Vítimas

Numa rua qualquer no bairro de Santana seu Geraldo o sapateiro vindo de Minas Gerais com sua esposa a Sra.Helena que era dez anos mais nova que ele.

Seu Geraldo aguardava ansiosamente a volta de seu ajudante, um jovem que dava a impressão de estar doente retornar da repentina jornada na casa de uma cliente a Sra.Dumont, esposa do Sr.Alberto, secretário geral do clube de xadrez em São José dos Campos.

O sapateiro saia toda hora na rua para ver se seu ajudante estava chegando.

A aflição deu lugar ao alívio quando entrou o rapaz de olhos pardos e magro.

Seu Geraldo fez uma expressão de contentamento e querendo saber, perguntou:

- E ela?

- Não reclamou senhor. Pagou direitinho.

- Ah!

Seu Geraldo arrancou um peso de suas costas. O rapaz entregou o dinheiro a ele.

Seu Geraldo consertava os sapatos da vizinhança e de outros que moravam nos bairros da cidade há trinta anos. Possuem clientes desde a época que abriu sua loja, clientes desesperados que procuram seus serviços como a Sra.Dumont.

Consertar sapatos era gosto que transmitia para todos e a família.

Seu Geraldo possuía duas poesias, suas filhas, Emília e Cristina. A primeira encontrava-se na idade de casar, a outra era caçula, uma criança como ele dizia.

A primeira tinha a cor da mãe, o cabelo claro, era alta, magra, o rosto fino, o nariz pequeno, os olhos verdes, os braços longos e pernas longas. A Segunda tinha a cor do pai, o cabelo louro, tinha cinco centímetros a menos do que a irmã, era gordinha, possuía bochechas rosadas, o rosto grosso, sua feição era de uma moça de país escandinavo, olhos azuis, possuía beleza emocionante e tinha o aspecto de timidez.

A Sra.Helena era dessas mulheres que não tolerava as filhas vivessem na imoralidade, gostava de boas influencias, era um tanto, uma dama disfarçada de fineses. Talvez por causa da Sra.Dumont e de algumas senhoras que vinham pedir consertos dos sapatos ou que acreditava estar numa vida de grandeza. Não podia estar mais do que certa, possuía casas de aluguel na cidade e a sapataria lhe garantia comprar e viver como uma dama da classe média. Era católica e levava as filhas aos domingos a missa das sete da manha na matriz de São José dos Campos.

A Sra.Helena era alta, o cabelo claro, os olhos verdes, o rosto pequeno, o corpo magro, a cintura fina, tinha ar de elegância e autoritária. Seu Geraldo era louro, a cabeça era pouco rala com falhas disfarçadas de seu cabelo amarelo, tinha o rosto forte, branco e avermelhado, o nariz amassado, os olhos azuis e curiosos, altura média, as pernas tortas, tanto que seu andar era torto.

Neste dia que estamos narrando, curiosos eventos apareceram.

A Sra.Helena foi interrompida pelo furacão das filhas que pediam permissão para irem ao mercado municipal assistir um músico conhecido da amiga de Emília.

- Não pensam que poderão me enrolar, o pai de vocês não vai gostar nada disso! Disse a Sra.Helena no seu jeito autoritária.

- Mamãe, a senhora só imagina coisas erradas. Disse Emília.

- Você tem que demonstrar respeito para sua irmã, não fazer besteiras. Já tem idade de ser senhora e sua irmã terá que aprender.

- Ah, mamãe!

Emília pegou a mão da irmã e saiu numa porta que dava para a sapataria. A sapataria era dentro da casa, na qual para sair utilizava a frente da sapataria ou do portão que saía do lado da sapataria.

- Hoje depois do jantar teremos uma conversa, voltem logo. Disse seu Geraldo.

As duas saíram sendo vigiadas pelo olhar amoroso do pai. E ele voltou a falar com seu ajudante que daremos o nome de Paulo.

Como já falamos, Paulo era magro, olhos pardos, comprido, esticado, sua aparência era de uma pessoa fraca e doente, ao vê-lo trabalhando tudo mudava. O rosto pequeno, o cabelo preto e curto, tinha aparência de coitado, mas possuía grande esperteza.

- Minhas meninas são uns anjos. Dizia o pai orgulhoso.

- São bonitas, senhor! Paulo se exaltou.

Ele percebeu que a exaltação foi exagerada, ficou ouvindo os elogios que seu patrão fazia.

