- Do que fala?

- Falo de Anara. Vais desposá-la como fez com Lívia?

- Esqueça Lívia, disse ele.

- Pede-me isso?

- Sim. Vou me casar com Anara.

- Sua brincadeira está indo longe demais.

- Eu a amo.

Vitor surpreendeu-se.

- Diz que a ama?

- Sim. Quero tê-la.

- E depois, o que fará?

- Não sei.

Mary Laine e Anara já vinham descendo. Os olhos de Vitor encontraram-se com os de Anara e ele foi ao seu encontro.

- O que faz? Disse ele.

- Acalme-se, disse ela. Sei o que faço.

- Esqueceu-se de Lívia?

- Não. Lembro dela todos os instantes, disse ao seu ouvido.

Deixe-nos Vitor. Pediu Martin.

Vitor olhou a bela figura da cigana, quis levá-la dali e dizer que seria infeliz.

Seus olhos assumiram um olhar triste.

Vitor saiu sem nada dizer.

O casamento de Martin foi um acontecimento grande, principalmente ao abandonar a jovem rica e desposar uma cigana.

O povo falava, a corte não compreendia, a nobreza tentava aceitar, embora o preconceito os impedisse.

Aceitavam, por Martin ser filho de um poderoso nobre cuja própria rainha estimava.

Anara casou-se de cabeça erguida, levou ao altar o nobre Martin.

Anara andava calmamente pelo jardim, todo seu plano estava caminhando, tinha certeza que daria certo.

Levaria o ouro de Martin, o faria implorar por seu amor, então arrumaria amantes e, ao vê-lo na ruína, o abandonaria.

Então, se nesse momento ele não se matasse, ela mesmo faria com o punhal de Lívia.

Martin aproximou-se tentou beijá-la.

- Deixe-me, disse ela.

- Do que fala Anara? Perguntou ele tentando tocá-la.

- Tire suas mãos de mim.

- Estamos casados e você é minha esposa.

- Estamos sim, mas nunca serei sua mulher. Ofereceu dinheiro ao meu povo e comprou-me. Mas não serei sua esposa.

- Brinca comigo? Disse ele.

- Não. Falo do meu coração. Deixe-me.

- Casei-me para possuí-la.

- Casou-se porque queria deitar-se comigo. Mas não se deitará.

Martin tinha à frente uma outra mulher.

Ele achava Anara estranha. Em algum momento, parecia que ela queria casar-se. Outros parecia ser obrigada.

- Deite-se comigo. disse ele muito nervoso e que não podia disfarçar.

- Nunca me deitarei com você, disse ela, deixando-o para trás.

Martin levou as mãos à cabeça. Aquela era uma cigana oportunista, que se aproveitava de seu ouro, ou seria uma mulher obrigada a casar-se, visto que precisava do dinheiro para ajudar os pais.

Não. Era uma mulher fria e calculista que o usara. Foi atrás dela, mas a cigana trancara-se em seus aposentos.

Mary Laine foi ter com o filho que, aborrecido, nada lhe disse.

- Venho comunicar a chegada de Louis, vosso irmão que retorna ao lar.

- Ótimo mãe, disse ele, visto que amava o irmão.

- O que há querido?

- Nada mãe. Apenas um mal estar. Vou me deitar.

Os preparativos para a chegada de Luiz eram corridos.

Ter o filho em casa, para Mary Laine e Peter era grande alegria. Louis partira para a cidade vizinha, há alguns meses, para dedicar-se às armas.

Embora o dinheiro o colocasse em boa posição, sua paixão pela guarda era evidente.

Era um guerreiro e lutou em várias batalhas.

Em nada se parecia com Martin, a não ser pela beleza e pelo sucesso com as damas da corte.

Todos aguardavam-no em uma grande festa no salão do castelo

Tudo decorado em vermelho e branco, com flores e bebidas caras.

Os convidados iam chegando e se assentando pelas cadeiras do salão.

Mary Laine os recebera com Peter na porta de entrada, enquanto Anara e Martin tentavam fingir que o primeiro mês de casamento correra bem.

Era difícil simular a decepção de Martin, visto que percebera que amava a cigana e casara-se primeiramente para possuí-la, depois para abandoná-la.

