Até que a música os separe - Cap.1

Até que a música os sepre

Capítulo 1 - A Geração Morta

Maldita seja a adolescência. E suas fases de rebeldia que me pegaram em

cheio. Estava decepcionada comigo mesma por estar nesse lugar.

A porta do clube Pandemônio estava cheia de adolescentes "estilosos". Punks e góticos, e mais variadas tribos. Minha amiga Angela estava tremendo de nervosismo ao meu lado.

-Você vai amá-los, Jade! Eles são lindos, tocam e cantam muito bem.

Principalmente o vocalista!

Bem, eu não estava interessada. Angela acabou me arrastando para esse ponto de encontro de roqueiros apenas para eu ver sua banda favorita tocar.

-Como eles se chamam mesmo?- perguntei, fingindo interesse.

-The Dead Generation! Já falei milhares de vezes! Você não está me ouvindo, né?

Sim! Acertou na mosca!

-Me desculpe, Ange. Mas você sabe que eu não curto essas coisas...- tive que falar a verdade. Bem, Angela era minha melhor amiga. Mas eu não combinava com seu gosto por caixões e caveiras. Nunca entrei em seu quarto com receio do que pudesse ver.

-Se não está a vontade, porque veio?-ela fez biquinho.-Queria tanto contrariar seus pais? Só porque me chamaram de estranha?

Só a lembrança me fez tremer de raiva. Briguei feio com meus pais, após eles tentarem me proibir de sair com Angela. Bem, eles tinham razão em chamarem de estranha. Quase surtaram ao vê-la, com seu vestido preto rendado e com várias

caveiras. Bem, Ange tem caveiras na presilha também. E no pulso. E no colar, um

grande morcego...

De qualquer forma, eu já tenho 16 anos, não sou mais criança e saio com

quem eu quiser!

-Não quero falar sobre os velhos,- eu disse. Angela sorriu.-Hoje, quero apenas me divertir com minha amiga!

Nós duas nos abraçamos. Enfim, a fila para o show começou a andar.

Dentro do clube, vários néons piscavam e me ardiam os olhos. Estava muito cheio, e o show ainda nem havia começado. Várias pessoas bebiam. Angela,

acostumada, me puxou até o local mais próximo do palco. Neste, os instrumentos

estavam expostos, esperando por The Dead Generation. Tomei um susto quando as luzes se apagaram, e todos gritaram ao mesmo

tempo.

-Lá vem eles!-Angela ia ter um infarto de felicidade.

Ao falar de rock, achei que iria testemunhar, logo de início, um monte de homens barbudos gritando feito loucos. Engano.

O show começou com uma música de fundo. Era estranha, uma mistura de

hip-hop com guitarra. Várias vozes. Enquanto isso, a banda entrava seguido de gritos da platéia.

Caramba, Angela tinha razão, os caras eram lindos! O primeiro a entrar era o vocalista, presumi pelo fato dele se posicionar no microfone. Ele devia ter a minha idade, seus cabelos eram espetados e negros brilhante. Sua roupa era toda rasgada, calça jeans e camiseta cinza, que continha várias escritas imitando pichações. Seguido vieram o baterista e o baixista, também jovens, com o cabelo longo e ruivo, grandes botas de combate, jeans preto e regata preta. E, por último, o guitarrista...

Esse era...especial. Não sei explicar, a aura dele era linda. Tinha presença. Fiquei hipnotizada. Tão jovem quanto os outros, cabelos loiros e delicadamente bagunçados; vestia jaqueta de couro também desgastada, e calças pretas. O que chamou a atenção foi o lenço que ele usava como máscara. Tampava seu nariz até o fim do rosto, lembrando um bandido.

Um lindo bandido.

Quando terminou o hip-hop, criou-se um momento de silêncio. E então

começaram a tocar. O som deles era incrível, um rock diferente de tudo que eu já vi. Era a agressividade da guitarra, mas com vocais suaves e delicados. Nerd como eu sou, entendia a letra em inglês.

"Você me disse, me ame enquanto estiver vivo

O que você espera que eu faça? Isso é a última cena de esperança?

Responda, responda, responda...

Eu não quero morrer, me de vida, de novo, eu não quero morrer..."

Agora eu que estava empolgada. Estranho como algo pode ser violento e

poético ao mesmo tempo! A bateria e a guitarra estavam em perfeita harmonia, o

baixo dava um toque a mais. A voz do vocalista era sublime. E o guitarrista...

realmente, ele era demais! Todos cantaram no refrão.

