108 – IMAGINE...

A Bruxa morava no alto de um penhasco em uma empoeirada gruta habitada por aranhas que teciam imensas teias prateadas pelo teto afora e que no adentro do amanhecer refletiam a luz do sol em falsas cortinas de seda transformadas, no açoite da brisa matinal as cortinas bailavam e encantavam, neste encanto a Bruxa se levantava e caminhava até o beiral extremo do penhasco, sobre uma pedra saliente se sentava e se acomodava, por horas a fio num silêncio aterrador observava a extensa planície no fundo do vale colorindo em cores diversas o seu olhar já cansado do azul celeste imperioso.

Os seus cabelos longos e branquíssimos despenteadamente ao sabor do vento ululante esvoaçam, seu corpo ressequido e enrugado, encurvado, trôpega, da fronte destacava um olhar insinuante, meigo, firme que a tudo observava e em nada se prendia, imperturbável na paciência demente e de si quase esquecida, olhava para os lados numa vaga impressão de procura por algo perdido, mas não esquecido, o tempo perpetuava na sua lembrança um grande amor vivido e recordar é quase tudo o que lhe restara, e isto que é tão pouco é o bastante para o seu viver, sonhar e esperar, conversava sozinha, na sua mente uma imensa platéia atenciosamente a ouvia, ela pausadamente gesticulando e pra distância apontando se põe a relembrar de um grande amor que vivera e ele prometera que um dia voltaria para buscá-la, entre lágrimas e soluços ela repetia o juramento nunca desfeito que o esperaria pelo tempo que fosse afora, e esta era a sua maldição repetir por todos os dias aquela história que tanto a fez e ainda hoje a faz sofrer e derramar lágrimas turvas de saudades...

Das vezes ela se põe a cantar cantigas do tempo da sua mocidade, cigarra em tardes de verão chamando pelo seu amado, ao fim de cada canção ela se aplaude com a palma da sua mão molemente açoita o seu joelho que desentendido fica, quando das lembranças se cansava, quando seu cantar emudecia, a Bruxa se recolhia em sua gruta e se sentava em um tosco tear de madeira e com fios das teias das aranhas trabalhava no tecer um imenso xale que já consumira infindáveis dias seus de labor e que na certa consumirá outros tantos ainda para terminá-lo...

Só o vento a visitava, mas ultimamente passou a visitá-la uma estranha e persistente sensação que o vento não a visitava! A Bruxa foi ficando cada vez mais conturbada com aquela dúvida se o vento a visitava ou não a visitava, quanto mais conturbada ficava mais incessantemente repetia aquela sua velha e inesquecível história de amor, mais e mais ela cantava, tricotando saudades com a sua dor mais e mais ela tecia...

E o tempo foi passando até que num belo dia descoberto ela terminou o seu xale, exultante, cheia de si e de felicidades extremas do alto do penhasco gritava para abismo aos seus pés que finalmente ela tinha conseguido terminar sua obra de arte, profundezas impenetráveis ecoavam os seus gritos, e até pelos confins do firmamento estremeciam, e ela aloucadamente na insana gritaria alardeava o seu feito, e seu xale no alto do penhasco, bandeira da sua insanidade tremulava, quando de repente do nada surgiu uma imensa águia que num vôo rasante as garras afiadas cravou no xale e violentamente o arrancou de suas mãos e para o seu desespero pelas alturas o levou.

Voando em círculos a águia gritou:

- Findo é o seu tempo de tecer e esperar, um novo tempo se aproxima, é o tempo de amar, mas para vivenciar este novo tempo você precisa aprender a voar, acredite, o pensamento é a mais poderosa força do universo, tudo é fruto do pensamento, deseje com convicção voar que você voará, venha, não tenha medo da morte, salte para o abismo, se imagine voando, você conseguirá voar!!

Ela reconheceu que aquela voz era em muito parecidíssima com a voz do seu amado, mas olhando para o fundo do abismo vacilou, temeu pela sua fortuna, aos tropeços, amedrontada se refugiou pra dentro da gruta, mas a águia insistia...

- Salte, voe, acredite na força do seu pensamento, o universo inteiro é filho desta força, acredite, imagine, salte para a morte que encontrarás a vida!

Ela toda trêmula tartamudeava:

- Não saltarei! Sei que morrerei, nem estou acreditando que você seja o meu amor disfarçado em águia, a voz é muito parecida, mas pode ser um ente maldoso imitando e no intuído amontoando motivos para o meu suicídio!

– Meu amor, você é a dona do seu destino, imagine o nosso reencontro, imagine o quanto seremos felizes, salte, o nosso tempo é curtíssimo, veja que um círculo de fogo já está se abrindo no firmamento e por ele teremos que passar, é a porta de entrada para o mundo dos nossos sonhos! Esta vida é também um sonho de uma outra vida, e assim sucessivamente sonhos gerando vidas e vidas gerando sonhos.

– Meu amor o momento é este e se não saltar por muito mais tempo ficará presa na magia deste mundo nesta falsa felicidade insistindo e assim nós nos desencontraremos talvez para sempre!

A Bruxa que agora voltara para o beiral do abismo tremia hesitando, no seu íntimo em nada acreditando no que via e ouvia, pensava; talvez um sonho, um pesadelo o que estou vivenciando!

A águia desesperançando e num último alento se pos a cantar uma velha canção por eles conhecida, e o som da melodia foi varrendo todos os temores da Bruxa, então ela ousou e para o abismo se atirou, não mais se importando com a morte, na queda mirabolante seu corpo em rodopios foi se aproximando perigosamente do fundo rochoso do abismo, sem vacilar, calmamente ela desejou, se imaginou voando e voou, no começo um vôo desajeitado e desarrumado, mas logo ela elegantemente desfilou pelo céu e do medo desprovida mergulhou no circulo de fogo, seu corpo em chamas se consumindo e dor alguma sentia, mais solta, mais leve se sentiu, foi se transfigurando, renascendo, outra vez moça se fez, agora surpreendentemente ao seu lado aquele que um dia tanta amara e que ainda ama e que não foi em vão a sua espera.

- Meu amor! Assim como o ouro é purificado pelo fogo, nós também nos purificamos no merecimento conquistado, nas cinzas dos nossos corpos deixadas para trás deixamos também todas aquelas inutilidades que acorrentamos a nossas vidas, pesos inúteis que só feriam as almas nossas adentro.

Abraçados em um outro plano foram viver a vida que sempre imaginaram, venceram os seus medos derrotando um inimigo que carregavam dentro de si.

Compreender a vida ou a morte isto é não é tão difícil, são lados de uma mesma moeda, difícil mesmo é extrair desses lados a sua essência.

Para ser feliz é preciso primeiro desejar a felicidade, mas só desejar não basta é preciso imaginar de que maneira você quer ser feliz, então imagine já vivenciando esta felicidade e todo o universo virá em seu auxílio para que atinjas o seu objetivo...

Imagine...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 02/11/2011
Reeditado em 04/11/2011
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