Banhos de Riacho - Corpos Nus

Memórias de Nico

(Excerto do livro "Nicolas e Elizabeth", ainda não publicado)

“Liza estava com dez anos e eu com onze. Foi um pouco antes de começar o ano letivo (ela ia fazer o terceiro ano primário e eu o quarto) que descobrimos uma trilha que beirava o cafezal, e ia até perto da porteira da fazenda. A trilha seguia até a mata, e passava perto do ingazeiro em cuja sombra costumávamos descansar. Descobrimos um desvio que descia à beirada da mata e levava a um belo riacho de leito pedregoso. Um alargamento logo abaixo de uma pequena cachoeira formava uma cacimba. A água, nessa época, estava bem morna, muito gostosa.

Na primeira vez que estivemos no riacho, tiramos apenas os calçados e brincamos nas margens, entre as pedras. Na segunda vez fomos mais ousados. Liza perguntou:

- Vamos entrar? Será que é muito fundo?

- Acho que não, quase dá pra ver as pedras do leito. Vamos?

- Não podemos molhar a roupa, senão vovó vai brigar. Vamos tirar.

- Tirar a roupa? Mas isso não é sem-vergonhice?

- É, acho que é…

Ficamos pensativos por alguns momentos. Então Liza falou:

- Lembra daquele dia que entramos no quartinho abandonado e ficamos cheios de pulgas? Vovó mandou a gente tirar a roupa e disse que não precisava ficar com vergonha. Tomamos banho juntos e não ficamos com vergonha. Aquilo não foi sem-vergonhice. É só não ficar fazendo bobeiras. Promete não ficar com vergonha nem fazer bobeiras?

- Naquele dia eu não fiquei com vergonha. De que bobeiras você está falando?

- Ah… sei lá. Mas prometa.

- Está bem. Prometo.

Rapidamente nos despimos, eu ainda meio envergonhado, mas Liza puxou-me pela mão para dentro da água.

- Você é muito bonita sem roupa, está ficando diferente…

- Para com isso. Me deixa encabulada. Ah, deixa pra lá. Vamos brincar na cachoeira.

- Bem, prometer é fácil, difícil é não ficar com vergonha.

- Então faz de conta que você não está me vendo, e eu faço de conta que não vejo você. Foi você que me disse isso naquele dia, e eu fiz direitinho.

- Está bem…

Chegamos à parte mais funda, que não tinha nem um metro, com leito formado por cascalhos. O contato com a água nos tirou o acanhamento, e ficamos brincando. Não sei qual lugar era melhor: a cacimba, a cachoeira ou as corredeiras. Escorregar nas pedras também era muito divertido. Brincamos por bastante tempo, e depois ficamos ao sol para secar nossos corpos. Tínhamos esquecido a vergonha, como se aquilo fosse uma coisa bastante natural. Sentados, deitados de costas, deitados de frente, em pouco tempo estávamos secos. Depois, Liza ajudou a tirar a areia do meu corpo. Fiz o mesmo com ela. Era um contato gostoso.

Vestimo-nos e ficamos mais algum tempo sentados nas pedras.

- Foi muito divertido. Podemos vir mais vezes.

Liza me abraçou e eu retribui.

- Podemos sim. Só não vamos esquecer da nossa promessa: nada de sentir vergonha e nada de fazer coisas feias.

- Certo. Prometo. Vai ser nossa promessa. E essa vai ser a nossa cacimba, nossa cachoeira. Não vamos falar daqui pra ninguém. Vai ser nosso segredo.

Era gostoso abraçar Liza, e nesse dia ficou mais ainda. Ficamos mais algum tempo ali, e depois voltamos para casa. Voltamos mais algumas vezes, sem constrangimento nenhum. Com a chegada do inverno a água ficou muito fria e passamos uns bons meses sem nossos banhos. Somente no final do ano a água voltou a ficar agradável, e conseguimos nos divertir bastante naquele lugar.

Percebi que Liza estava crescendo, seu corpo ficava cada vez mais bonito. Eu também estava crescendo, me achava meio desajeitado. Pensava que Liza logo enjoaria da minha companhia, no entanto, cada vez mais ela procurava estar comigo, e esqueci essas coisas. A cada dia ficávamos mais ligados.

Acostumamo-nos a ver nossos corpos nus, e a respeitar um ao outro. Crescemos assim, livres e felizes. É claro que muitas vezes eu me mostrava excitado, mas Liza fingia não ver, para não criar acanhamentos nem alimentar idéias erradas.

- Eu sei o que acontece com seu corpo, e sei também que não tem muito como controlar. Faço de conta que não percebo, e fica tudo bem. É só mantermos nossa promessa de não fazer bobagens que dá tudo certo…

E realmente deu certo. Aprendi que corpo nu não é sexo, é a beleza original do ser humano. São formas que crescem, de criança a gente grande, e se modifica, embotando aos poucos o olhar da inocência pelo desejo da carne. Afastar o desejo e ver simplesmente o corpo nu, inocente e belo, é sentir prazer sem impudicícia, sem pecado. Saber ver um corpo nu é reconhecer a beleza da criação, e deleitar-se com outros prazeres que não o Eros, tão afoito e sôfrego, porém fugaz e passageiro, que muitas vezes destrói uma amizade verdadeira por um instante de prazer.Ceder ao desejo da carne tem seu tempo certo, e o amor verdadeiro é paciente, capaz esperar. Esperamos, e não nos arrependemos.

Hoje, já velhos, lembramo-nos com alegria daqueles tempos e de como fomos felizes.