O outro lado - Parte IV - O amanhecer

O outro lado – parte IV – O amanhecer.

Para entender sem a III parte, que está perdida numa forte correnteza da minha memória marítima.

Aquele começo de noite me atordoou, escurecendo, tudo se tornou quente, como se o asfalto tivesse começado a sentir dificuldade de perder o calor que ganhara no dia de sol que se passara, retardou meus pensamentos, multiplicou minhas emoções; a madrugada veio como uma onda enfurecida que devastou tudo que viu dentro de mim, trazendo monstros sem meu consentimento, jogando-me numa circunstância em que eu teria que aprender a nadar sozinha e rápido, redemoinhos se formaram sobre minha razão, e trovões e relâmpagos confundiram com minhas emoções.

Primeiro, lutei para esquecer e apagar a madrugada tortuosa. Depois, lutei contra mim: para mantê-la viva, para mantê-la acesa e ardendo. Lutei para esquecer novamente. E lutei para me reconstruir da devastação, pentear os cabelos bagunçados pelas ondas e areias, e tirar o sal do corpo arranhado. Então percebi que apenas precisava mantê-la apenas presente na mente, e lutei para isso, para que o procedimento de primeiros socorros não fosse esquecido. Torturei-me por ter torturado e sofri meu castigo como reação própria.

Voltei a caçar os passos que se iam já longe, os quais eu voltava a enxergar aos poucos...

- O Amanhecer

Ia amanhecendo lentamente, como se o sol sentisse preguiça em iluminar aquela noite de escuridão feroz...

O cheiro de chuva no ar, uma neblina cobria fracamente as ruas, eu já ia deixando a praia, as ondas e a areia marcada por mãos de construtor desesperado e pés de passos perdidos, e os castelos de areia destruídos pelas ondas.

O céu, timidamente sobre o cinza, lançava seus tons de azul com a ajuda da foto eu via e revia. Fotos são incríveis ferramentas de recordações de momentos. E os carros que há muito deixaram as ruas, voltavam também...

O garoto que tentava remodelar na areia castelos que foram construídos no passado já desistira, e então corria para esfriar a cabeça quente da praia, corria da praia, corria do mundo, corria de mim, corria da vida, cobria o passado com latinhas, com fogo, com cinzas, com esquecimento. O garoto que eu reencontrava após ter me deixado caída sobre o asfalto num pedido desesperado meu. Eu precisava aprender a nadar, a andar, a viver, a respirar, ater fôlego nas descidas de montanhas russas...

O garoto que meus pés - descalços e cansados da madrugada e dos monstros, cansados da vida de um par, saudades da vida de dois pares para se aquecerem - alcançava aos poucos...

Ao me ver, com um caderno novo na mão e não na mala, ele sorriu com dificuldade de dentro da muralha que se encontrava, que se colocara. Segurei o choro, senti dor na garganta ao vê-lo ali, senti culpa, e lutei contra mim, senti culpa e refleti mais um milhão de vezes para perceber que o homem da minha vida, o homem que eu amo estava ali, também descalço e cansado.

E entramos a estação do trem. Sentei, estava cansada. Sorri mostrando que as feridas na cabeça se curavam aos poucos. Os pés foram se auto massageando pela textura do chão da plataforma.

Aquele sorriso. Aqueles olhos claros. Aquela pele. Aquele rosto há tanto tempo já conhecido, um desconhecido. Aquele cheiro. Aquela aparência forte de homem decidido e frágil de menino apaixonado. Aquele homem é o meu vício. Eu percebi então que a manhã chegava com calma, e aos poucos a neblina se desfazia a abrir um sol fresco de dia pós chuva.

Eu me rendo. Levantei as mãos sobre a cabeça, não estava armada. Joguei o caderno ao chão, atirei a mala para o alto, as dores todas carregadas no peito. E me rendi. Desisto! - eu disse.

Proteja-me da solidão! E dê-me a paz que só consigo sentir quando estou com você.

Eu te amo.

Eu já sabia que aprenderia a nadar tão bem.

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[Se existe alguém ainda interessado em saber das outras duas partes, boa sorte ao procurá-las, tente em 2008. Se ainda assim não encontrá-las e quiser muito ler, mande um sinal de fumaça que eu mando em uma garrafa.

A terceira? A garrafa se perdeu mesmo no mar e eu não quero lembrar da intensidade e quantidade de sentimentos que nela estavam contidos.

Esse conto faz parte de uma promessa minha para comigo, a outra parte da promessa que não era comigo poderá um dia ser cumprida, caso eu um dia tenha dinheiro para desperdiçar no lançamento de um livro egoísta com todos os meus pensamentos tolos de menina e minha poesia de "quinta série". Até lá, aguardem, monstros.

(Assim já respondo um dos comentários que recebi, obrigada por lerem, mesmo sem entenderem metade.)

Sabrina Araujo Vieira - 26/01/2011]

Sabrina Vieira
Enviado por Sabrina Vieira em 07/03/2011
Reeditado em 28/09/2012
Código do texto: T2832736
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