"Arma letal são seus lábios. Sua fragilidade me devora.

Vamos cantar de novo! Esse é o último pedido

Porque você não entende, não ouve meus gritos?

De novo... E o ódio vai embora...

Não me toque! Não toque meu coração!

Não mostre seu rosto, eu não quero morrer!"

Após o final da primeira música, perguntei a Angela, que já chorava:

-Qual é o nome do guitarrista?

-Heeim?!-ela estava viajando.

-O GUITARRISTA!!!!!

-Ah! Tá falando do Shinobu?

Shinobu? Isso que é nome estranho. Parece de mulher. Bem, seus traços são tão delicados que até parecem femininos.

Durante uma hora e meia, prestei atenção somente em Shinobu. Ele parecia

olhar para mim as vezes... Ou eu podia estar delirando.

Antes da última música, eles se apresentaram. O vocalista se chamava Raka, o baterista e o baixista (irmãos) se chamavam Akai e Sora. Bem, nomes estranhos, mas provavelmente são nomes artísticos. Eles se despediram tocando uma linda balada romântica. Na despedida, Shinobu tirou o lenço. Ele realmente era o mais bonito de todos, sua pele branca como a neve, nenhuma imperfeição. E, pela primeira vez, ele sorriu.

Angela e eu saímos com pressa do clube, quando os punks se agitaram para

uma nova banda de metal que iria tocar. Quando estávamos fora, Angela suspirou

profundamente.

-Demais, né? O que você achou? Já que você só ouve música clássica, achei que ia gostar de experimentar algo diferente...

Eu nem estava prestando atenção em Angela. Estava nas nuvens, pensando em Shinobu...

-Acorda!- Angela gritou.-Vamos ver se conseguimos ver eles saindo.

Fui puxada até os fundos do clube, onde centenas de fãs já os aguardavam.

Todas com presentes nas mãos. De alguma forma, fiquei triste por ter vindo de mãos vazias.

Assim que a porta se abriu, as garotas gritaram. Ok, eu também.

Eles estavam tão perto de mim, parecia um sonho! Todas as fãs avançaram

com seus presentes, e os músicos agradeciam com sorrisos.

Menos Shinobu. Aliás, esse não tinha nenhum presente. Todos avançavam em

Raka. Shinobu apenas andou reto...Vindo em minha direção.

-Ele está vindo para cá!-Angela se animou. Não precisava dizer, estou vendo! E por sinal, ficando nervosa!

O que é isso? Nunca tive tanto pânico assim! O rosto de Shinobu, sério,

olhando para mim me fez perder totalmente a cabeça.

E eu fugi. Ou pelo menos, tentei.

Virei-me para correr e sair dos fundos do clube, mas a pressa fez-me tropeçar e cair feio. Só senti minha cabeça bater com tudo no chão duro. Perdi os sentidos por um tempo, e só ouvia a exagerada da Angela gritando meu nome. Quando voltei a pensar, coloquei a mão na minha cabeça para sentir o tamanho do estrago. Senti algo quente, e quando forcei para olhar, era sangue.

Angela, fresca do jeito que é, logo fez que ia desmaiar. Fala sério, ela vivia dizendo que queria ser uma vampira!!

-Tudo bem, foi só um corte pequeno...-tentei conter o desespero de minha

amiga. Mas realmente, que droga. Além de uma bela dor, paguei o maior mico na

frente de meu astro do rock. Fiquei tão nervosa que a última parte de meu pensamento saiu alto:

-EU QUERO MORRER!!!!!!

-Fique calma, está doendo tanto assim?

A voz aveludada me fez pular. Não deu tempo nem de pensar "Será possível"; Shinobu estava ajoelhado ao meu lado, olhando preocupado para meu ferimento.

Acho que parei de respirar por uns segundos. Consegui até mesmo sentir a respiração de Shinobu no meu rosto. Parei totalmente, mas conseguia sentir meu rosto corar.

Quando "acordei", ele já tinha se afastado, e algo estava amarrado em minha cabeça estancando o sangue. Me emocionei ao notar que era o lenço que ele estava usando no show. Preto e com a estampa de um escorpião, me recordei.

Virei-me para agradecer, mas Shinobu já estava entrando em um carro onde

havia os outros membros. Ao me ver, ele apenas gritou.

-Fique com isso, mas vá logo a um médico!- e entrou no carro, que deu partida imediatamente.

Ok, isso foi surreal!