As irmãs chegaram ao mercado municipal e encontraram a amiga de Emília ao lado de um rapaz segurando violão.

A moça cantava no coral municipal e o rapaz era músico que realizaria uma apresentação no mercado.

Não precisamos descrever o impacto que o rapaz despertou, principalmente em Emília, seu interesse ficou mais latente.

O rapaz afinava o violão e depois de tudo preparado começou sua apresentação.

Tocava e cantava bem. Dedilhava as cordas tirando um som suave, vivo, brilhante e bonito. Convidou a amiga da Emília para cantar duas músicas na qual executou com maestria.

Emília não enxergava mais nada ao seu redor, emocionada deixou que a paixão dominasse.

Terminado a apresentação, Emília e Cristina foram parabeniza-lo. Emília o engrandeceu de elogios tentando pegar a atenção do músico para ela. O músico ao contrário tinha sua atenção em Cristina, o que lhe deixava envergonhada. No fim, Cristina lembrou da conversa que teriam com o pai e para o desgosto de Emília, elas foram embora.

No caminho Emília dizia que o músico era um encanto de homem, que tinham a mesma idade e perguntou a irmã se ela o achava o bonito.

Cristina respondeu positivamente e se daria bom marido, Cristina respondeu que não poderia saber e decidiram visitar a amiga de Emília para rever o músico.

Em casa após o jantar, seu Geraldo com a Sra.Helena preparavam-se para falar.

- Como vocês cresceram! Disse ele espantado. – A mãe das duas e eu tivemos a escolha que valerá apenas para uma de vocês. Concordamos que Emília está na idade e pronta para casar.

- Casar! Ó, papai, casar! Emília se emocionou.

- Sim filha, já pode casar.

- Mas que tenha moralidade e respeito. Disse a Sra.Helena.

Os sonhos de Emília abriram-se num amontoado de expectativas e esperanças. Satisfeita com a novidade ela e a irmã foram para o quarto comentar sobre a notícia.

- Casar-me! Não se agüentava.

Ao terminar, perguntou a Cristina que folheava uma revista.

- O que acha daquele músico como marido?

- Já disse que não posso responder. Respondeu virando a página da revista.

- E sendo ele meu marido?

Cristina encarou a irmã por uns instantes, voltou a folhear a revista e falou:

- E se ele não quiser casar com você?

- Como não poderia! Ele não pode recusar, sou bonita.

- Ele nem te reparou.

- Ah, aquele rapaz não reparar em mim é um tolo.

Assim as duas no dia seguinte foram na casa da amiga de Emília (isso era num Sábado á tarde), havia mais gente, o músico também estava e Emília pediu que tocasse uma canção em sua homenagem. Tocou uma música sem nenhum interesse.

Enquanto Emília investia indiretas no músico, Cristina tinha o ar de preocupação. Os olhares do músico eram dirigidos somente para ela. Qualquer canto ou lugar que ia, o olhar dele a seguia.

Houve um momento que os olhares se cruzaram timidamente, envergonhada Cristina disfarçou puxando conversa com uma menina que estava ao seu lado.

Os encontros na casa da amiga da Emília continuaram, Emília insistia em dar em cima e cortejar o músico sem resultado nenhum e Cristina se esquivando dos olhares que o músico lançava.

E num dia no quarto Emília decidiu que ia pedir o músico em namoro. Cristina protestou, disse que seria abominável, vergonhoso, uma mulher se sujeitar a humilhação! Cristina aconselhou que era loucura, o músico não amava sua irmã. Emília retrucou, quem o músico poderia amar?

Cristina sabia, mas ficou calada.

Nos dias que passaram, não queria acompanhar Emília na casa da amiga com medo de que os olhares do músico fossem descobertos.

Como sabemos, o pai e mãe das meninas haviam escolhido o escolhido para Emília. A mãe concordava que não era da sua preferencia, mas concordava que era um rapaz respeitoso e que vivia no seio da madre igreja católica.

Novos dias vieram e entramos no inverno. Emília visitava freqüentemente sua amiga, Cristina ia de vez em quando, apenas para tirar as suspeitas do músico. Cada vez mais Emília amava o músico e ele amava cada vez mais Cristina.

No dia marcado seu Geraldo convidou Paulo a vir de noite porque ele e a Sra.Helena teriam uma surpresa.

A Sra.Helena mandou as filhas se arrumarem e que aguardassem no quarto. Curiosas, elas esperavam.