Esse era seu propósito, mas o amor o derrubou logo nos primeiros dias e ele, não conseguia nada, estava perdidamente apaixonado e se rendia ao encanto e a vontade da cigana.

Anara parecia indiferente à sua dor. Não sorria e parecia não vê-lo ao seu lado.

Vestia ela um modelo inglês, em vermelho e branco como Mary Laine.

Os cabelos longos, presos num coque com uma coroa de esmeraldas que ganhara de Martin nos primeiros dias de noivado.

Martin assinara seu óbito, dera tudo a ela e no dia de seu casamento assinara sua escravidão.

Louis chegou simples e feliz. Cabelos claros e longos, olhos azuis e rosto belo. Entrou no salão e abraçou a mãe.

Ao avistar o irmão feliz, também ficou e Martin aproximou-se para abraçá-lo.

- Martin, como estás robusto, disse ele.

- E você, como cresceu, disse se abraçando ao irmão.

Anara levantou-se para cumprimentá-lo.

- Esta é Anara, minha esposa.

- Prazer, disse Louis encantado. Então é você que conseguiu vencer meu irmão?

E a cigana respondeu com carinho:

- Acho que Sim. Disse ela sorrindo.

Abraçaram-se e a festa animadamente prosseguia.

Louis aproximou-se de Martin.

- Encontre sua mulher e permita-me convidá-la para uma dança.

- Claro, disse Martin, vendo-a levantar-se e distanciar-se. Foi ao seu encontro e a trouxe para seu irmão.

Louis pegou Anara e começaram dançar.

- Onde conheceu meu irmão?

- Ele me conheceu, pergunte a ele, disse ela.

- Confesso que ele tem um bom gosto. Faça-o feliz. Martin é um bom moço.

- Farei, disse ela, enquanto seus olhos encontravam-se com os do rapaz.

Ao terminar a dança pediu licença e se retirou.

Anara entrou em seus aposentos, sua cabeça doía e parecia perder os sentidos.

As criadas corriam em volta dela.

- O que há? Perguntavam as criadas aflitas com o mal estar da jovem

- Não há nada. Bebi um pouco.

- Talvez seja isso, disse Mary Laine conduzindo à cama. Deve se cuidar querida.

- Estou tentando.

- Tente dormir.disse se retirando.

Louis levantou-se e logo foi aos aposentos da cunhada, que passara mal após a dança.

Abriu a porta e ela pediu que ele entrasse.

- Como está? Perguntou o jovem preocupado

- Bem. Não precisa se preocupar comigo.

- Difícil. Talvez tenha ficado tonta ao dançar.

- Não foi isso. Sei dançar muito bem, nasci dançando.

- Você é muito bonita, disse ele. Não pode adoentar-se.

- Louis. Fique comigo.

Louis olhou nos olhos da cigana e não entendeu o que ela dizia.

- Do que fala? Quer que eu fique com você?

- Não. Quero apenas que fique até que a criada volte.

- Ah sim, disse ele conversando com a moça, cujos lábios insinuantes o fascinavam.

Anara tinha o rosto quente. Louis aproximou-se para sentir sua temperatura.

Martin entrou nos aposentos e surpreendeu-se com a cena.

- O que é isso? Disse ele nervoso.

- Martin precisa chamar um médico. Ela arde em febre.

- O que faz aqui com minha mulher Louis?

- Ele apenas aguardava a volta da criada, disse ela.

- Mal chegou e já começa com galanteios. Não com minha mulher seu traidor, disse Martin avançando sobre ele.

Louis o empurrou.

- Você é ridículo mesmo. Anara não sabe com quem se casou. Continua o mesmo de sempre frio, caprichoso e mimado disse ele saindo nervoso.

Anara, atordoada, nada disse.

Depois de tal episódio, Louis e Martin não se falaram mais, os irmãos estavam separados. A paixão cegara Martin a tal ponto que brigara com quem tanto amava – o irmão.

Anara parecia não fazer parte de tal conflito, conversava com Mary Laine e Peter Fingia não perceber que tal briga fora por sua causa.

Mas a cigana ainda conversava com Louis, tinha outra parte que deveria fazer, levar Martin à miséria. Para isso, seus pais teriam que perder tudo. Seria difícil, afinal tudo na grande casa era ouro e a riqueza era evidente.