A primeira coisa que fiz foi puxar Angela, que observara a cena boquiaberta. Nunca tinha ido em um show, mas sei que as fãs provavelmente iriam me mandar assassinos para pegar esse simples lenço. Corremos por um bom tempo em silêncio, até que paramos cansadas. Olhamos uma para a outra, e começamos a gargalhar tanto que perdi o fôlego.

-Isso foi realmente legal- falei entre risos.

-Você é muito sortuda amiga!- Angela e eu paramos de rir, finalmente. Angela me abraçou de novo.-Feliz aniversário, Jade.

-Obrigada... Realmente, foi uma experiência!

-Realmente, eu não acredito- eu disse sozinha em meu quarto. Mesmo já tendo se passado três dias, ainda não entrava em minha cabeça aquele dia. Shinobu perto de mim era tão... relaxante...

Bem, é claro que tomei uma bela bronca de meus pais. Além de sair

escondida, volto sangrando. Passei no hospital na volta, já que Angela ficou me

atormentando. Eles não viram o lenço.

O lenço.

Eu estava como uma boba olhando esse lenço. Oras, é só um pedaço de pano! Porque eu estava tão emocionada? Provavelmente não o verei mais, mesmo eu tendo lavado e passado, não poderei devolvê-lo... Bem, acho que ele não gostaria do cheiro delicado do amaciante que usei...

Durante esses três dias, pesquisei várias coisas sobre The Dead Generation.

Eles se inspiravam em bandas japonesas de rock (por isso os nomes). De qualquer forma, eles ainda não são profissionais.O que é uma pena, concluí. O som deles é maravilhoso.

-Jade!! Está aí?!

Ah, meleca. Minha mãe, e meu pai parece estar junto. Como meu pais acham

que eu tenho o dom de tele transporte, não esperaram dois segundos para arrebentar a porta, desconfiados de que eu aprontava algo. Os olhos dos dois varreram o quarto, e petrificaram no lenço em minha mão.

-Jade Annafellows, o que é isso em suas mãos?- meu pai perguntou, com cara de que ia ter um AVC. Do jeito que estavam vestidos, estavam indo para a igreja. Sim, meus pais são religiosos obcecados.

-Um lenço, pai. Somente um pedaço de pano.

-Preto e com um escorpião??!!-ele gritou, ambos chocados. Revirei os olhos. Ele não gostou.-Isso é coisa do diabo! Aonde conseguiu isso??!!

-Pai, se um simples escorpião fosse símbolo do demo, as cidades do interior seriam o inferno, pois tem centenas deles- brinquei. Meu pai explodiu.

-Chega! Ficou muito tempo perto daquela garota estranha, o demônio possuiu você também! Você vai agora para a igreja, e vai ser exorcizada pelo padre!

-De maneira alguma!-gritei. Nem ferrando vou para a igreja para aquele velho pegar na minha cabeça e dizer um monte de asneiras.- Eu não tenho demônio nenhum no corpo. Isso foi um presente da Angela, apenas!

-Um presente do demônio!- minha mãe gritou. Caramba, que exagero!

-Escute bem, senhorita Jade. Nós vamos para a igreja rezar pelo seu bem.

Quando voltarmos, é bom ter sumido com esse item amaldiçoado. Senão, as coisas

ficarão feias para você! Entendeu?!- foram embora batendo a porta.

FALA SÉRIO!!!!!!!!

Se eles descobrissem que fui em um show de rock, fiquei pertinho de um

guitarrista, e, o pior, fiquei caidinha por ele, meus pais me internariam. Realmente, só há uma coisa a fazer. Não agüentarei mais isso por muito tempo.

Se eles querem provocar, que saibam que dois podem jogar o jogo da

provocação.

Rapidamente, me arrumei para sair. Peguei minha bolsa e joguei boa parte de minhas economias lá. Assim que eles saíram, saí em seguida. Quando voltassem,

teriam uma bela surpresa.

Depois de umas duas horas, estava voltando para casa, já com a minha

"surpresa". As pessoas na rua me olhavam estranho; a maioria, com medo.

Após uma viagem em umas lojas que Angela me falou, estava vestida como

uma gótica. O visual estava completo: Um vestido preto e rendado, com fitas

vermelhas, meia-calça com botas altas, cabelo solto e com um enfeite de caveira; um grande crucifico roxo balançava em meu pescoço. Levava uma bolsa com vários

morcegos desenhados. Para completar, eu estava usando uma sombrinha preta rasgada (sim, é totalmente inútil), acessório clássico dos góticos. O que meus pais pensariam ao me ver assim? Certamente não iriam querer mais que eu ficasse lá, fazendo com que eu fugisse de casa. Bem, é o que eu queria, e Angela já me ofereceu sua casa.

