A vista

- Que belo lugar para uma bela mulher.

- Boa. Tenta outra.

1 minuto depois:

- Que excelente vista para uma afável donzela.

- Não, não... vamos lá. Você pode ser mais convincente... Alterne o tom da voz, oscile o ritmo das palavras. Eu acredito no seu potencial.

2 minutos mais tarde:

- Que lugar do caralho! Só tem muié gostosa aqui! Comé teu nome gatiinhá?

- Não apele, por favor. Eu desisto, você não sabe abordar uma mulher.

Ele pensa por um segundo e indaga:

- Pois então como você queria que eu a abordasse?

- Apenas sendo você mesmo. Por que vocês homens tem de chegar cantando-nos como fossemos prostituas de luxo, ou aquelas de beira de estrada? Não espero nada além da naturalidade e da sinceridade. Não tente ser o que não é.

- Me dê mais uma chance?

Ela aprecie a vista, fecha as pálpebras e sente a brisa tocar sua pele. Responde:

- Eu até poderia, mas não seria justo.

- Não seria...?

- Em nenhum momento você foi verdadeiro comigo, nem agora, nem há dois meses quando nos encontramos pela primeira vez neste mesmo lugar. Por que você seria verdadeiro neste momento?

- Eu não sei, eu realmente não sei...

- Você ao menos sabe quem é?

- Sim. Roger Pereira Andrade. 22 anos. Estudante de cinema, apaixonado por mulheres.

- Senti uma ponta de verdade nesta resposta. Mas não perguntei sua identidade nem o que faz. Perguntei se você sabe quem você é.

- Creio que a donzela esteja confundindo meus pensamentos...

- Creio que o cavalheiro não pense nada além do que faz e pensa fazer.

- Estou cansando disso. Aonde quer chegar?

- Quero chegar onde você está, a lugar algum.

- Tudo bem, você ganhou... Mas me diga, que você é?

- Um mero acaso.

- Como?

- Somos matérias, Roger.

- Você não pode ser uma mulher.

- Não seja ridículo. Você está dando em cima de mim há meses, com as mesmas cantadas sem graça. Sem inteligência, sem autenticidade. O que você quer que eu pense?

- Eu não sei...

- Você tem razão, eu não sou uma mulher... Para você talvez eu seja um objeto.

- Isso não é verdade!

- A maneira como você me olha não é um reflexo da sua testosterona?

- Talvez. Mas não podemos fugir disso.

- Ah, é?

- Somos animais.

- Que tipo de animais?

- Aqueles que se apaixonam, que amam, que erram, que não pensam em nada que não esteja ligado aos nossos movimentos terrestres.

- Você é estudante de cinema, não é?

- É o que diz na minha matrícula.

- Então grave esta cena...

Eles se beijam.

- Você é louca.

- Não, somos animais.

O mundo parece parar naquele exato instante. Os dois apreciam a vista daquele lugar alto, distante de tudo. Lá embaixo há um planeta em funcionamento... Ela toca no assunto.

- Lá embaixo as pessoas não darão chance para você.

- Então prefiro ficar aqui em cima.

- Dentro de certa irracionalidade, é uma ótima escolha. No entanto, não sobreviveríamos por muito tempo. É perfeito demais para dar certo.

Os dois saem de mãos dadas e voltam para a urbanização. Descem a montanha, deixam a vista para trás, e quando chegam ao solo da cidade desabotoam as mãos e afastam os lábios. Ela se despede:

- Compreende que o que aconteceu lá em cima foi um mero acaso, não é?

- Sim. O justo é não termos chances.

- Temos a chance de viver e mudar a concepção disso.

- Você não pode ser daqui...

- Nenhum de nós pertence a este lugar...

- Adeus...

- Adeus.

Luan Iglesias
Enviado por Luan Iglesias em 20/12/2009
Código do texto: T1988235
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