Tenha Fé

Podia-se ouvir o choro sentido daquela garota. Era um choro doído, que machucava a alma e não os ouvidos. Ela chorava sem murmurar palavras, abraçada ao travesseiro. Seu peito ardia pela tristeza imensa que havia em si. Seus belos olhos estavam vermelhos. Parecia que aquilo nunca mais iria terminar. A dor que ela sentia era tanta que se tornara física, contraindo-lhe o corpo, cujas estremidades estavam geladas. Assim estava aquela garota, nem tão garota, mais mulher. O que lhe doía não era o fato de ter sido trocada por outra, mas a traição, a mentira, a falta de consideração por sua pessoa amorosa. Amara demais aquele rapaz, cuidava dele, preocupara-se com ele e agora, a mentira. Tantas e tantas vezes ouvira dele que sem ela, ele não poderia continuar sua jornada. E, por fim, ela nada significava para aquele ser tão querido e adorado. Ela o amava ainda, com toda a força de sua juventude. Ela chorou a manhã e a tarde inteiras. A noite caiu e também sobre ela caiu uma letargia sem fim. As sombras invadiram o quarto e pela janela aberta entrava o perfume das árvores e flores. Ela não acendeu as luzes; deixou que a claridade da lua iluminasse seu quarto. Deitada, sentia ainda o perfume dele em seus lençóis. Se morresse naquele instante, não faria a menor diferença, tão decepcionada estava com a vida. Foi então que viu o vulto recortado de encontro à janela. Outro tempo fosse, gritaria de medo, mas naquele momento pouco se lhe importava o quê ou quem seria aquilo. Deitada estava, deitada continuou, mesmo quando o viu se aproximar. Na penumbra percebeu ser homem, mas só isso. Virou o rosto. Que a matasse, que fizesse o que quisesse com ela. Sentiu o colchão afundar e seu cabelo ser acariciado por uma mão gentil. Fechou os olhos sentindo um estranho calor lhe aquecer o coração gelado. Sentiu suas dores passarem, sua alma ser acalentada. O cansaço a acolheu em seus vigorosos braços e ela adormeceu, um sono bom. A manhã chegou, trazendo consigo um sol frio. Ela acordou. Estava coberta por seu edredom favorito. Olhos à sua volta e se perguntou se tudo havia sido um sonho. Logo a verdade novamente a esbofeteou, mas não havia mais lágrimas. Secaram todas. Apenas um vazio estranho dentro dela, como se um pedaço lhe houvera sido arrancado. Sua janela continuava aberta, o perfume nos lençóis continuava, mas algo inusitado se encontrava em sua mesa de cabeceira: uma rosa vermelha e um bilhete. Ela o pegou, abriu e leu: “Nenhuma dor no mundo pode abater o coração de um justo. Tenha fé!” Surpresa,ela sentou-se na cama, segurou a rosa entre as mãos e aspirou o perfume. Alguém estivera em seu quarto, não era um sonho. Levantou-se, tomou um banho e tentou comer uma fruta. Resolveu sair. Era sábado, estava livre. Livre de respondabilidades, livre de perguntas, livre demais para seu gosto. Caminhou por ruas que mal conhecia, notou recantos em que nunca antes havia reparado, sentou em bancos que nem sabia existir. Olhou o céu repleto de nuvens brancas, sentiu o vento frio que cortava o sol, pensou nele. A dor queria voltar. Procurava caminho entre as barreiras impostas, achava frestas. E quando ela estava quase tomando conta de novo de sua alma, ela ouviu uma voz profunda:

- Oi!

Levantou a cabeça e deparou com um olhar profundo e amigo. Olhos sorridentes, pensou.

- Posso me sentar perto de você? – ele tinha olhos azuis.

Sem saber o que fazer direito, ela confirmou. Ele se sentou e ficou ali, olhando crianças brincando na areia de um parquinho.

- Adoro crianças. – Comentou ele, sorridente. – E você?

- Ah, eu? É, gosto sim. – Nunca pensara muito em crianças.

- Que bom então! – Ele falou feliz. – Não consigo compreender mulheres que vão ser mães e que não gostam de crianças.

Ela o olhou com estranheza.

- Desculpe. Não entendi seu comentário.

Então ele virou-se para ela e falou com sua voz profunda e séria.

- Você será mãe.

Aturdida, ela abriu a boca para falar, mas a voz não saiu. Não, não podia ser mãe! Não agora!

- Sim. – continuou o estranho – Vai ser mãe. Mas não se preocupe. Tudo há de se ajeitar.

O estranho rapaz se levantou, sorriu.

- Tenha fé!

Ele acenou com a cabeça e partiu. Ela ainda estava paralisada quando olhou ao seu lado no banco e viu uma pena alva e longa. Pegou-a e sentiu pela primeira vez a mudança em seu corpo. Ao contrário do que pensaria, foi tomada de uma alegria inebriante e, de repente, o mundo todo ficou mais brilhante e a vida não era mais um caminho tortuoso. Levantou-se e caminhou exuberante para casa. Sorria ao chegar à porta da frente. Mas logo seu sorriso se apagou. Lá estava o traidor, o homem que a magoara. Parado, esperando por ela, olhos suplicantes. Ela o encarou e esperou. Ele firmou seu olhar no dela:

- Eu nunca te traí.

Ela deixou que ele falasse, aspalavras vinham aos borbotões, a voz dele tremia de tristeza e por vezes de indignação. Tudo o que ele dizia fazia sentido. As mentiras inventadas, situações armadas. Mas como poderia ter certeza? Ela colocou a mão sob sua boca.

- Não fale mais nada. Vá embora e me deixe pensar, por favor.

Relutante, ele se foi e ela começou sua busca pela verdade.

Dois dias se passaram até que, por fim, ela soube que ele falara a verdade. Deixou um recado na caixa postal de seu celular e esperou. Ele chegou no final da tarde, após o trabalho e ela o fez se sentar.

- Eu sei que o que me falou é verdade. Mas há de compreender que precisei buscar os detalhes para acreditar novamente.

Ele fez que sim com a cabeça.

- Então, está bem. Era só isso que eu queria te dizer. – ela falou simplesmente.

Ele a olhou sem entender.

- Só?

- Sim. Só isso.

Foi então que ela viu nos olhos deles sua própria dor refletida e seu coração disparou. Puxou-o para si, abraçando-o fortemente, aninhando-o em seus braços, sentindo-se aprisionada nos dele. Ele a amava! Sentiu-lhe o calor dos beijos e suas lágrimas se misturando. Mais tarde, abraçados sob os lençóis, ela murmurou no ouvido dele suas suspeitas e a noite se iluminou! Talvez agora ela pudesse acreditar em eternidade.

Rita Flôres
Enviado por Rita Flôres em 05/07/2010
Reeditado em 11/08/2015
Código do texto: T2359651
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