O medo

Ela chegou aflita a porta da casa 201 na rua B do bairro verde, gritou por Sergio duas vezes e ouviu uma tosse seca vinda de dentro da casa, quase sem forças para responder, suou frio na hora e teve ímpetos de entrar na casa mesmo sem ter sido convidada, chamou de novo, e mais uma vez só conseguiu ouvir uma baixa e abafada tosse entre palavras engasgadas, pensou por um instante em algo ruim, mas logo tirou aquele pensamento de suas idéias e voltou a esperar, passaram alguns minutos e Dora resolveu se sentar na porta ao lado de fora onde havia uma escadinha com piso verde de ardósia, mal limpa embaçada de poeira, onde será que Sérgio estaria? será que sua mãe estava ali hoje fazendo uma visita? Esperou por horas e nada de ser atendida, sentiu-se estranhamente incomodada, começou a pensar coisas realmente ruins, ela tinha ligado para Sérgio 4 horas antes, para conversar sobre o namoro que não ia muito bem, ela tinha uma coisa muito séria para lhe falar, ele preocupado nao conseguia relaxar e esperar por Dora, sentia que sem ela sua vida não teria sentido algum. Dora sentindo necessidade real de ver e falar com Sergio demorou um pouco além do combinado para chegar a casa dele, por que no meio do seu trajeto a bicicleta que pedalava furou um dos pneus e fez Dora se demorar mais, olhou para cima, pensou, resolveu bater a porta com mais força e dessa vez nada mais ouviu, preocupou-se, ela sabia do amor de Sérgio e sabia o quanto o amava também, a idéia de que algo ruim pudesse ter acontecido gelava a espinha dela e fazia sua nuca se arrepiar, mais uma batida e ela resolveu abrir a porta. Trancada a chave por dentro ela ficou encucada, o que esse maluco fazia trancado dentro de casa o dia todo que nem a recebia? ou seria a velha que passara mal e morreu lá dentro sem socorro? Empurrou com força e nada... Resolveu ir até a esquina e chamar um moço forte que puxava pelo cabresto umas vacas de leite e pediu ajuda para abrir aquela porta, o moço prontamente ajudou, com um chute a porta se abriu, ela agradeceu sorrindo e entrou, na sala nada de errado, sofás vermelhos com almofadas enfeitavam o ambiente,cortinas com flores em cores vivas, escolhidas por ela em um dia de compras a dois na lojinha da rua B recém aberta por dona Nair,no corredor um frio estranho, na cozinha tudo em seu lugar, 'casa arrumada por Sérgio? será? que estranho... Bagunceiro que só.' No banheiro umas roupas jogadas de canto , o box ainda meio aberto e o chão molhado como que alguém tivesse recém tomado banho ali, um arrepio percorreu seu corpo e resolveu entrar no quarto do namorado. Empurrou a porta de leve e se ajoelhou no chão, levando as mãos ao rosto tamanho horror que invadia seu ser, sentiu sua vida se esvaindo entre seus dedos, ante seus olhos passaram as horas mais felizes de sua vida, os dias mais intensos, os sentimentos mais fortes e avassaladores, não conseguiu encontrar em sua garganta um só grito, um gemido, nada, estava só e completamente muda. levou uma das mãos a bolsa que trazia pendurada de lado do corpo e retirou uma folha de papel branco com margens amareladas, com lágrimas escorrendo pela face arrastou seu corpo um pouco pra frente sem força alguma e estendeu a mão com o papel, Sérgio a olhava com dor, estava diante da mulher de sua vida e nada mais podia ser feito, ela balbuciou para ele algumas palavras e ele sem nenhuma condição deixou apenas que lágrimas rolassem por sua face, e fechou os olhos. Por medo de ficar sem Dora resolveu tornar-se eternamente sozinho, Dora por medo de Ficar sem Sérgio queria conversar para contar-lhe uma novidade e pedir para se unirem em casamento. Dora ainda hoje sentada em sua cadeira de sol na varanda da casa de seu neto vagueia as idéias e as lembranças a buscam de longe... fecha os olhos e vê como se fosse ontem os olhos de Sérgio, seu amado quando ela o encontrou caído embebido em sangue no chão de seu quarto a beira da morte suicída e o contou que esperava dele um filho sem nenhuma chance de vida ele se deixou morrer, ainda hoje as noites quando está deitada em sua cama, sente um arrepio e é como se mil estrelas beijassem seu rosto antes que ela caia em sono profundo. uma dessas noites, logo depois que seu neto Carlos saiu do quarto Dora adormeceu, sentiu o beijo de mil estrelas e jamais acordou do sonho profundo que se enfiou aquela noite. encontrou-se com Sérgio e caminhou com ele até a casinha da rua B, onde os dois teriam vivido a vida não fosse o medo da perda... e Dora faleceu dormindo tranquilamente com a expressão de uma jovem de 20 anos que ama pela primeira vez. Contam que depois da morte de seu amado Dora nunca mais olhou outro homem, criou sozinha sua filha e logo ajudou a criar o neto, nunca foi beijada ou tocada por nenhum outro homem, contam que Sérgio vivia ao lado dela, e muitos já o viram entrando pela janela do quarto dela todas as noites ao cair da lua.

Ps; Muitas vezes por medo de perder o bom acabamos perdendo o melhor que viria a nosso favor, nunca antecipe uma dor, não antecipe um sofrimento, veja e viva o bem para si e para os outros, não faça como Sérgio que ao sentir uma ameaça de possível perda entregou-se a tragédia, cometendo contra si e contra seu amor um crime terrivel! O de desistir antes de tentar.