Chegando ao meu futuro-antigo lar, deitei-me no sofá relaxadamente, para

esperar meus pais. Para ilustrar, abri um exemplar do livro "Beijos de Vampiro: Laços de Sangue" e fingi estar lendo. "Como invocar um demônio" ficava na mesinha de

centro com um marca-páginas quase no final.

Não consegui segurar uma risada quando ouvi o barulho de chaves.

Concentração, Jade! Agora você é uma garota totalmente depressiva que quer se casar com um vampiro!

Ao me verem, a reação deles foi maior do que eu pensei. Minha mãe, que

segurava um frasco (provavelmente água benta) deixou esse cair, ficando de boca

aberta, e logo após começando a rezar. Meu pai, mais neurótico, caiu de joelhos e agarrou e cabeça chacoalhando esta, como em uma negação do que seus olhos viam.

QUE DEMAIS!!!

-O...O... O qu.....O que quer dizer...tudo isto, minha filha?- meu pai parecia querer chorar.

-Acho que o demônio me apossou por completo, papai.- brinquei, sorrindo. Os dois fizeram um som estranho, semelhante a um engasgo, e arregalaram os olhos.-

Bem, não vai querer uma garota infernal aqui com você, vai?

Antes que pudessem raciocinar, corri para o meu quarto arrumar as malas.

Bem, de um modo, estava triste. Realmente achei que meus pais, após eu ameaçar

fugir de casa, respeitassem minhas vontades e parariam de xingar Angela. Toda essa fantasia por nada. Notei que sou mais fraca do que pensei, já que meus olhos ardiam querendo chorar. Coloquei tudo o que eu tinha nas malas, de modo tão desorganizado que foi difícil fechar. Meus pais apareceram na porta de meu quarto, que eu deixei aberta. Ficaram mudos, eu de costas para eles. Só falaram quando notaram que eu já havia limpado todo o quarto, a mobília nua.

-Você...Vai mesmo, filha?

O QUE VOCÊ ACHA????!!!!!

-Sim,- respondi somente. Brigava com as lágrimas para contê-las. Meus pais ficaram em silêncio. Até que meu pai falou.

-Bem, é melhor você ficar um pouco longe de nós mesmo...Talvez se cure

ficando longe e sozinha um pouco...

Eu explodi.

-É só isso que vocês tem a falar??!! Sua filha está saindo, pode até dormir na

rua, e vocês ó se importam em manter seus umbigos longe de coisas pretas??!!-

comecei a chorar. Eles nem esboçaram reações.-Tudo o que eu queria é que vocês me respeitassem!!! Eu e minha amiga!! Vocês falam tanto de Deus, aposto que ele não teria tanto preconceito ou me deixaria sair!!!!

Essa atingiu eles. Antes que respondessem, peguei as três malas e corri. Para fora da casa, da rua, do quarteirão... Somente fugi. Não queria olhar para trás.

As lágrimas, que já eram muitas, aumentariam.

-Mas que droga- eu disse sozinha. Como pude esquecer que Angela ia viajar com a família dela? Ela ficou me enchendo o saco por dias... Agora estou aqui, de noite no meio de uma rua deserta, sem ter onde ir. Acho que terei que dormir na

praça.

Sentei-me em um hidrante e suspirei. Será que o Pandemônio estaria aberto?

De qualquer forma, duvido que conseguirei dormir lá dentro. Me arrependi

rapidamente por ter fugido de casa.

Tentava não olhar para as ruas noturnas, para não ficar com mais medo do que

já estava. Relaxe, você agora é uma gótica, um ser da noite. Não há nada com que se preocupar...

Ou há!

-Ah, meleca- eu disse alto, quando vi pessoas se aproximando. Três homens. Eles gritavam, brigavam e pareciam estar bêbados. E o pior: me viram.

Comecei a andar, fingindo não estar notando. Eles me seguiram. Caramba!

Quanta sorte. Apertei o passo, e eles imitaram. Eu estava em uma área que eu não

conhecia, então eu só entrava no primeiro buraco que eu via.

Fazendo isso, achei um beco sem saída.

Ok, agora estou ferrada. Os três dementes se aproximaram, rindo de mim e

assobiando.