- Anara, o que faz pensativa? Disse Louis olhando a moça com carinho.

Anara aproximou-se do rapaz e disse:

- Fique comigo esta noite.

Louis, perdido nos olhos daquela mulher, a beijou e passou com ela uma noite. Tinha vontade de abraçá-lo, embora não o amasse. Foi uma noite curta, mas talvez fosse tudo que Martin quisera e o irmão agora lhe roubara.

Na manhã seguinte, Louis partiu. Anara não ligou, nem mesmo despediu-se do rapaz.

Estava vingada.

Martin bateu forte nos aposentos de Mary Laine.

- O que há meu filho?

- Preciso lhe perguntar o que acha de Anara.

- Anara. Bem, é sua mulher.

- Pergunto para saber da senhora.

- Penso que Anara não o ama, nem o que quer, talvez nem seu dinheiro queira.

- O que ela quer então?

- Não sei meu filho. Não sei. Mas temo que se machuque com a frieza dessa moça.

- Ela disse que eu a comprei.

- E o fez?

- Sim mãe. Nunca nem dormimos juntos. Ela me ignora.

- É uma mulher meu filho. Mulheres querem ser amadas e não compradas.

- Ela dizia me amar.

- E quantas você disse amar filho?

Martin lembrou-se de Lívia, estaria sendo castigado por tudo que fizera à cigana. Seria Deus que o condenava, devolvendo o troco em outra cigana?

- Estou cansado mãe e temo que Louis se apaixone por ela.

- Seu irmão partiu hoje, logo pela manhã. Pare com cismas.

- Ele queria roubar-me a mulher.

- A mulher que nunca foi tua.

Martin sentiu o orgulho ferido, saiu da sala nervoso e foi em busca de Anara.

Anara sentia as lágrimas correrem, queria acabar logo com aquilo.

Agora se entregaria ao marido e ele perceberia que ela não se guardara para ele. Depois, então, mataria o desgraçado.

Martin entrou nos aposentos de Anara e perguntou:

- Como está?

- Bem, disse ela sorrindo.

Vendo-a sorrir, ele aproximou-se.

- Por que me maltrata?

- Perdoe-me, disse ela. Talvez seja o fato de eu ter casado e deixado meu povo, minha gente.

Martin olhou nos olhos da cigana e a beijou dizendo: estou aqui.

Anara o abraçou e entre beijos, entregaram-se ao momento.

Não conseguiu a prova da honra e pureza da jovem, mas por outro lado não queria estragar os momentos que viviam juntos, embora isto o intrigasse.

Martin olhou para a cigana que adormecia. Assustou-se, via Lívia deitada.

Levantou-se e olhou novamente. Via Anara.

Os meses correram e pareciam melhores. Viajaram e se amaram muitas vezes.

Numa manhã fria, Anara percebeu que o inevitável ocorrera.

Estava esperando um filho. Anara chorou, quis morrer, atirar-se de uma montanha para não sentir o intruso que fora concebido com tanto ódio.

Martin enlouquecera de amor, daria toda sua fortuna para a mulher e sem ela preferia morrer.

Anara sentou-se no jardim e quis morrer. Tinha que arrancar aquela coisa de seu ventre. O filho do assassino que matara sua amiga.

Louis chegaria naquela tarde e então daria um jeito de contar ao marido.

Martin entrou feliz nos aposentos da mulher.

- Martin precisamos conversar.

- Fale querida.

- Bem, Louis vai chegar e quero que saiba a verdade.

- Que verdade? Disse ele pálido.

- Eu e Louis passamos uma noite juntos antes dele partir.

Martin sentiu a dor lhe cair nas costas. Casara-se para tê-la e agora sabia que nunca a tivera. O ódio daquela revelação dita por quem amava, fria, sem sentimento, frente a frente o transtornou.

- E amanhã irei embora, irei embora com meu povo, disse ela saindo.

Martin não entendia. Ela iria embora, partiria depois de desgraçá-lo.

Martin foi para seus aposentos e chorou pela primeira vez. O tempo todo ela o enganara. Ela o odiava, agora sabia que tudo que fizera tinha um alvo, era para atingi-lo, ele era o alvo.

