A última carta de amor

Amo-te de tal modo, a ponto de entender que tua vida vale muito mais que a minha. Sim, vale mais, por que a tua vida vale por duas: pela minha e pela tua. Não entendes? Explico. Não fosse tu existires, não haveria razão para eu existir também. Agora compreendo isso. Minha única razão de estar sob esse sol, de acordar todas as manhãs, de sentir o perfume das rosas e ouvir o canto dos pássaros, és tu. A tua existência absorveu a minha, e se não fosse tu, eu não passaria de um corpo físico, sem essência, sem realidade, em resumo, sem vida. Não seria nada além de um não-ser oco a vagar por aí, sem alma, porque agora chego a crer que te tornaste minha alma. Se partisses, meu espírito flutuaria a teu lado. Pude então perceber que não suportaria perder-te.

Não, de maneira nenhuma suportaria perder-te. Fui então surpreendido e tomado por esse terror que era imaginar que minha vida pudesse se prolongar além da tua. Minha mente então pôs-se a fantasiar uma existência onde tu não estivesses mais ao meu lado. Tudo se tornou um imenso vazio. A tua ausência retirava a vida de todas as outras coisas, até daquelas coisas que nunca a tiveram. Isso por que tua presença dá vivência a essas coisas inanimadas. Um mundo sem ti é um mundo sem cores, sem sons, sem sabor, sem toque. Entendes então que essas idéias cada vez mais iam me afogando nesse mar de sofrimento que seria ter que continuar aqui quando tu não mais estivesses? Compreendes como passei a sofrer por pensar que existia a possibilidade de perder-te para sempre? Não pude mais suportar essa idéia.

Perdoa-me. Como estás lendo essa carta, naturalmente encontrou meu corpo. Perdoa-me de novo. Tentei fazer da melhor maneira possível. Deves estar ainda sob efeito dos soníferos que botei na tua bebida. Era necessário. A princípio pensei em matar-me com um tiro. Não tive coragem, além do que, julguei também que a imagem do corpo perfurado pela bala e banhado em sangue te seria mais chocante. Decidi então pelo veneno. Por isso dopei-te de tranqüilizantes, para não correr o risco que tu te acordasses e me visses agonizando. Sei que chamaria a emergência, para tentar evitar a minha morte. Meu medo era justamente que conseguisses evitá-la. Aí eu teria que voltar a viver nesse martírio, que era estar sempre a pensar na possibilidade de um dia não mais tê-la ao meu lado...