Amando pela primeira vez

(Publicado originalmente no livro Antologia Dellicatta IV)

Amando pela primeira vez

Nunca imaginei encontrar alguém com tantas qualidades. Nunca acreditei que sentiria tanto medo em perder alguém e tanta vontade em estar perto. Faz um bom tempo que passei a imaginar e a acreditar mais. Hoje percebo que ela é motivo de quase tudo que realizei. É linda, mesmo quando acorda, com seus cabelos esvoaçantes e seu rosto enrugado pelo lençol. Todo dia eu a vejo como se fosse a primeira vez. E novamente me apaixono. Seus olhos continuam os mesmos, pretos como uma jabuticaba e tão brilhantes quanto a Dalva. É engraçado como ela reage cada vez que digo o quanto a amo. Sempre da mesma maneira: acaricia meu rosto com suas delicadas mãos e, um pouco ruborizado, vejo surgir um esboço de sorriso. O sorriso mais lindo que já vi.

Já citei o quanto ela é linda? Desde que nos casamos minha vida mudou completamente. Quando acordo a primeira visão que tenho é de seu rosto, de seu belo rosto... que mesmo dormindo me transmite segurança, calma, tranqüilidade. A melhor coisa é poder acordar acarinhar seu rosto, e vê-la despertar. Agradeço a Deus cada manhã em que vejo o abrir de seus olhos. O sol deixa de ser o protagonista para se render ao belo par de olhos que resplandece a cada manhã e ilumina meu dia. Ela reclama do tempo, da passagem do tempo - e como reclama!- Diz que a vida passa ligeiramente. Mas para mim, cada instante ao lado dela é infinito. Com ela o tempo não passa, eterniza-se.

E ela demora uns minutos no banheiro, e se arruma, e se enfeita, e se perfuma. Pela fresta da porta posso ver seu reflexo no espelho. Olhos preocupados, perfeccionistas, não deixando faltar detalhe algum. Ela está certa. Afinal, hoje é nosso grande dia. Todos estarão reunidos: filhos, netos, bisnetos. Para comemorarmos juntos mais um ano de nossa união. Talvez ela tenha razão, o tempo passou rápido mesmo... Parece que foi ontem que eu estava nervoso no altar da Paróquia de Santa Clara de Assis, com as mãos frias ao lado de minha mãe aguardando a jovem mais bela e doce que eu conhecera.

De lá pra cá brigamos, rimos, choramos e nos amamos. Acima de tudo nos amamos. Ah, meu jovem, amor é mais do que simplesmente amar. É compreender, aceitar, ajudar, ceder. Amar é principalmente ser amigo, ser companheiro. E nós fomos desde o início e ainda hoje somos. Ela é mais do que um amor, ela é minha vida.

Eu sei que seus cabelos perderam a cor, todavia é engraçado como o perfume deles e o jeito como me atrapalham sempre que a beijo permanecem da mesma forma de quando a conheci. Sua pele, embora ela reclame da perda da elasticidade, continua macia e perfumada, tal como da primeira vez que nos abraçamos. Passaram-se cinqüenta anos e ela só fez rejuvenescer, amadurecer e me amadurecer.

Hoje, sentados eu e ela no banco de nossa varanda, fico pensando quanto tempo perdemos antes de nos conhecermos. Ela está ao meu lado, suas mãos estão frias como da jovem que me fez apaixonar. De seu olhar uma gota cai e rola por toda sua face até em minha mão quebrar. Ela, sem jeito, encosta-se em meu ombro e segura mais forte minha mão. Sussurra um “eu te amo” muito inibido e me beija. Novamente ela me faz um menino, amando pela primeira vez.

Acire Assis
Enviado por Acire Assis em 22/12/2009
Código do texto: T1991236
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