MINHA MÃE NO PASSADO

Minha mãe tinha uma memória muito boa!!! Mesmo tão sofrida!!

Lembro-me de que, nos momentos de educação, sentada no banco tosco e perto de nós, as palavras eram silentes e entraves. Os conselhos os mais sensatos. Seus gestos eram maneiros e buscavam sempre a abrangência. Não gostava de intervenção quando falava.

Era como se pudesse bater o alho e olhar as estrelas, caminhar descalça no terreiro e vestir-se para um baile. Sofrer dos males da pobreza e servir jantares elegantes. Uma vez por semana fazíamos o “Evangelho no Lar”. Falava de Jesus com proeminência, de suas parábolas santas e do amor que Jesus tinha por todos nós. Dizia também que um dia ele viria em Santidade nos buscar para seu Verdadeiro Reino. Proferia com tanta convicção, que meus irmãos menores olhavam o céu terreno na espera do surgimento do Menino Deus! Mamãe, com carinho, explicava que este dia não demoraria a chegar. Mas era preciso esperar.

Como minha mãe era tenaz! Seu corpo frágil não demonstrava as poucas rugas da idade e nem o sofrimento de ser mãe de dez filhos: seis mulheres e quatro homens. Lá em casa, cada um de nós tinha uma tarefa, coisas simples do interior: varrer quintal, apanhar frutas, legumes e tomates que ela mesma havia plantado, arredar os móveis velhos para a limpeza completa, lavar e passar roupas. O ferro era de brasa e o escovão era passado no chão vermelho. Daqueles mais antigos. Cera para lustrar o chão era usada uma vez por mês. Era necessário lustrar e economizar. As roupas costuradas eram de saco. Tinha minha mãe uma máquina velha, e seu barulho ruía aos seus pés. De vez em quando, Manoel colocava um óleo especial que papai havia trazido da fábrica.

Contar sobre minha mãe é pensar em lição de vida. É falar de amor. Tinha lá os seus defeitos. Odiava baratas e largatixas (largatixas dentro de casa). Mas seria isto um defeito? Ai de qualquer um de nós, filhos, deixasse entrar pelas portas da velha casa uma baratinha que fosse. Largatixas do lado de fora da velha casa era permitido. Podia. Pegava outros insetos. Como ela sabia disto? Ela também excomungava fofocas e pessoas mandrionas. Detestava pessoas desonestas e audazes, principalmente aqueles que se consideravam sovinas. Os abastados também, quando não tinham caridade com o próximo. Mas também amava outros. Muitos outros: os humildes, os trabalhadores, os modestos, os simples.

O que minha mãe considerava caridade? Engraçado, esta era uma palavra constante nos seus lábios. Caridade com o próximo, caridade com os velhos, ternura pelas crianças e pelos pequeninos. Caridade na expressão do olhar e caridade na compreensão dos atos alheios.

Mamãe tinha o melhor gênio do mundo. Às vezes, chorava. dizia a mim e aos meus irmãos que seus olhos estavam molhados d’água e nunca admitia que chorava pelos atropelos da vida.

Achava estranho! Às vezes, andava curvada e se abanava. Tinha um velho leque do meu avô, que foi emprestado a ela. Comparava o leque às canções que o vento leva e Ana achava estranha a comparação. Perguntava: “Mamãe, qual a relação do leque com canções, com cantigas de roda e ninar? “ Respondia: “Aninha, o leque balança o vento da minha respiração, movimenta a brisa do ambiente, e Canções do que se cantar dão prazer as minhas emoções! Gosto do velho leque e de velhas cantigas. Fazem o meu coração estremecer de alegria”. Quando eu partir, levarei canções e leques para ninar e abrisiar outras crianças do mundo de lá. “Mas você vai partir?” perguntava Ana. “Ninguém parte, filha, deixa sempre pargos e alamedas no espírito e na alma dos seus”, respondia, meigamente.

O trabalho era o seu lema. Para ajudar meu pai,despretensiosamente, doces de leite, os mais gostosos deste mundo, eram feitos. Aí de mim e dos meus irmãos se pedíssemos os doces. Ganhávamos um por semana. Os outros eram do comércio que mamãe vendia. Os doces eram quase branquinhos e havia também os de côco. Não existia mágoa entre nós, pois sabíamos que mamãe trocava os doces por cuecas, calcinhas, blusas, embonares e material escolar para mim e meus nove irmãos.

E papai era feliz. Não se preocupava com esta parte e com os nossos estudos. Educação dentro de casa e na escola pública da nossa cidade. Roupa limpinha e engomada. Mamãe fazia questão. Algumas vezes, costurava para os vizinhos, mas as roupas da casa eram todas feitas na velha máquina.

0 conselho era único, para todos os irmãos. Sei que guardei nas minhas lembranças palavra por palavra. Rigorosamente era assim: "Ouve, vê e cala. Viverás vida folgada. Quando sua porta fechar, seu vizinho te louvará". Eu entendia e explicava aos meus irmãos menores nunca deveríamos fazer mexerico com atoso alheios. Não tecer falas como se diz hoje. Caminhei pela vida, com esta filosofia de ser.

Uma vez aconteceu pequeno acidente e mamãe caiu. Ficou muito tempo acamada. Vinham gente de outras redondezas cuidar dela. Meus irmãos e eu ficávamos de vigília. Buscávamos a sopa e água. Eu subia no banquinho e dava o remédio. Recolhia a roupa de camisola da chuva e mamãe ainda assim se zangava: “saí da chuva menina, espera sempre o sol sair. Lembre-se de que o Senhor tem segurado minhas lágrimas na palma de sua mão”. Não entendia seu recado, mas respeitava o seu pensamento.

Mamãe melhorou e voltou aos doces. Até hoje, quando beijo sua face engelhada, ela oferece os doces de leite. Sorrindo! Gostosos e sem muito açúcar. Uma beleza. Já não precisamos mais vendê-los. Quando todos os irmãos começaram a trabalhar, nossa vida melhorou. A reunião lá em casa continuou. Jesus permaneceu na reunião semanal e no quadro na parede da sala. Um dia, depois de senhor, Osmar trocou a moldura, mas a imagem santa continuou a mesma. Mamãe fazia questão.

Os fatos da vida da minha mãe são inatingíveis, como se o tempo girasse ao contrário: a mãe que eu via mais com o coração do que a razão, porque só de coração era o seu amor.

Penso que somente as mães poderiam "ajustar" o mundo, já que elas são preparadas para cuidar, diferentemente de todos nós. Prova de que, por mais que falhem, mãe é sempre mãe. Já na fase adulta, vai se afastando, tornando-se distante, fica minha mãe do passado, que continuará no presente e sempre no futuro. E me dirá em minhas recordações: “saí da chuva menina, espera sempre o sol sair. Lembre-se de que o Senhor Jesus tem segurado minhas lágrimas na palma de Sua mão”.

Este é um conto fictício.

bhz. 30 de dezembro de 2009

Silvania Mendonça
Enviado por Silvania Mendonça em 30/12/2009
Reeditado em 06/01/2010
Código do texto: T2003284
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