De braços abertos para o mar



Naquela manhã de outono, debruçada à janela, ela girava, com a ponta dos dedos, a aliança em sua mão direita. Seus pensamentos vagavam longe, muito distantes dali. Eles estavam no mar, perdidos, naufragados em suas densas águas cristalinas.

As mulheres dos pescadores esperavam todos os dias, assim como aquela moça, pela volta de seus homens. Ela era uma delas. Aguardava! Seus dias limitavam-se a uma espera infindável, agonizante. Seria para sempre assim, mesmo após o casamento, as horas arrastariam-se, como todos os dias de sua vida.


O locutor do rádio havia alertado para uma forte tempestade que se abateria sobre a região nas próximas horas, trazendo ondas gigantes e ventos muito fortes. Mas aquele era o dia do embarque dos homens-pescadores. Mesmo com o prenúncio da tempestade, os homens acharam que não seria lá grande coisa e que isso não os impediria de partir para o seu trabalho de onde retiravam o sustento de suas famílias. Precisavam arriscar-se e confiavam nos conhecimentos transmitidos por muitas gerações. Eles dominavam os segredos das águas da região.


Ali permaneceram as mulheres acenando com seus lenços brancos para as embarcações que, aos poucos, iam desaparecendo no horizonte. Restaram, na pacata aldeia, somente os idosos, as mulheres e as crianças. Ao sinal do primeiro relâmpago no céu, as mulheres apavoraram-se, as mais novas, filhas, irmãs, noivas e casadas derramaram suas primeiras lágrimas na areia branca.


     - A previsão do tempo estava correta.
- lembrou-lhes uma delas.
     - Não há de ser nada, eles voltarão com vida. - a mais velha da aldeia afirmou com veemente certeza, como se pudesse pressentir o futuro.

A jovem moça, em seu quarto, acariciava os lençóis novos, que cheiravam a lavanda, durante todas as manhãs que se seguiram ao desaparecimento de seu noivo e dos demais. Seu enxoval, tecido pelas mãos das mais idosas rendeiras da aldeia, era todo branco com refinadas flores bordadas. “
Pontos tão perfeitos!”. Ela os sentia com suas delicadas mãos e imaginava se ainda iria usá-los. Não queria acreditar que fosse possível que todos tivessem morrido. Uma lágrima escorria-lhe ao lembrar do rosto do homem que cativara seu coração. Era jovem nos seus vinte anos e ela, nos seus dezoito exalava a pureza de sua idade. Ele era o mais velho de seus quatro irmãos. O filho mais responsável e mais querido da aldeia. As jovens suspiravam ao vê-lo passar, mas ele a escolhera e ela nunca entendera o porquê.

Dois dias se passaram, a guarda costeira havia sido avisada do possível acidente, ela não acreditava que isso tinha acontecido. Tão perto do casamento, tudo já estava pronto só à espera de seu retorno. Tinha esperanças de que após as buscas, seriam localizados e ele estaria em seus braços.


     - Não encontramos nada. Nem sinal deles. -
essa era a informação que o comandante da guarda costeira tinha.

Uma noite, a moça caminhava pela beira da praia, sozinha, pensando em tudo que tinha acontecido, nos sonhos desfeitos, na desilusão que vivia de não encontrar seu noivo. As buscas tinham-se encerrado, nada mais poderia ser feito e ela não aceitava sua condição e sofria calada sua perda. Num sinal de desespero ela se pôs de frente para o mar e caminhou a passos curtos e ritmados como se adentrasse numa igreja ao som de uma marcha nupcial. Assim, foi molhando seus pés e indo cada vez mais para dentro do mar como se estivesse hipnotizada pela música que só ela ouvia. Ao longe, a velha da aldeia observava a cena ao longe, mas sem interferir.


     - Sim! Sim!
- ela repetia como se houvessem-lhe perguntado algo. E repetiu por várias vezes essa afirmação ainda caminhando para dentro do mar. De repente abriu seus braços e depois não se viu mais a moça que era noiva e esperava tanto por seu noivo por todo aquele tempo.

Dizem alguns aldeões da região, que ambos, a noiva e o noivo, foram encontrados numa praia perto dali de mãos dadas, outros dizem vê-los caminhando à noite lado a lado pela beira da praia muito felizes.


     - Não há nada que separe o amor verdadeiro e a natureza sempre recebe de braços abertos àqueles que amam.
- A velha da aldeia contou ao seu povo e aos que retornaram daquela insólita viagem, que a moça foi-se encontrar com seu amado e que o mar havia abençoado sua união e que ele a esperava não muito longe dali, nunca disse o que de fato havia acontecido e que presenciara, porque acreditava que o amor deles era tão bonito que nada os podia separar.

Eritania Brunoro
Enviado por Eritania Brunoro em 09/11/2010
Reeditado em 20/11/2010
Código do texto: T2606517
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