Díspares Amantes

Dez antes do momento atual, houve um encontro, uma troca de olhares, um leve roçar de mãos, um frio na barriga sempre que se viam, uma paixão louca que os incendiou de tal forma que nada mais valia a pena quando os dois não estavam juntos, uma aproximação imperativa que os forçou a loucos e incessantes encontros amorosos, noites de lúxuria, abraços apertados e beijos molhados e suculentos.

Naqueles dias eles pensavam que nada iria os separar, que o tempo havia parado para ambos, que a paixão estaria sempre presente em seus encontros. Estavam tomados por um tal romantismo que os tornava bobos para seus amigos e familiares. Para ele, tudo era ela. Para ela, nada tinha sentido sem ele.

Quando se conheceram ela era noiva. Mas isso não impediu que a paixão os tomasse por completo. Tornaram-se amantes efusivos durante muito tempo.

Mas o tempo... A vida... Tantas coisas se interpuseram entre ambos. Amigos, trabalhos, equívocos, pequenos desentendimentos, o noivado dela. Enfim, a vida os separou. Seguiram seus caminhos, tomaram rumos diferentes, conheceram outras pessoas, viveram outros romances e pequenas aventuras amorosas. Casaram, ele teve um filho, separam-se, casaram novamente, envelheceram.

O momento atual:

O casal discute a relação em um quarto de motel. Os corpos ainda estão suados, marcados pelos abraços, beijos, mordidas do outro; marcas do sexo há pouco feito. Ela pensa, antes de falar qualquer coisa, que aquele homem deitado ao seu lado lhe toca como ninguém jamais lhe tocou, que lhe faz gozar de forma que nenhum homem jamais vez. Ele a olha de soslaio, vê que o corpo da amante aos poucos envelhece, perde o viço, mas ainda é atraente. Sente em seu corpo o cheiro da amante, e pensa o quanto aquele cheiro lhe inebria.

Ela fala: “Parece que foi ontem que nos conhecemos. Não acredito que já faz dez anos! Por onde você andou esse tempo todo?”.

Ele pensa, enquanto ela fala, em como ela mudou pouco, como seu sorriso, seu cheiro, seus cabelos, tudo continua como há dez anos. Como ela continua linda. Pensa na improbabilidade de encontrá-la novamente e quando, nos anos que os separaram, imaginou este reencontro, tentou reviver os momentos que estiveram juntos.

Ela interrompeu o pensamento dele, com uma acusação: “Você só me quer para sexo! Você pensa que sou seu objeto, que existo apenas para lhe proporcionar prazer?”

Ele ignora estas indagações e continua pensando o que o liga a esta mulher, porque ela o incedeia com seu cheiro e seus beijos?

“Eu quero muito mais com você!” Ela exclama. “Quero ir ao shopping com você, ao cinema, à praia... Apresentá-lo a meus amigos e minhas amigas como meu namorado, o homem que me faz feliz, que me faz gozar. Não quero esconder mais de ninguém o quanto é bom estar com você”.

Ele olha para o relógio, verifica que a esta hora sua esposa já chegou do trabalho, seu filho já deve estar se preparando para dormir. Lembra que havia prometido ao garoto que iria ler uma história em quadrinhos junto com ele, antes de dormir.

Ela insiste: “Acho melhor não nos vermos mais. Estou ficando louca. Não sei o que temos, o que é isso. Às vezes penso que sou comprometida com você. Mas que compromisso? Você já deixou claro diversas vezes que estamos em momentos diferentes. Eu quero ser feliz por completo. Quero me abrir para uma relação de verdade, quero viver uma vida em comum, ter filhos, quem sabe?”

Ele se pergunta como se meteu nesta cama de novo. Lembra quando casualmente reencontrou a antiga amante e do quando este reencontro mexeu com ele. Voltaram as mesmas sensações do passado, voltaram o imperativo do cheiro e do toque da amante. E de repente, viu-se envolvido novamente, passaram a se encontrar semanalmente, voltaram as intimidades sexuais do passado, com força, com tesão.

Ela se cala.

Ele se levanta, vai ao banheiro, toma banho, veste suas roupas, em silêncio constante.

Ela sentencia: “Acho melhor não nos vermos mais. Isto me faz mal. Eu quero mais, quero você por completo. Ou quero uma relação por completo. Não me procure mais, por favor...”

Ele se pergunta por que tudo é tão complicado. Lembra que no passado, quando se conheceram, ela era noiva, e mantiveram uma relação “clandestina” durante alguns anos, pois ela não só manteve-se noiva, mas chegou a morar com o noivo por algum tempo, mas não deixaram de se encontrar nunca. Até que cada um seguiu seu rumo. Ele agora estava casado, tinha um filho. Ela separada, ainda não tinha sido mãe.

Depois de abotoar sua camisa, ele lhe diz: “Eu sabia que isto ia acontecer. Mais cedo ou mais tarde, este momento chegaria. Eu já havia lhe dito que meu momento era outro. Mas não pude me afastar de você. Não tenho direito algum de lhe pedir qualquer coisa. Desejo que você de fato se realize como pessoa, como mulher. Lamento nunca nos encontrarmos na mesma sintonia.”

Deixam o motel no carro dele. Já próximo da casa dela, despedem-se. Ela lhe olha, não consegue conter as lágrimas que escorrem de seus olhos. Acaricia sua face. Ele lhe pede desculpas, mas não sabe exatamente de quê. Ela lhe dá um beijo na testa, sai do carro sem dizer palavras e segue em direção a sua casa. Ele lhe olha, também de seus olhos duas lágrimas escorrem pela face. Vê a antiga amante se distanciar, chegando ao prédio em que mora. Ele dá partida no carro, acelera. Está atrasado. Tentará chegar em casa ainda antes de seu filho dormir.

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 06/04/2011
Reeditado em 12/05/2011
Código do texto: T2892671
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