Paulo veio trajado de calça preta, camisa azul não tão clara nem tão escura, sapato elegantemente engraxado, o cabelo cortado, a costeleta aparata, o rosto barbeado e cheirando a loção pós barba. Entregou um ramalhete de flores a SenhoraHelena que alegre colocou num vaso da cor do mar.

O jovem examinou a casa na intenção de encontrar as filhas do patrão. Não ousou saber, seria demonstrar interesse e a situação comprometeria.

- Sabe por que o convidei para vir aqui, Paulo? Perguntou seu Geraldo após um tempo pensativo.

- Não senhor, disse que eu deveria aparecer bem vestido, que seria importante.

- Querida, pode nos deixar a sós um momento?

- Vou ver as meninas. Respondeu a Sra.Helena.

E seu Geraldo continuou:

- Paulo, você trabalha comigo há muito tempo, chegou pequeno, sem saber do ofício, aprendeu, possui em minha pessoa uma liberdade, uma confiança. Você é o filho que nunca pude Ter. Sei que não posso te pagar tão bem, mas sei que dá para viver sem reclamar. Sabe que minha Emília entrou na idade adulta e minha esposa e eu decidimos que a nossa filha chegou na hora de casar. Tivemos uma longa conversa na qual cada um propôs suas escolhas. Nenhuma nos deixara satisfeitos e então numa conclusão chegamos à escolha definitiva.

Seu Geraldo pausou, tossiu, se arrumou e voltou a falar.

- O que acha de Emília, Paulo?

O rapaz ficou sem jeito de responder, cruzou as pernas de nervoso.

- Pode responder, não fique com receio, dou total liberdade.

O rapaz respondeu gaguejando:

- A srta.Emília é um encanto de pessoa.

- Ao ponto de amá-la?

O rapaz temeu em dizer. Seu Geraldo fez um gesto com a cabeça.

- Pode dizer, meu rapaz! Disse num ato de confiança.

- Com certeza, senhor...

- Não é a toa que vejo sua pessoa de olhos em minha filha. Relatei com Helena. “Mulher, vivo pegando Paulo olhando Emília, o olhar não me encana, é olhar de amor.” Há tempos estou observando sua atitude.

- Senhor, eu não desejava desrespeitar! Cometeu-se um erro perdoe-me, aceitarei perder o emprego.

- Não é nada disso meu rapaz, não estou reclamando, apenas revelando o que vinha observando. Diga-me, não tema em dizer, ama minha filha?

O rapaz encarou seu patrão e lágrimas caíram, ele esfregou os olhos que estavam avermelhados e numa grande emoção declarou:

- Ah, senhor, eu amo tanto a srta.Emília... tanto! Ela me conduz a sonhos, choro todas as noites pelo amor que sinto por ela.

O rapaz não segurava as lágrimas, seu Geraldo retirou um lenço do bolso e deu ao seu ajudante.

Ao se repor do choro, se ajeitar, seu Geraldo continuou.

- Não te reprovo meu filho, foi por este motivo que o chamei. Mas ama minha filha ao ponto de te-la como esposa?

- Ah, senhor... é o que mais desejo na vida!

- Jura?

- De todo o meu coração.

- Sei que não mente, fala como um homem apaixonado. Aceita ser o esposo da minha filha?

O rapaz engoliu em seco.

- Senhor, não tenho condições de cuidar da srta.Emília.

- Isso eu e Helena sabíamos. No começo daremos uma força, o tempo necessário de construir seu próprio comércio, se estiver com desejo de realmente casar com minha filha?

- Ó, senhor... nem precisa duvidar.

- Ótimo! Assim chamarei Helena para trazer as meninas.

Seu Geraldo saiu e do corredor gritou para a Sra.Helena, em seguida sentou, logo apareceu a sra.Helena com as filhas.

Paulo cumprimentou-as com gentileza, as moças vestiam adequadamente. Cristina vestia vestido azul claro com brilho perto do busto, o cabelo amarrado em Maria Chiquinha, os sapatos eram brancos, usava brincos disfarçadamente e cheirava perfume de cravo.

Emília trajava vestido amarelo gema, os sapatos da mesma cor, o cabelo prendido com broche, o pescoço com uma fina corrente de ouro, braços encobertos com luvas que chegavam ao cotovelo e usava perfume de canela.

Paulo só tinha olhos em Emília que ao vê-lo sentiu repugnância.

