O CONVITE

Fizemos silêncio durante algum tempo.

- Queres jantar hoje comigo e ir ao cinema? Amanhã é sábado, não tens de te levantar cedo.

Ela pensou um pouco e depois disse: - Mas eu nem sequer estou arranjada…

- Bem, não te convidei para ir ao Casino, pois não?

Ela sorriu – queres mesmo jantar comigo?

- E ir ao cinema, sim, neste momento o que mais quero é estar o máximo tempo possível contigo.

- Não faças isso, sabes que me estás a pressionar - e baixou os olhos para o chão.

- Eu gosto muito de ti e sou primário, não consigo disfarçar os meus sentimentos.

- Pois, mas fazes mal.

- Queres dizer que preferes pessoas dissimuladas?

- Eu não disse isso, mas gostava que fosses mais contido…

- Se eu disser que te amo, não estou a mentir, mas tu censuras-me por ser sincero. Então vou passar a ser mais frio…

- Sim, frio como um iceberg, para nos refrescarmos.

- Entristece-me esses teus chistes, estás sempre a desdenhar nos meus sentimentos.

- Queres que eu acredite que tu me amas, conhecendo-me apenas há dois, três meses e falando comigo só de vez em quando?

- Não conta só o falar, também o olhar é importante. O coração tem razões que a razão não conhece…

- Pois olha que tu tens um olhar bem intenso, às vezes até incomodativo.

- Tudo bem, vou passar a olhar-te menos, só de soslaio.

- Olha, agora está a amuar. Poor thing.

- Está bem, goza à vontade. Mas ainda não respondeste, queres ou não ir comigo ao cinema?

- Deixa-me pensar, daqui a pouco dou-te a resposta, pode ser?

Eu não lhe respondi e fizemos mais um silêncio. Olhávamos as pessoas que passavam, estudantes com os livros debaixo do braço que para ali tinham vindo estudar, ou então a terceira idade, que procurava naquele espaço um pouco de cultura sob a forma visual.

Por fim, perguntou: - Olha lá, porque não vamos antes amanhã, com os nossos amigos?

- Tudo bem, se te desagrada andar só comigo está bem, nada tenho a opor.

Ela olhou para mim mas não fez qualquer comentário.

Olhei para o relógio, eram dezoito horas.

- Então, que queres fazer?

- Bem, hoje cada um vai para sua casa, é o melhor.

- Não, tu vais, eu vou ficar na Baixa, não me apetece ir para casa, janto por aí e depois vou mesmo ao cinema.

- Está bem, vemo-nos amanhã?

- Não precisas de te despedir já, apanhamos o metro e depois eu desço no Rossio e tu continuas, pode ser? Amanhã combinaremos alguma coisa.

- Está bem. - Pegou na mala de mão, vi que tinha ficado decepcionada comigo.

Dirigimo-nos lentamente para a estação do metro, pensativos. Tal como os outros passageiros, mudámos de composição no Parque e depois apanhámos o comboio com destino à estação de Alvalade. Quando nos aproximámos da paragem do Rossio, reparei no estado de ansiedade dela, percebi que estava indecisa entre sair comigo ou continuar viagem.

Levantei-me do lugar em frente ao dela, também se levantou e prendeu-me o braço.

- Espera, vais mesmo ficar aqui?

- Vou, não quero ir para casa.

- Queres que eu fique contigo?

- É a coisa que mais quero, é que estejas sempre, sempre comigo.

Ela avançou para a plataforma, saindo da composição, eu dei alguns passos atrás dela. Então, segurei-lhe um braço, com delicadeza, ela virou-se para mim, tomei-lhe o rosto entre as mãos e os meus lábios colaram-se meigamente aos dela, num beijo que nunca vou esquecer. Ficámos ali, esquecidos, no meio da plataforma, enquanto as pessoas passavam ao lado, umas parando para apanhar uma composição, outros dirigindo-se para a saída, fitando-nos, curiosos.

Sem me afastar, pus o braço sobre si, ela encostou a cabeça ao meu ombro, caminhámos muito juntinhos, subindo até apanhar o ar fresco do entardecer.

Excerto de "Memórias de um pinga-amor" - livro meu, ainda no prelo.