Deitou-se e adormeceu.

Anara perdera as rédeas da situação com seu plano, nada lhe restara a não ser parar de planejar e matá-lo de vez.

Poderia Ter feito melhor, mas iria embora e era melhor matá-lo.

Anara pegou uma faca e devagar adentrou seus aposentos. Olhou para Martin que dormia e mirou em seu coração. Era chegado o momento.

Anara levantou os braços, mas uma força maior deteve sua mão.

- Não faça isso amiga.

Anara, entre lágrimas, viu Lívia. Sentiu que não poderia matá-lo, porque o sentimento por aquele homem a impediu. Faria pela amiga.

- Não, Anara. Disse Lívia segurando em suas mãos.

Anara chorava. Ver a amiga lhe fazia chorar.

- Anara sofri muito com o que fez. Atormentei Vitor e lhe incentivei a vingar minha morte. Martin não tem culpa, aprendeu a amar. Ama-te e é um homem. Era jovem e rico, todos eles fazem isso. E você amiga, deixar sua vida para desgraçar a dele e vingar a minha. E o seu sentimento e o seu bebê?

- Odeio esse moço, disse ela entre lágrimas.

- Não odeia. É o homem que não admite amar. Largue a faca e seja feliz.

Lívia foi desaparecendo até a faca cair das mãos de Anara.

Martin acordou e assustou-se.

- O que quer? Ia me matar? Gritou ele.

Anara tinha um olhar sincero.

Peter e Mary Laine entraram no quarto e assustaram-se com a cigana.

Ia matá-lo sim. Eu o odeio. Eu quero vê-lo morto.

Era um plano bom, mas deu errado.

- Por que esse ódio, dizia Mary Laine apavorada.

- Martin, seu assassino! Gritava ela, enquanto pegava no armário o saco de dinheiro que ele dera a Lívia. Você calou a boca de Lívia, mas não calou a minha.

- Quem é Lívia? Perguntou Peter.

Martin empalidecera.

- Lívia era como uma irmã para mim. Você lhe prometeu casamento, lhe desonrou, lhe engravidou e lhe deu dinheiro para que saísse de sua vida.

Mary Laine estava boquiaberta.

- Lívia agora está bem, disse ele.

- Lívia está morta seu desgraçado, gritava Anara. Suicidou-se enforcada, após uma conversa com você, Você a matou, jurei vingança e eu quis matá-lo, gritou ela.

Martin estava em choque. Lívia se matara.

Anara voou para cima dele, mas Louis a conteve.

- Acalme-se, vamos para fora, você está transtornada minha filha.

Martin estava apavorado e assustado.

Cobrira Anara de dinheiro e jóias. Pela mulher esquecera tudo e agora percebera que ela viera vingar Lívia que morrera.

Mary Laine estava entre lágrimas. A sinceridade da cigana a magoara.

- Ele mentiu a Lívia, ele a engravidou e quis comprá-la. O pai de Lívia quase morreu e eu que nunca pensei vê-lo chorar, o vi. Podia ser vossa filha.

A mãe neste momento percebeu que mimara demais o rapaz, a ponto dele cansar das diversões e divertir-se com ciganas.

Mary Laine pediu com carinho:

- Volte para seu povo e seja feliz. Quanto a Martin, lhe darei meu castigo. Vou colocá-lo para fora daqui e depois do que soube, não terá como ficar, com certeza irá.

Anara, com o punhal nas mãos e um ódio desconhecido, quase macabro, gritou:

- Vou, mas antes vou arrancar o que ele deixou em mim, disse ela cravando o punhal em sua barriga.

Martin saiu com o pai, com os gritos de Mary Laine enquanto Anara ensangüentada caiu.

Peter correu a seu socorro gritando que chamassem um médico.

Vitor tinha vindo fazer uma visita e aguardava na sala, mas com a gritaria, foi verificar.

Vendo Anara, perguntou a Martin:

- O que fez com ela Martin? O mesmo que fez com Lívia?

Os pais, atordoados, descobriam as aventuras mortais do filho.

