Boca de café

Então eu cheguei cedo demais onde combinamos. É melhor assim, tento me conformar. Vou visualizando o ambiente -procurando possíveis saídas de emergências-, as pessoas -quais seriam gentis e me ajudariam-, os garçons -qual teria no bolso da camiseta uma arma ou droga ou chaves de carros-. Pedi uma cerveja, bebida gelada e amarga, combinava também com o meu humor as unhas pretas.

Depois de alguns goles rápidos e torturantes, a fumaça do cigarro cortando minha garganta eu vejo no fim da rua, ela, a minha companhia. Também trajava luto e, ironicamente, estávamos em nossos melhores momentos. Nunca havíamos vendido tantas ações, mas a parte que queríamos estava destroçada.

Começou falando que não queria mais, não dava conta, era trabalho demais. Teria que ser forte e paciente se ainda quisesse a vida a dois, que merda- eu não sei se é isso o que eu quero. Olha o tanto de gente legal que surge agora, quando estou do seu lado. E eu te jurei fidelidade, mas eu não sei mais o que é isso. Eu não sei se eu sou de confiança. Olha o poço de dúvidas que virei. Minha conta bacária nas alturas e minha paz enterrada. Disse tudo- como um cuspe, não aguentava mais. Sobrecarregamento de emoções junto com um drama mexicano. Pedi tequila! A resposta não foi um sorriso, como eu esperava. E não parava de falar nunca.

Não sabia se eu tinha encontrado outras pessoas interessantes e se tinha aceitado convites. Porque sabia que eu iria sem pensar, que não sabia se confiaria em mim. Que eu tinha mudado, adotado outros hábitos que eram suspeitos para uma traição. Que quem trai muda. Pedi que se calasse! A resposta não foi nada mais que uma cara feia.

Quis calar sua boca num beijo, puxei seu rosto com cuidado mas com certa firmeza. Estávamos perto e aí se afastou de mim, dizendo que estava com a língua queimada de café.

Voltei ao meu lugar, disfarcei com uns papéis a decepção. Disse que iria ao banheiro e que seria coisa rápida. Eu já sabia que tinha uma outra porta que levava para a rua. E foi lá que eu decidi ficar até esfriar a cabeça.

A única pessoa que bebia café naquela casa era eu.

Mariana Matos
Enviado por Mariana Matos em 26/06/2011
Código do texto: T3058777
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