Um conto por Mabel - Parte II

Meus sentimentos conflitantes naquele momento oscilaram entre o medo e a excitação. A névoa encobria parcialmente a visão do coche e entre o momento em que Estevam pulou a grade serrada e estendeu a sua mão para mim, pude rever em flashes aquilo que mais me assolou durante todos os meus 18 anos, a minha solidão. Estendi a minha mão com um sorriso no rosto, eu o amava e o seguiria, ele me mostrou um novo caminho e me resgatou da minha morte.

14 de fevereiro de 1.852

Meus olhos revezavam entre olhar o bordado que eu fazia e o portão em que ele haveria de passar, espetei meus dedos um sem número de vezes, até que finalmente, não suportando mais a espera o abandonei para andar de um lado para o outro em meu aposento austero.

Eu não possuía grandes expectativas, o simples fato de poder vê-lo de longe já seria um acalento para o meu coração, desde o dia fatídico em que fora constatada a minha doença não tive muita companhia, até meus pais mantinham uma distância segura para não serem eles também infectados por mim. Minhas únicas companhias eram os pássaros que faziam ninho próximo à minha janela.

Desde meus 7 anos sonhei com o dia em que voltaria a correr com liberdade nos jardins de minha casa e quando me via solitária até onde não se pode suportar, desejava que a morte viesse me buscar e me levar para o paraíso, como uma vez me dissera o Frei Henrique. E quando finalmente dia após dia via-me mais forte, uma luz de esperança me incendiava o coração clamando pela liberdade para correr o mundo ver a primavera, o mar, as montanhas e as tão belas paisagens aclamadas pelos livros que eu lia.

Mas então o dia de minha liberdade transformou-se em um novo sepultamento. Muitos vieram de longe me ver e contemplar com os próprios olhos a menina que sobrevivera à peste cinzenta. Fui considerada milagrosa e todos dirigiam a palavra ao meu pai com o temor de cometerem alguma heresia, contemplavam-me com o canto dos olhos e não sustentavam o meu olhar. Via-me mais uma vez solitária.

Mas naquele dia, um garoto como eu olhara em meus olhos e me cumprimentara como um cavalheiro. Era um dia de San Valentin onde todos se reuniram em minha casa para comemorar o dia da minha recuperação oficial. Com os músicos tocando alto e alguns adultos dançando ele me estendeu a mão me convidando a dançar. Tão logo ele fizera isso, sua mãe o levara para longe. Naquela noite nossos olhos constantemente voltaram a se procurar. Aquele jovem ficara guardado no meu coração junto com a marca do seu sorriso.

Então depois daquele acontecimento eu nunca mais tornara a vê-lo, mas guardei aquele dia como um tesouro em meu calendário.

Assim não era de menos se esperar que quando ao vê-lo, não me segurasse e uma mescla de curiosidade, de espanto e emoções mil me levassem a aproximar-me e deixar que nossos olhos se encontrassem ao menos mais uma vez. Nossos caminhos novamente se cruzavam e ele novamente não teve medo de olhar-me nos olhos.

Alanis de Louvain
Enviado por Alanis de Louvain em 19/04/2011
Reeditado em 12/03/2013
Código do texto: T2917941
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