Anara foi levada ao quarto e, com os olhos abertos, dizia a Vitor, que se sentou ao seu lado:

- Quero morrer se não conseguir fazer o que fiz.

O médico a examinou e cuidou dos ferimentos. O punhal, diante da briga, amolecera de tal forma que se quebrou quando ela se atingiu.

A família estava horrorizada, a mãe chorava e o pai, desiludido, não ousara olhar para o filho.

Martin, por sua vez, chorava na sala com o amigo, pela vida de Anara.

- Vitor, Lívia se matou.

Vitor empalideceu.

- Eu a matei, entende.

- Anara veio vingá-la e agora se cravou um punhal. Quer morrer. Eu a amo, não quero que morra.

Dr. Claus saiu dos aposentos e todos esperavam uma notícia.

- O que ela disse antes do ocorrido?

- Que iria embora, mas que tiraria o que Martin deixou, disse a mãe.

- Anara estava grávida de dois meses mais ou menos. Tentou se matar e matar o filho.

Mary Laine empalideceu e Martin disse:

- Ela me odeia.

Anara tinha os olhos parados. Ao seu lado estava um vulto negro que a olhava.

Quisera chorar, se apunhalara para conter o ódio que tinha nas mãos.

Tudo dera errado, não conseguira matá-lo e quase se matara.

Vitor entrou no quarto e sentou ao lado da moça, tinha os olhos chorosos.

- Chorou por mim Vitor, disse ela fracamente e com os olhos que custavam a não fechar. Chorou por uma maldita cigana que deixou sua vida para vingar sua amiga. Mas não vingou e ainda engravidou.

- Anara, se eu soubesse que era isso que faria, eu não teria deixado. Confesso que, desde o acontecido, não dormi uma só noite com os olhos fortes de Lívia a me perseguir. Ataquei Martin aqui no salão, como se fosse ela. Uma situação constrangedora, de fato. Mas decidi ir a um lugar onde encontrei forças.

O espírito negro o olhou com ódio e aproximou-se.

- Esse ódio não era meu, mas de Lívia que se suicidara. Foi então que percebi que ela era um espírito que através do meu corpo, queria vingar-se de Martin. Queria meu corpo, nunca quis o seu. Nunca tentara atentá-la a vingá-la.

- Lívia e eu éramos uma só. Martin fez mal a mim, quando fez a ela. Lívia era doce e sonhadora, ele não podia Ter destruído seus sonhos e sua mocidade. Ele atingiu nossa raça, dizia ela lentamente.

- Em tais reuniões, encaminhei Lívia à luz. Tenho certeza que está bem.

Anara, pensando na figura da amiga lhe pedindo que perdoasse, disse com custo:

- Eu a vi. Segurou em minhas mãos e pediu que eu não o matasse.

Vitor, feliz, disse:

- Esqueça, Anara. Não sacrifique sua vida.

Anara tinha os olhos cansados:

- Nada foi em vão. Martin pagara o que fez. A mãe nunca o perdoaria e quando assim fizer, ele terá passado por duras penas. Por lições que só a vida pode ensinar.

O espírito aproximou-se dela e disse:

- Ele matou Lívia e você prometeu que iria vingá-la.

- Ainda quero matá-lo.

Neste instante, Vitor colocou a mão em sua fronte e Anara pediu:

- Leve-me daqui Vitor. Quero meu povo. Eles devem Ter chegado na cidade. Nessa casa eu não quero mais ficar.

- Eu a levarei, disse ele.

E viu o espírito.

Rezou com muita fé e Anara adormeceu.

Vitor viu que o espírito, ao final da prece, desaparecera. Colocou suas mãos em sua barriga e pediu:

- Perdoe sua decisão. Não a deixe errar meu Deus e tirar uma vida de si.

Vitor saiu do quarto e todos o esperavam.

- O que disse ela? Perguntou Mary Laine

- Ela pediu que eu a levasse para seu povo. Ela corre perigo doutor.

- Não. Foi pouco profundo. O bebê ainda está lá, temo contar. E se ela tentar novamente? Disse o doutor.

Martin estava atônito.

- Eu a levarei para seu povo se ela assim quer.

- Não pode levá-la ela espera um neto meu. disse Peter

- Deixe-a ir disse Mary Laine

Mary Laine foi até a janela e chorou. Ficou calada, mas logo quebrou o silêncio mostrando mágoa em suas palavras.

