Sua Carta

"Juro que não sei como começar a falar tudo o que quero te dizer. Palavras não bastam e letras nunca expressarão a totalidade de meu amor que só é equiparado pelo meu sofrimento.

Não sei como será minha vida do outro lado do mundo. Só sei que será sem você e isso me deixa inquieto e com medo. Por que será que a vida é tão injusta e eu tenho que te deixar?

Te amo!

Você só lerá essa carta quando ja estiver mais velha, mas saiba que meu amor por você nunca envelhecerá. Rezo todo dia e continuarei rezando, para que daqui 32 anos, que é quando teremos 50 anos os dois, possamos abrir essa cápsula juntos. Tão juntos quanto agora e quanto meu coração sempre estará junto ao seu. Eu te amo, para sempre!

Mário."

* * * *

O papel, já velho, que a senhora sentada lia, estava agora cheio de pequenos pontos úmidos. Ela não parava de chorar e suas mãos tremiam ameaçando rasgar a pequena carta escrita a 32 anos por um rapaz, cuja imagem nunca deixara sua mente, mesmo após todos esses anos.

Uma mão tocou-lhe amigavelmente o ombro e ela se virou com um sorriso gerado por uma esperança, que embora impossível ela deixou que se formasse.

- Mário? - Perguntou enquanto se virava.

- Não. Meu nome é Rodrigo.

O rapaz de no máximo 18 anos não lembrava em nada seu amado e ela sabia que era impossível que fosse ele lá, mas aquele pensamento fulgaz passou por sua cabeça fazendo com que suas lágrimas parassem de cair.

- A senhora está bem?

- Sim. Sim, meu jovem. Obrigada.

- Sendo assim, vou deixar a senhora sozinha. - E com um sorriso se foi.

* * * *

O sol já descia no oeste e a brisa ficava cada vez mais fria anunciando a noite. Os pássaros se recolheram e as pessoas começaram a voltar do trabalho.

No parque, que existia há mais de um século naquela pequena cidade, sentada em um dos antigos bancos de madeira, aquela senhora continuava a olhar aquele pequeno pedaço de papel e suas lágrimas cederam lugar a um sorriso de lembrança. Lembranças de mais de três décadas atrás, contudo mais vivas do que nunca.

E não eram apenas lembranças de fatos ocorridos há muito tempo, ela relembrava também a sensação dos beijos suaves e dos abraços apertados de Mário. Lembrava como os três anos que antecederam sua maioridade foram os melhores de toda a sua vida, pois seu único amor estava lá com ela.

Ao lado do banco de madeira havia uma tubo de metal parecido com uma garrafa térmica, que fora enterrado no dia em que os dois se separaram para nunca mais se ver, e que fora desenterrada hoje, por um senhor que não cobrou mais do que o suficiente para um almoço. Dentro desse tubo ficaram guardados duas cartas e duas fotos: uma foto dela, uma foto dele e uma carta escrita por ela para ele, cujas palavras ainda estão vivas em sua memória, além de uma carta escrita por ele para ela: a sua carta.

* * * *

A "cápsula do tempo", como era chamado o tubo de metal, foi enterrado no aniversário de 18 anos dele, no dia em que eles se casaram e um dia antes de sua viagem para outro estado para aprender a pilotar para a guerra. Maldita guerra! Pensaram os dois, quando a carta de convocação chegou. Mário era um dos melhores alunos da escola e já tinha uma bolsa na melhor universidade do país, por isso foi chamado para integrar o oficialato como piloto de caça e não nas linhas de terra.

Nos seis primeiros meses, enquanto ele ainda estava no país aprendendo a voar, ela recebia cartas semanais dele, mas quando acabou o treinamento e ele foi enviado para o teatro operacional, a guerra, as cartas cessaram. Ela sabia que ele se lembrava dela todos os dias, mas as comunicações eram quase nulas.

A próxima carta que ela recebeu tinha o selo do país e um carimbo das forças armadas: o Tenente Aviador Mário morrera "em combate aéreo contra cinco caças inimigos. Fora emboscado e conseguiu abater três deles antes de ter uma das asas atingidas e cair", como dizia a carta, morrera como um herói nacional.

Ela no entanto recebeu apenas uma medalha, e não o seu Mário, de volta. Chorou muito quando a bandeira de seu país foi colocada sobre um caixão vazio, já que os destroços do avião caíram no mar e afundaram levando o corpo de seu amado, e mais ainda nos dias seguintes até que decidiu nunca mais chorar e nunca mais chorou. Até aquele dia, quando leu a sua carta.