Seu Geraldo pediu para a Sra.Helena trazer o vinho, dado a bebida seu Geraldo dirigiu suas palavras a Emília.

- Filha, num outro dia dizemos que estava na hora de casar, sei que ficou contente com a notícia.

- Ó, muito, papai.

- Eu e sua mãe escolhemos o esposo que fará você feliz e que a ama e que está aqui.

Emília levantou, andou até o outro lado, não viu ninguém e sem entender perguntou:

- E onde está ele, não chegou ainda?

- Filha será que não enxerga seu futuro esposo diante de você? Ele está aqui, é Paulo o escolhido para ser seu esposo.

Foi um choque. O coração dispara, ondas de adrenalina circulam no corpo inteiro. Qual pessoa não estaria no lugar de Emília com o que acaba de receber.

Se ao menos pudéssemos observar ao vivo a reação de Emília, seu rosto se contraindo e visto Cristina que nos seus profundos olhos azuis transmitiam pena.

- E então filha, o que me responde?

Emília abaixou a cabeça por alguns instantes e depois respondeu.

- Ah, papai, o que posso dizer... não tenho palavras.

Cristina olhou para a irmã espantada.

- Que bom, filha! Sua mãe e eu tivemos a certeza de que aceitaria. Paulo vai ser um excelente marido.

Emília escutava.

- Daqui algumas semanas realizaremos o noivado e marcaremos a data do casamento. Paulo... por favor, beije sua futura esposa!

O rapaz com cara de doente caminhou até Emília, ela sentia-se em grande aflição.

- Emília levante-se, não quero que seja descortês. Disse o pai.

A contragosto a moça levantou permitindo que o rapaz beijasse o lado direito do rosto dela. Em seguida pediu à mãe que permitisse ela e irmã irem para o quarto. A mãe consentiu.

Emília não acreditava no que estava acontecendo, desanimada, Cristina ficou do lado dela confortando.

- Papai não podia, ele não podia! Disse Emília em prantos.

- Devia não aceitar, que existe outra pessoa! Disse Cristina.

- O que poderia fazer? Não posso fazer nada!

- Mas ama outra pessoa!

- Do que adiantava dizer isso ao papai.

- Vai casar com Paulo?

- Ó, Cristina... minha irmã...o que farei? Será que não tem solução?

- Só existe uma solução, declarar seu amor para o músico.

Emília sentiu-se animada com a idéia, os olhos se radiaram. Animada abraçou Cristina.

- Ó, minha irmã... obrigada, obrigada!

Assim as irmãs combinaram como deveria acontecer. Iriam conversar com o músico na casa da amiga da Emília.

Os dias seguiram, toda a noite Paulo vinha cortejar Emília, trazia margaridas retiradas do jardim. Emília não transmitia sequer um sorrizinho, quando o rapaz ia embora corria ao banheiro e se lavava demoradamente no argumento de arrancar o cheiro de Paulo. Tudo seguiu até o encontro na casa da amiga da Emília.

O combinado era que Cristina estaria encarregada de conversar com o músico o problema da irmã.

A amiga de Emília sabia de certa parte do combinado, somente o músico desconhecia totalmente o que iria acontecer.

Emília e sua amiga inventaram uma desculpa e deixaram Cristina e o músico sozinhos.

Eles ficaram silenciosos, cada um encarando ao outro, ambos estavam nervosos. O músico começou a tocar violão, dedilhava melodias sem nexos e Cristina não encontrava um meio de começar a conversa.

Agora podemos descrever as características do músico que fez Emília suspirar de paixão e que chamaremos de Gabriel.

Gabriel possuía rosto fino, o nariz avermelhado, os olhos eram verdes que transmitia um brilho de alegria, o cabelo louro e longo com mexas chegando ao rosto, o braço era atlético, as pernas grandes, seu aspecto era de uma pessoa de espírito forte e sedutor ao mesmo tempo oculta, mas se observávamos seus olhos, tudo mudava.

Veio de longe com a missão de ganhar a vida em São José dos Campos. Conheceu a amiga de Emília numa apresentação do coral municipal e o levou a tocar nos botecos da cidade. Logo recebeu elogios e convites para se apresentar em reuniões, aniversários, bailes, formaturas e eventos culturais.

Nada passava despercebido o belo talento de Gabriel que satisfazia a todos com sua voz e violão que penetrava nos ouvidos.