-Não cheguem perto, ou então...-tentei ameaçar, mas não convencia. Eu estava tremendo. Lembrei-me do spray de pimenta que eu tinha. Mexi para pegar, mas lembrei: com a bagunça que estava minhas malas, eu nunca acharia o frasco.

-Não se assuste, vamos só brincar um pouco...

Eles estavam quase colados em mim. O que parecia ser o chefe do bando

agarrou minha mão.

-Me solte!Socooorro!!!!

Bem, alguém me socorreu. A cabeça do mané foi acertada em cheio com algo

que voou da entrada do beco. Este desmaiou na hora. Qual foi minha surpresa ao ver que o que o acertara era uma guitarra. Não uma simples guitarra... Eu já vi este modelo antes...

Sim, eu á vi! É a guitarra do Shinobu!

Olhei ao longe para conferir que eu não estava maluca. Lá estava ele, lindo como sempre. Shinobu e toda a The Dead Generation.

Os dois bêbados restantes avançaram no grupo. Gritei por "Cuidado!", mas

não era necessário. Fechei os olhos com medo da cena. Quando os abri, meus

atacantes já estavam desmaiados, e Raka se divertia pulando na barriga de um como se fosse uma cama elástica. Shinobu caminhava até mim, sua feição preocupada.

-Você está bem? Se machucou?

Não consegui responder. As várias emoções me fizeram chorar de novo.

Shinobu me abraçou, e ficamos ali por um tempo, o único som eram os risos de Raka.

Após a confusão, Shinobu se ofereceu a levar-me a sua casa. Sem pensar uma vez, aceitei. Os outros membros da banda foram embora de carro, dizendo estarem ocupados.

Eu e Shinobu não nos falamos durante todo o percurso. Sua casa era perto; em cinco minutos chegamos em sua casa.

-Não repare na bagunça, ok?-ele me pediu. Bem, era difícil não reparar. Sua casa era apenas quarto, cozinha a banheiro, e seu quarto se resumia em várias roupas jogadas no chão. Havia uma prateleira cheia de animes e mangás, desenhos japoneses. Muitos CDs de bandas que apareciam como "inspirações" quando eu pesquisava a banda dele. Três guitarras diferentes estavam penduradas na parede. Ele não tinha cama, e sim um futon, espécie de colchão que os japoneses usam. Sim, ele amava o país.

-Sente-se- ele me apontou uma almofada no chão em frente á mesa de

madeira. Ele sentou do outro lado. Shinobu estava bem diferente do que ele era no palco. Seu cabelo estava bem bagunçado, e ele vestia uma camiseta de moletom com escrita "Rock 'n' Roll". Bem aconchegado, eu pensei e ri mentalmente.

-Ah, aqui está seu lenço...- eu lembrei, e comecei a procurá-lo na floresta em minha mala. Não achei, e ele riu.

-Fique com você, eu tenho vários.É um presente.

Ele é realmente legal. Parecia um pouco malvado no palco, mas ele parecia bem gentil

-Obrigada por me salvar...

-Você não deveria andar por essas bandas tão tarde. Têm muitos pervertidos.

E, além disso, garotas lindas como você chamam a atenção.

Linda?! Senti meu rosto corar na hora. Ele se divertia com a minha vergonha. Bem, ninguém nunca me chamou assim.

-Bem, eu não tinha lugar para ir... Minha amiga viajou e eu....fugi de casa.-

Abaixei minha cabeça

-Hummm... Porque? Crise de rebeldia?

-Meus pais são uns trouxas, isso sim!- eu gritei com raiva. Ele gargalhou.

-Bem, quase todos são, mas prossiga.

-Eles são religiosos... Não aprovam minha amizade com Angela por que ela é gótica. Acham que ela é um demônio.

Ele riu de novo.

-Aquela garota que sempre vai nos nossos shows? O Raka a adora.

Se ela ouvir isso, vai surtar.

-Bem, aquele dia eu fui escondida no show... E hoje de manhã, meus pais

viram seu lenço.

-Você brigou com eles por causa dele? Desculpe, não sabia que ia te causar problemas...- ele se desculpou com cara de preocupado.

-Não se preocupa, não é culpa sua!! De qualquer forma, eu não agüentava mais, então me vesti assim- levantei-me para ele ver minha fantasia. Ele riu

novamente.- Bem, meu plano era que ao eu ameaçar fugir, eles me parassem e

tentassem me respeitar, mas...

