Criança e Canela

A bandeja em suas mãos exalava um aroma de canela e manteiga. Seguindo pelo corredor podia ver a fumaça do chá subindo e ondulando pelo ar e da janela logo a frente uma garoa fina escorria pelo vidro em um céu pálido e cinzento cheirando terra molhada. As árvores em um verde vívido se destacavam como borrões balançando vez em quando numa ameaça de temporal.

As portas de madeira crua guardavam um corpo esbelto e muito claro, coberto por uma fina pele de algodão retorcido e longos fios escuros e revoltos.

Ele se adiantou cuidando para não derramar o chá até a cama e deixou-se admirar a dama ali adormecida, as pálpebras pareciam feitas de mimos e a boca entreaberta como se tomasse o ar e liberasse paz de seus traços, isso explicaria a insana dificuldade de respirar diante daquela beleza humilde, daquele sono plácido, tão leve que nem seria surpresa se ela levitasse da cama, suavemente perfeita, perfeitamente doce.

Tão doce que a ânsia de provar seus lábios era irreprimível, colocou a bandeja sobre um canto mais afastado da cama inconsciente e sem deixar, nem por um segundo, de observar as porções alvas de pele descoberta, facilmente confundiveis com os lençóis brancos. Uma tentação serena ao toque, tão acessível que era quase grosseiro controlar a cobiça dos dedos que pouco a pouco se aproximavam numa inocência duvidosa, de charme sem resistência. A ponta de seus dedos, tão rudes perto daquela superfície macia, encontrou o ombro nú, mas envolto às mechas desordenadas e com cheiro de criança. Foi viajando por entre os fios com destino a um rosto delicado.

As maçãs coradas estavam amassadas sobre o travesseiro, lembrando o sono de pequenos anjos e a sutileza dos cílios fechados além das pálpebras com dobras pequenas, com tanta candura que o fazia sentir-se perverso por ferir toda aquela inocência como na noite anterior, mas ainda assim, saber que aquele anjo havia lhe escolhido era de um encanto supremo. Amava acordar e tê-la ao seu lado, sendo a paixão a primeira visão de ambos. Só trocaria isso por um olhar breve e ansioso pelo calor dos lábios unidos.

Agachou-se ao lado da cama e como que hipnotizado pela flor estendida na cama foi aproximando seus lábios daquele rosado frágil e ao sentir que poderia viver a eternidade admirando aquela boca, os olhos dela, antes serenamente fechados, abriram-se meio confusos e castanhos e sua boca esboçou um sorriso com sabor de sol nascente, antes de imortalizar o doce encanto em suas memórias.

Thaina Chamelet
Enviado por Thaina Chamelet em 15/04/2011
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