Perdendo o "tempo certo"

Passava da meia noite e um céu estrelado povoava os pensamentos dela. O brilho do luar sobre sua pele morena acentuava ainda mais a cor de seus cabelos negros e lisos, caindo-lhe sobre o rosto. Ela encontrava-se na varanda do sétimo andar daquele prédio suntuoso. Parecia solitária, mas trazia um brilho diferente no olhar. Talvez fosse a lua, a distinguir-lhe uma lágrima que rolou distraída enquanto sua mente viajava para muito longe dali. A brisa fresca daquele início de madrugada parecia acariciar sua face. Seu corpo, deitado numa rede presa às paredes, revelava curvas inesquecíveis que, quem conhecera, certamente enlouquecera de desejo. Morena de endoidecer... razão de qualquer loucura.

Foi quando na rua, uma motocicleta preta com um motoqueiro vestido inteiramente de negro, parou e ficou olhando em sua direção. Ela não parecia certa do que estava vendo. Mas ateve o olhar àquela cena. A motocicleta, parada naquela rua, o farol aceso e aquele motoqueiro, que ela não conseguiu identificar, acenando para que ela descesse. Por alguns instantes, estabeleceu-se uma tensão no ar. Um estranho, àquela hora... até que ele tirou o capacete e ela, incrédula, reconheceu o “cavaleiro negro”, montado num lindo cavalo negro de aço reluzente. Era ele, o amor com quem ela sonhava minutos antes daquela aparição. Seu coração disparou. Sua boca ficou seca e ela se levantou apressada da rede. Num impulso, correu para a porta de saída do apartamento. Entrou em seguida no elevador e desceu. Passando pela portaria do prédio, o funcionário estranhou, mas conteve-se em sua discrição. Ela abriu a porta e apressadamente saiu, aproximando-se daquele homem que aguardava por ela, do outro lado da rua.

- O que você faz aqui? Mal posso acreditar! É você mesmo? – disse ela, nervosamente.

- Sim, sou eu. E vim buscar você. – disse ele, calmamente.

Ela segurou as mãos dele, ainda sem acreditar no que estava acontecendo e prosseguiu:

- De quem é essa moto? Como chegou aqui? – sua voz quase não saía...

- Você sempre disse que me amava e que eu viesse te buscar. Por isso estou aqui. Finalmente, eu vim buscar você para levá-la comigo. Vamos! Não temos mais tempo a perder! – ele estava decidido e acreditava no que falava. Seus olhos estavam cheios de amor e certeza.

- Calma, eu não posso sair assim. – ela trajava um blusão comprido, por cima de uma camisola preta, que delineava lindamente seu corpo...

- Você não vai precisar de mais nada. Para onde vamos, só precisaremos um do outro. Confie em mim. Venha comigo! Não deixe escapar novamente a nossa chance de sermos felizes.

Ela estava excitada e ao mesmo tempo hesitante. Aquilo tudo parecia um sonho. Não era possível que fosse real. Então, segurou ainda mais forte as mãos dele e insistiu:

- Como faremos isso? Você enlouqueceu? Não posso deixar minha casa, meus filhos...

Sem esperar que ela terminasse, ele, delicadamente colocou seu dedo indicador nos lábios dela, silenciando o que seria a próxima frase e serenamente disse:

- Uma vez, eu permiti que você se fosse para longe de mim. Não tive coragem o suficiente para impedi-la e consenti que nosso amor fosse interrompido por algo que nos afastou durante tantos anos. Hoje, quando vim, não conseguia pensar em nada que não fosse sua ida comigo e você, mais uma vez, me rejeita. Eu posso compreender. Você se sente segura e amparada aqui. Talvez ame realmente a quem te proporciona isso tudo. – e ele apontava o olhar para aquele prédio.

- Calma, não é nada disso! Preciso pensar! Não sei o que está acontecendo ainda...

E ele a interrompeu novamente.

- Sabe, todos nós temos o tempo certo para realizarmos algo. E se esse tempo não é aproveitado no momento em que se apresenta, então, tudo fica perdido para o resto da vida. Eu vim, estou aqui e disposto a te levar comigo. E outra vez a sua resposta é não. Preciso ir.

Ela se desesperou, enquanto ele deu partida na motocicleta.

- Espere! O que vai fazer?

- Preciso ir. Meu tempo acabou.

- Você não pode fazer assim! Espere, precisamos conversar!

Ele ignorou aos apelos dela, com a moto se movimentando lentamente, afastou-a e em seguida, acelerou. Ela ficou ali, naquela rua, parada, olhando a moto virar a esquina. Os olhos marejados, anestesiada com aquela visão. O porteiro, que estava atento à situação, saiu e ofereceu ajuda. Ela tremia, estava sem fala, mas acompanhou o homem e entrou no prédio. Voltou ao elevador e chegando dentro do apartamento, lembrou-se do celular e imediatamente ligou para o número de seu “cavaleiro”. Foi em vão. Estava desligado. Ela ficou ainda mais perturbada. Parecia um sonho... ou seria um pesadelo? Foi a noite mais longa de sua vida. Ela chorava copiosamente. Não sabia o que fazer. Andava de um lado para o outro, roia as unhas e discava o mesmo número no celular vezes seguidas.

E o dia chegou. E ela resolveu ligar para a casa dele. Não teria outra alternativa. Estava preocupada e insone. Seu rosto, mesmo lindo, estava com traços da noite não dormida. Ela ligou e do outro lado, uma voz estranha atendeu.

- Alô, quero falar com o "Anjo", por favor!

E a voz do estranho parecia surpresa com aquele pedido.

- Quem está falando?

-É uma amiga dele! Preciso falar com ele, urgente! Pode acordá-lo?

-Desculpe... isso não vai ser possível... – a voz, naquele momento, assumia um outro tom.

- Por favor... é importante! – ela estava apreensiva demais.

- Bem, eu não sei quem você é, mas se diz ser amiga dele, saiba que ele faleceu. Um desastre de moto na Rodovia Serrana. Aconteceu hoje, de madrugada. Estão todos na capela mortuária, aguardando a chegada do corpo. Desculpe informar dessa maneira. Pensei que você já soubesse. Os amigos começaram a chegar por volta das 8... Alô?... alô?... você continua aí? ... Alô???...

Ela não teve ação, não teve reação, não teve nada. O chão sumira sob seus pés. O celular caíra de sua mão. Ela estava em choque e a única coisa da qual conseguira se lembrar era da voz dele dizendo “...todos nós temos o tempo certo para realizarmos algo.”

E assim, aquela história de amor teve fim. Tragicamente. Sem que nenhum dos dois tivesse realmente conhecido a felicidade de conviver com aquilo o que tanto diziam sentir, sem que pudessem, finalmente, acreditar...

LEÃO FERIDO
Enviado por LEÃO FERIDO em 21/10/2009
Reeditado em 18/04/2013
Código do texto: T1879665
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