-Eles gostaram da idéia?- ele adivinhou.

-Sim...- falei, derrotada.- Você também tem problemas com seus pais?

-Meus pais já estão mortos.- ele disse friamente. Me senti péssima.

-Me desculpe, eu não sabia..

-Não se preocupe. Eu nunca conheci eles, então eu não sinto saudades. Eles me jogaram em um orfanato assim que eu nasci. Quando eu tinha uns oito anos, fugi daquele inferno.- ele falava tranquilamente, como se sua vida não fosse triste.- Então eu comecei a procurar os malditos, e quando achei, estavam no necrotério. Eram traficantes, e acabaram se ferrando.

Eu nem sabia o que dizer.

-Você não se sentiu sozinho?

-Não.- ele riu, gostando da nostalgia.- Nessa época eu encontrei Raka. ele tinha fugido de casa após agüentar muitos anos de violência. Tudo que ele tinha levado de casa foi a sua guitarra. Começamos então a tocar e cantar... E achamos Akai e Sora. Eles também estavam na rua, mas a situação deles era pior. Eles eram garotos de programa. Dormiam com quem aparecesse só para ganhar uns trocados.- enfim, ele pareceu triste.- Mas com suas economias eles compraram uma bateria velha e um baixo meio quebrado. E alugavam um quarto, onde todos nós nos alojávamos, e trabalhávamos vendendo de tudo na rua para pagar os gastos. Começamos então a tocar. Akai na bateria, Sora no baixo, Raka nos vocais e eu na guitarra... O resto você já sabe - ele piscou para mim, feliz.

-Vocês realmente tocam muito. É a primeira banda de rock que eu gostei.

-Você sabe o que quer dizer "The Dead Generation"?- ele perguntou.

-"A Geração Morta"... não é?- eu disse a tradução, mas nunca tinha pensado no significado.

-Exato. Uma geração morta, onde pais abandonam os filhos ou batem neles.

Uma geração onde crianças são garotos de programa. Uma geração onde os pais tem

preconceito contra os góticos. Uma geração morta, sem significado... E que todos da banda e você experimentaram. Foi daí que surgiu nosso nome.

Realmente, eu nunca achei que fosse algo tão profundo. Fiquei calada,

refletindo. Shinobu, se aproveitando de minha distração, se aproximou e me abraçou. Do jeito que eu estava, não fiquei envergonhada. Tudo o que eu precisava agora era de

calor humano.

-Porque você não fica aqui?- ele perguntou.

-Está falando sério?

Sua resposta foi incrível. ele simplesmente me beijou sem nenhum aviso. Foi uma explosão de sensações, foi tão maravilhoso... Quando ele parou, riu de minha cara, que deveria estar realmente engraçada.

-Que cara é essa? É só um beijo.

-Bem... É que foi o meu primeiro...- eu confessei, sem jeito.

-Sério? Me desculpe, devia ter te perguntado...- ele também ficou sem jeito.

-Você deve beijar todas as suas fãs, não é?- acusei

-Não mesmo, eu não sou como o Raka- ele riu.- Mas quando vi você no show, gamei a primeira vista...

Caramba, ele falava isso sem ter vergonha. Como pensei, minha cara no show devia mostrar o quanto eu babava por ele. notando que eu estava petrificada, ele deu um empurrãozinho.

-E, pelo jeito que você me olhava, você também gostou de mim, né?- NA

LATA!!!

-Sim,- respondi, corando como um pimentão e escondendo meu rosto. Ele

gargalhou.

-Você sabe tocar guitarra?

-Heeim?- o que isso tem a ver?-Claro que não.

-Bem, então vamos ter muito tempo para eu te ensinar.- ele explicou.- Você vai ficar aqui, não é?

Ele já estava se gabando por eu cair na dele.

-Sim, vou ficar.- eu disse, perdendo a vergonha.- Você precisa de uma mulher para limpar essa bagunça. Mas eu sou uma moça direita, e não "fico" com ninguém. Sabe do que eu falo, não é?

Ele entendeu.

-Tudo bem, tudo bem...Senhorita Jade, aceita namorar comigo?

Eu ri do modo que ele falou.

-Sim. Com toda a certeza!

E nós dois rimos. Ficamos então a noite inteira acordados. Conversando.

Rindo.

E nos beijando.

Ás vezes, é bom compartilhar um pouco de carinho.

RA(in)
Enviado por RA(in) em 19/02/2011
Código do texto: T2802241
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