- Não acredito que chegara a tal ponto. Matar a filha dos outros. Um filho que criei para que fosse útil.

- Não a matei mãe, disse ele tristemente.

- Matou seus sonhos, seus ideais, matou a jovem que existia nela e matou Anara. Eram amigas. Matou a mim Martin e ao seu pai que não ousa olhá-lo. Enganou uma moça e isso eu não irei perdoar. Tamanha foi a dor que causou, que Anara veio vingar-se e apunhalou-se para não ter nada de você.

- Mãe chamou ele querendo explicar.

Mary Laine foi dura e disse sem olhar:

- Saia daqui Martin. Tem duas, não uma hora, para deixar sua casa. Com a roupa do corpo. Nada vai levar que nãos seja seu. Por favor, leve seu caráter. Isso eu não quero por aqui, disse a mãe, deixando-o só com seus pensamentos.

CAPÍTULO IV

Os olhos de Martin estavam tristes, enquanto Anara era retirada do quarto. O rapaz pensava que amizade era essa que sacrificava tudo por uma cigana.

A cigana largara seu povo, deixara o noivo e os pais, ingressara numa casa de classe alta, sem medo do preconceito.

Se deitara com seu irmão, era obvia a vingança.

Finalmente se deitara com ele para apunhalá-lo.

Tentara arrancar um filho do ventre.

De fato, a gravidez não estava em seu plano.

Meteu os pés pelas mãos, quando soube que esperava um filho, fazendo toda a vingança ir por água abaixo.

E se ela não tivesse engravidado, até onde iria levar este ódio, este rancor?

Uma coisa era certa. Anara lhe levara dinheiro e muitas jóias, lhe arrancara o irmão, o amigo Vitor e os pais.

Anara lhe tirara Leonor e as mulheres que por ele morreriam.

Tirara-lhe a fama de galanteador e lhe dera a de bom marido apaixonado.

Tirara-lhe uma das casas que ele tinha e para ela deu. Tirara-lhe as grandes festas e as damas da corte.

Tirara-lhe do convívio da família, tirara-lhe a casa e as roupas do corpo.

E, o principal, lhe tirara o amor.

O amor por quem ele nunca havia sentido.

Tirara-lhe o amor que guardara no coração e não sabia, que o levaria à lama.

Martin passou as mãos pela cabeça.

Viu quando Vitor entrou para pegar as roupas e as jóias que a mãe tinha separado.

- Vitor. chamou Mary Laine.

- Sim, senhora.

- Leve este envelope a Anara e junto este saco. Diga que não quero pagar a vida da moça, nem tampouco a sua. Quero que ela aceite isso que de direito é dela, como muitas coisas ainda são e ninguém vai tirar. Diga que meu filho morreu como sua amiga e que se era vingança que ela queria, Lívia está vingada e eu envergonhada por ter criado alguém que não respeita uma mulher. Porque para mim Vitor, quem não tem respeito por uma mulher, não tem respeito pela mãe, disse Mary Laine dando o dinheiro para Vitor.

Vitor saiu e foi levar Anara ao seu povo.

Os ciganos estavam acampados na entrada da cidade há alguns dias, dançando, vivendo e sorrindo.

O pai de Anara fumava um cigarro quando viu uma carruagem aproximar-se.

Era bela, de fato gente rica.

Os ciganos amontoaram-se e Vitor saiu e chamou pelo velho Mirko.

- O que o trás aqui nobre?

- Vim trazer vossa filha.

A mãe levou as mãos na boca.

- Anara? Onde está? Perguntou.

- O que houve com minha filha, perguntou Mirko. Depois de tantos anos, cinco ou seis.

- Ela não está muito bem, mas foi medicada e passa bem.

- O que houve? Chorava Mirtes. Onde está ela?

- Acalme-se. Quero antes que saiba que Lívia está vingada.

- Ela o matou? Perguntou o pai. E deve fugir?

- Não. Ela não matou. Ela tentou, mas foi impedida.

- Meu Deus! Disse a mãe. Quem impediu?

- Lívia impediu, mas isso ela lhes contará.