Ele parou de tocar. Largou o violão de lado e sentou de frente para Cristina. Pegou na mão dela e a segurou, apertou. Não era um aperto maldoso e sim carinhoso.

- Eu a amo. Disse de súbito.

Cristina ficou olhando sem se mover.

- Eu a amo. Repetiu mostrando um largo sorriso.

Cristina abaixou a cabeça, tinha o rosto cheio de tristeza. Gabriel notou.

- Fui desrespeitoso?

- Não, não foi. Respondeu Cristina. - Mas está cometendo um equívoco.

- Eu? Que equívoco cometi?

- Não é a mim que deve merecer o seu amor e sim minha irmã, Emília.

- Percebeu que sua irmã nada representa para mim, que somente penso em você?

- Devemos esquecer os olhares que lançava.

- Não sente o mesmo que eu sinto?

- Eu... Cristina pausou.- Não sinto nada.

Eles se encararam duramente.

- Não minta, sei que mente.

- Já disse que não o amo, minha irmã, sim! Soltou a mão com brutalidade assustando Gabriel e voltou a falar.

- Estou em pedido de minha irmã, que interceda e a salve do casamento infeliz que terá.

E Cristina revelou o problema, palavra por palavra.

Gabriel escutava, observava a boca mexendo, o cabelo e os olhos azuis, ouvindo a voz suplicante. Terminado, ele se pronunciou.

- Não posso ajudar sua irmã, amo sua pessoa.

- Você não quer entender! Disse Cristina cheia de cólera.

- Negará o seu amor?

- Negarei o que vier de sua pessoa, sentirei desprezo, nada que vier de você, aceitarei!

Gabriel levantou.

- Renega-me!

- Como jamais reneguei alguém.

- Tem noção do que acaba de dizer?

- Não estive tão convicta na minha vida.

O clima ficou insuportável, cada um permaneceu em silêncio demonstrando mágoa e raiva.

Emília e sua amiga voltaram.

Cristina reclamou para Emília que estava com dor de cabeça e elas foram embora.

No caminho Cristina ficou calada e Emília sequer puxou conversa.

Somente de noite que Emília perguntou e Cristina disse que o músico não poderia ajudar e se o pai e a mãe escolheram o noivo deveria aceitar.

Emília desesperou-se, queria entender o motivo. Cristina aconselhou que o músico não era bom para a irmã, que traria sofrimento.

Emília chorou muito.

E Paulo e Emília ficaram noivos e não tardou acontecer o matrimonio com o ritual que a Sra.Helena exigia.

Seu Geraldo presenteou os noivos com uma casa que ficava na vila Maria, além de doar um pequeno dote.

O que soubemos de Emília foi de não esboçar sorriso, olhar melancólico, vago. Cristina sentia pela irmã. Seu Geraldo perguntou o porquê da filha estar naquele estado. A Sra.Helena respondeu que a filha não queria demonstrar sua felicidade, não estava disposta a se exibir.

No fim os noivos após confraternização com convidados íntimos como a Sra.Dumont e o Sr.Alberto, o Sr.Alvez e outros nem tão importantes, sendo que a outra parte era composta de parentes e familiares dos noivos.

Ninguém comentou sobre o casamento, preservaram suas opiniões na certeza de que não valeria a pena.

Depois de realizado, despedidas, os noivos passaram a lua-de-mel na baixada santista.

O que deveria ser uma lua-de-mel não passou de pesadelo. Permaneceram dois dias e voltaram no dia que o tempo estava bom para entrar no mar.

Podemos dizer que não houve noite de núpcias, Emília não permitiu que Paulo a tocasse, teve discussão, não desejava estar casada.

Paulo achou que seria passageiro e que estando na casa deles ia ser diferente. Pensou em vão.

Emília fez Paulo dormir em outro quarto.

Na casa dos sogros dizia que estava as mil maravilhas, Emília no quarto com Cristina chorando as mágoas de ser esposa sem amor.

E os meses transcorreram, repletos de discussões, lamentações, admissões, mentiras, fingimentos e falsidades.

O ano velho deu lugar ao novo e chegamos aos doze meses.

Nestes meses Cristina ouvia os lamentos da irmã, sempre perguntando de Gabriel, Cristina desconversava, mudando de assunto, não queria falar do músico.

Emília pediu que Cristina voltasse a falar com Gabriel que tentasse outra vez. Cristina gritou, começou a tremer, não passaria pela humilhação que sofreu.

- Por favor, Emília, não me peça isso... Disse em meios a prantos e súplicas.

