Ode a alegria (miniconto)

Os príncipes negros como que rodopiam ao vento. Na janela olhos curiosos e ensimesmados apreciam a dança no jardim. Os pedregulhos queimam as ervas daninhas. As janelas descascadas pela longa exposição às intempéries enfeiam a fachada do sobrado. Há muito tempo a solidão deu lugar a música. A orquestra toca a nona sinfonia. Um canto mobiliza a todos que passam na calçada. A ode de alegria acompanha os instrumentos. A voz afinada canta a alegria de se ter um amigo. De ter encontrado o amor. A mulher arrebata os transeuntes com a beleza da sua voz. Canta a alegria de ver todos os homens irmanados. As dezoito estrofes da poesia parecem hipnotizar os ouvintes. Um sabiá acompanha a melodia. Um senhor de cabelos brancos senta encostado às grades do jardim. Nos olhos não se vê mais a sombra da angústia. Um sorriso encosta na sua boca. A mãe nina o seu filho na sombra da acácia. O perfume das flores aflora a consciência da mulher. No rosto da criança; o tempo para! A menina solta da mão do pai. Abre o portão, e, pé ante pé invade o jardim. Precisa chegar mais perto. Atrevida, encosta o ouvido na fresta da janela. Os últimos acordes flutuam por sobre os ouvintes. O vermelho das pétalas dos príncipes negros escorre pelo verde do gramado. A terra se fundiu ao céu.