Os dois lados de um rio

Era uma vez dois povoados separados por um largo rio de fortes correntes.

Embora de lados opostos, igualmente eram pobres, viviam das suas plantações e de poucos gados e galinhas que comercializavam entre si.

As pessoas daqueles dois vilarejos pela pouca ou nenhuma expectativa de melhora de vida, castigados pelo trabalho braçal debaixo de sol ou de chuva, mostravam em suas faces pesadas a pouca alegria de viver.

Alguns se casavam para não envelhecer só, outros para ter com quem conversar, ou até mesmo para uma “ajuda extra no campo”.

Viam-se crianças que brincavam e corria entre as ruas estreitas de barro e o mato que a cercava.

Riam-se até certa idade mostrar-lhes exatamente o que todos os outros daqueles dois povoados enxergavam... uma vida difícil.

Eram poucos os que ali sonhavam e viviam o amor, nem mesmo entre os jovens isso era comum.

Os adultos ensinavam as crianças que amor verdadeiro era somente de Pai e mãe; qualquer outro seria “acrescentar dores”, então “treinavam” seus filhos a não “alimentar esse tipo de sentimento” e a manter-se “dentro da realidade”.

Mas não há coração duro demais que um dia não amoleça, e entre muitas ou poucas pessoas, sempre tem um sonhador ou sonhadora que acredita que o amor pode ferir às vezes, mas também tem a capacidade de curar.

Em cada um dos vilarejos tinham exatamente dois jovens que nunca foram incentivados a desejar amar e sonhar... Mas não podiam expor seus pensamentos, pois seriam criticados e logo repreendidos, pois seriam acusados de serem propagadores de “ilusão”, e isso poderia atrapalhar toda uma produção de uma cidade voltada para seus interesses pessoais, o que não envolvia sentimentos, e sim comida na mesa.

Assim um pouco antes do nascer do Sol, enquanto muitos ainda dormiam, em um dos lados dos vilarejos, uma jovem saia todos os dias e sentava-se a margem do rio, não se preocupando se sujaria seu vestido em meio à grama e lama.

Com algumas folhas de papel nas mãos e uma caneta, escrevia algumas palavras em versos, algo que nem na escola tinham o costume de ensinar.

Tudo que estava em oculto em sua alma, derramava-lhe pelas mãos.

Quando raiava o sol e ao ver que pessoas já se movimentavam próximo, ela jogava seus versos sempre inacabados no rio, para não ser vista como uma “lunática” pela população.

O interessante, é que do outro lado, no outro vilarejo, um rapaz também sempre bem cedo as margens do rio sentava-se, somente para ter a liberdade de pensar e sonhar com uma vida em que pudesse amar e ser amado incondicionalmente.

Foi quando o destino, ou apenas a correnteza do rio, trouxe até ele os versos jogados pela jovem um pouco mais acima.

As letras estavam borradas, mas ainda era possível ler.

Ah! Aqueles versos!

Nada podia ser tão claro, que alguém do outro lado daquele rio também tinha uma chama que ardia chamada amor.

Ele ficou maravilhado com o que lia, mas percebera que os versos estavam inacabados.

Então guardou o papel ainda molhado em seu bolso, e nas horas vagas, escondido, tentava completar o poema.

Todos os dias, todas as manhas, ele ia à margem do rio buscar mais versos. Às vezes tinha que enfrentar a correnteza, porém o sacrifício parecia lhe valer!

Voltando ao outro lado... A jovem, que mal sabia ser uma poetiza, estava vivendo uma fase difícil com a família, e teriam que vender a propriedade para pagar dívidas e com o que sobrasse comprar uma menor.

Embora o vilarejo não fosse muito encantador, fazia parte de sua história!

Então numa manhã, com o coração mais apertado do que qualquer outro dia em sua vida, ela foi ao rio, seu companheiro e confidente; mas desta vez não escreveu um poema mal acabado, escreveu uma carta de despedida dirigida ao “meu lugar seguro” e assinada como “esperança”.

Como toda carta, colocou-a em um envelope com endereço e jogou-a nas águas.

Lavou seu rosto no rio, depois de chorar muito, como se ele estivesse limpando suas lágrimas, e foi para casa.

O jovem do outro lado ao achar a carta, desconfiou que se tratasse de uma moça e sentiu muito!

Sentou-se desolado, mas não imaginou que realmente era uma despedida, achou que fosse mais uma forma de se exprimir, mesmo percebendo que desta vez havia um “fim”!

Os dias foram passando, e nenhuma outra carta ou poema descia pela correnteza.

Foi quando ele resolveu atravessar o rio indo ao outro vilarejo, para saber se aquele endereço existia...

Ele não estava procurando um amor, ele procurava quem pensava exatamente como ele, pois se sentia feliz em saber que não era o único, e gostaria de mostrar que terminou todos os poemas inacabados lançados naquele rio.

Não precisou andar muito para encontrar o endereço, mas a tristeza tomou-lhe a alma, quando tirou a prova que a única sonhadora do outro lado, havia realmente ido embora.

Perguntou incansavelmente para a vizinhança, se alguém sabia para onde aquela família havia ido?!

Ninguém lhe informou.

Meio desorientado, estava convencido que sonhar não valia à pena, e o que todos ali diziam parecia ser a verdade que ele insistia em fugir.

Foi então ao seu regresso, nas margens do rio, e tirou do bolso um pacote com todos aqueles poemas.

Resolveu fazer como a jovem havia feito, endereçou e jogou nas águas enviando a “Esperança”.

Aquele rapaz não voltou mais aquele rio, e nem por perto gostava de passar, continuou sua vida como os demais.

Muitos dias depois, alguém lhe bate a porta. Ao atender é uma jovem “meio sem jeito” e que carregava nas mãos a embalagem que ele havia jogado no rio.

Ao ver, o rapaz se mostrou chateado, pois era como se oferecessem a decepção novamente!

Ele perguntou grosseiramente: - o que você quer?

Ela temerosa e gentilmente, levantou vagarosamente as mãos com os poemas e disse em baixa voz: - Vim agradecer por ter terminado meus poemas.

Naquele momento seu olhar se perdeu, parecia que procurava ter certeza que ela era real!

Tomou os poemas nas mão e perguntou quem ela era?

Ela respondeu: -Eu sou a “ESPERANÇA”.

Ele se apoiou nos umbrais da porta, mal podia acreditar!

A jovem olhando bem em seus olhos e perguntou que ele era?

Prontamente respondeu: - Sou “SEU LUGAR SEGURO”.

O que eu tenho a dizer sobre este conto?

Palavras nunca se perdem quando ditas com sinceridade, e o mesmo rio que parece às vezes nos trair, de alguma forma também nos ajuda.

Liana Lyma
Enviado por Liana Lyma em 07/02/2011
Código do texto: T2777770
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