Emília não entendeu e assim continuou.

Insistiu, insistiu tanto que Cristina contou. Cristina chorou, ficou de joelhos, por culpa dela o músico não quis ajudar, que sofre muito e que não merecia ser perdoada. Emília compreendeu, deu um beijo carinhoso na irmã e disse que estava perdoada.

Com o dote dado, Paulo utilizou para alugar uma casa na mesma rua que morava e abriu uma sapataria. Era uma casa de três cômodos, decaída, acabada. Comprou praticamente de graça.

Nos meses que passaram obteve dificuldade, organizando e ganhando clientes, conseguiu admitir um ajudante.

Algumas pessoas falaram que ele iria pegar a clientela do sogro. Paulo respondia com sorrisos dizendo que o sogro tinha a sua clientela fixa e ele estava apenas começando a formar a sua. Até a sua fisionomia mudou.

Neste mesmo dia quando Emília soube da irmã, Paulo anunciou no jantar que agora seriam um casal feliz. A sapataria ia bem, tinha reservas de encomendas e preparava para contratar outro funcionário.

Emília protestou. Reclamou que nunca seriam um casal feliz e que jamais aconteceria.

Paulo indignado perguntou o porquê

- Veio tentando de agradar, tentando ser alguém, querendo receber um elogio, mas só me dá patadas, desprezo, humilhação, tentei tudo que podia, fazer você gostar de mim. Por que Emília. Por que me trata como se eu fosse um nada?

- Será que não percebeu? Eu não te amo e jamais amarei1 berrou.

E ela desabafou. Explicou a razão.

Ele perguntou quem era a pessoa, se conhecia, se convivia entre eles. Emília revelou quem era, o que fazia, que não era conhecido da família, que não o vê há um ano, sabia pouca coisa ou quase nada da pessoa, somente anúncios nos jornais.

Paulo ouvia sem demonstrar nenhuma reação.

No fim refletiu e ordenou Emília arrumar as malas. Feito, ele a levou na casa do sogro, relatou o motivo e não queria ver a cara da filha dele, não merecia uma mulher que pensava e amava outro homem.

A humilhação foi grande, a vergonha ainda mais. Seu Geraldo e a Sra.Helena não sabiam onde enfiar a cara, logo a vizinhança soube e os comentários começaram e Emília ganhou o apelido de mulher rejeitada.

As semanas foram intensas, cheias de angústia, revolta e ódio.

Os dias na casa de seu Geraldo foram pesadas.

Era numa Sexta-feira de tarde, depois do almoço. O tempo percorria trinta graus, o verão se aproximava e Cristina saiu de casa. Entrou na casa de um senhor de setenta anos. Entrou e saiu escondida.

Um dia depois, Emília olhou de um lado para o outro, em seguida bateu na mesma casa e saiu disfarçadamente.

Dois dias seguintes, na hora do almoço, às onze horas, Paulo entrou na mesma casa, demorou alguns minutos e saiu apressado de lá.

Gabriel nunca mais teve contato com as irmãs, perguntava delas para a amiga da Emília. Ela não as via deste o noivado de Emília. Gabriel queria saber de Cristina, ele a viu num dia qualquer, na Rua Quinze, tentou falar com ela e ela fez com que não o conhecesse e sumiu no meio da multidão. E desde este dia não a viu mais.

E ele continuou sua vida de músico nos doze meses que passaram, recebendo convites, solicitações, também ficou conhecido em Taubaté, Caçapava, Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Campos de Jordão e Jacareí.

Morava numa simples casa no bairro Santana. Qualquer pessoa conhecia sua casa, mesmo quem não soubessem poderiam encontrar o endereço no jornal.

Gabriel não era mais um músico desconhecido. Era reconhecido por todos e exposto, recebendo gente de toda parte que queriam vê-lo tocar as músicas dele, tirar fotografia e autógrafos. Virou celebridade.

Era de manhã quando ouviu a porta bater. Tinha acabado de tomar café, ainda sonolento. Abrindo a porta, ficou surpreso e espantado.

Dois disparos secos saíram acertando o peito. Assustado, foi se afastando com a mão no peito que manchou de sangue. A porta fechou num baque e ele ia caindo, derrubando objetos, até cair de vez na sala silenciosa.

( Rod.Arcadia)

Rodrigo Arcadia
Enviado por Rodrigo Arcadia em 05/12/2009
Código do texto: T1962078
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