- Lívia? Perguntou o velho Mirko.

- Bem. Martin estava dormindo, acordou e viu Anara com o punhal. Ela, não conseguindo evitar, relatou tudo aos pais dele e como se não bastasse... Disse Vitor baixo.

- O que ela fez? Perguntou a mãe.

- Apunhalou-se

- Meu Deus! Gritou a mãe.

- Calma senhora. Ela está bem.

- Quero vê-la, gritava a mulher.

Vitor a puxou pelo braço.

- Apunhalou-se porque espera um filho dele. Filho que ela não queria.

- Minha Santa Sara, disse Mirko.

- O bebê está vivo senhora, mas ela quis voltar. Ajude-a, ela precisa de vocês agora. Não contei que ele ainda vive em seu ventre. Cuidem dela. Eu virei vê-la antes de partirem.

- Lívia está vingada? Perguntou o pai com ódio.

- Garanto que nunca mais precisarão passar necessidade. O dinheiro que carrego aqui, dá para alimentá-los e viver bem por vinte anos. Anara trouxe jóias, dinheiro, tem uma bela casa, uma carruagem, tem vestuário. Martin nada tem. Foi expulso de casa, perdeu os pais, a posição, o dinheiro. Perdeu Anara também.

- Quero vê-la, disse a mãe indo à carroça.

Mirko correu junto de Fávero e Elize, sua mulher.

Ao ver o rosto de Anara e o sangue em suas vestes, Favero derramou uma lágrima.

- Lívia não gostaria de vê-la assim. Ela foi longe demais por minha filha.

- Vitor, olhando para aquele pai, disse:

- Senhor, vossa filha está bem. Anara lhe contará. Martin está na lama. Nunca coube a nós fazer justiça. As leis de Deus são únicas e por ele aplicadas. Cabe ao destino explicar o restante a Martin.

O cigano compreendeu a observação do nobre.

- Anara poderia estar morta ou presa. E mais um sacrifício não a traria de volta.

- É verdade, disse a mãe de Lívia.

- Vamos levá-la à carroça.

Os ciganos juntaram-se e a carregaram até sua tenda.

Ela foi acomodada pela mãe que a admirava.

- Coitada, meu Deus.

- Bem. Dona Mary Laine lhe deixou este saco e um bilhete. Deixe para ela.

- Ela está desacordada, disse Elize.

- Tomou algum chá que o médico deu para dormir. Estava agitada. Amanhã estará bem.

- Obrigado disse o pai. É amigo de Anara?

- Tenho por Anara tamanho carinho como se nos conhecêssemos há séculos.

- Obrigado, disse Mirtes.

Vitor deixou o acampamento e pensou em Lívia.

Que amizade.

Na manhã seguinte, Martin deixou o lar, passou pelo pai que não ousou olhá-lo e pela mãe que irredutível disse:

- Agora conhecerá seus verdadeiros amigos. Aqueles que com você bebiam. Alguém lhe estenderá a mão? Talvez só Deus. O Deus que você compra para não ouvir falar. E agora Martin, o que comprará se nem dinheiro tem?

Martin deu um último olhar e saiu.

O pai chorou, mas a mãe não.

- O que será dele? Essa é a decisão certa?

- Fizemos o que deveríamos ter feito há muito. Ele deve enfrentar a vida sem nossas mãos para ajudá-lo. Deve trabalhar para comer e aprender coisas nunca antes aprendidas. Erramos também. Quero corrigir. Disse Mary Laine

Anara abriu os olhos e reconheceu a carroça, as almofadas, as vozes lá fora. Estava em casa.

Mirtes entrou na carroça e ela chamou.

- Mãe.

A cigana, feliz, a abraçou com amor.

- Quanto tempo, filha! Como está?

- Bem. Já soubemos de tudo e estamos do seu lado. Agora acabou. Deve recompor-se e fazer sua vida. Aquele rapaz que a trouxe lhe deixou este saco e uma carta.

- De quem mãe? Perguntou se sentando.

- Mary alguma coisa.

- Da senhora Mary Laine. Uma grande amiga nestes anos.

Anara abriu e leu.

CONTINUA

Gil o sete
Enviado por Gil o sete em 05/08/2009
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