O dia em que eu vi um anjo rindo

Quantas ruas nós temos que olhar pros dois lados antes de atravessar? Em quantos prédios ainda temos que entrar para encontrar um grande amor?

- Estou passando ai pra ver o computador, tá bom? Perguntou a menina apressada a caminho do prédio.

- Ok. Quando chegar manda uma mensagem que eu desço e abro.

Em que planta baixa você estará lendo jornal agora?

Em que apartamento estará dormindo agora?

- Demorou!

- Pois é, engarrafamento. Respondeu a menina ao passar pelo hall.

O hall era separado por uma mureta do estacionamento e, ao conversar, a menina deu-se conta de uma pessoa saindo de um carro que acabara de estacionar em frente à mureta, que a chamou atenção.

- Boa noite! Falou a mulher que saltara do carro.

- Boa noite! Respondeu a amiga.

- Boa noite. Respondeu a menina encantada.

Onde longe da minha rua?

Onde longe dos meus olhos?

Onde longe do meu coração?

- Eu não sei o que eu fiz naquele computador, não consigo acessar nada...

- Quem é ela? Interrompeu.

- Quê? Perguntou a amiga.

- A moça que deu boa noite lá embaixo.

- Ah! Fala mais baixo que ela ta atrás da gente.

A menina virou-se para vê-la.

- A lâmpada queimou, seu Antenor pediu pra eu dar um jeito. Falou a mulher para as duas meninas.

- Ah, sim. Essa lâmpada sempre queima.

- Pois é...

Como teu simples sorriso me fez tanto sorrir?

Como teus olhos escuros fez os meus escuros brilharem?

- Eu preciso falar com ela. Ela é tão linda!

- Lá vem você! Ela é professora, sabia?

- Já é algo em comum! Vou colocar um bilhete no carro dela!

- Ta louca, tem câmera e ela é a síndica, vai todo mundo saber que é você.

- Eu preciso fazer alguma coisa!

Em que parte?

Em que marte?

Que desastre!

Os dias corriam e aquele anjo tocava harpa para ela dormir. Tocava flauta para ela acordar e clarineta para ela sobreviver, quando passava todo dia pela porta do apartamento apenas para ver o carro preto estacionado.

Quantos bilhetes havia ensaiado. Quantos nenhum foram enviados.

Os dias passavam e a semana chegava ao fim.

“Pizza aqui em casa na sexta?” Perguntou a amiga da menina. “Mas é claro!”

Sexta feira

- Eu vou escrever um bilhete pra ela!

- E vai colocar aonde?

- No carro, oras!

- Tem câmera! (...) Por que não coloca na caixa do correio?

- É! Você sabe qual é o apartamento dela.

- 301.

“Não estou tão perto, pois não moro aqui. Também não estou tão longe. Estou próxima o bastante para saber que temos algo em comum, somos professoras. E isto foi mais um motivo que me levou a te admirar.

Beijos,

75937845.

Obs.: Desconsidere este bilhetinho se seu coração já tiver dona.”

- Coloquei na caixa.

- Bem, agora é só esperar.

- É...

- Tem que esperar a próxima conta de luz chegar pra ela abrir a caixa do correio!

- Você tinha que fazer uma graça!

Sábado. Domingo. Segunda. Onde longe estará você agora?

- Tenho que te contar!

- O que? O que foi?

- Recebi três ligações anônimas, mas eu não estava com o celular, não atendi!

- Ai, não acredito! Será que foi ela?

- Bem, se foi, ela não desconsiderou o bilhete, logo, ela não tem ninguém.

- É...Fica com esse celular na mão, ela vai ligar.

- Será? Três ligações perdidas. Você ligaria?

- Eu acho que sim.

Segunda. Terça. Em quais cinzas das horas você vai resolver me encontrar?

- Olha aqui! De novo a ligação anônima!

- Atende! Atende!

- Desligou.

- (...) Vai retornar.

- É...Será?

10:54. 11h. 12:30. 13h. 13:43.

- Nada?

- Não.

14h. 14:15. 14:45. 15:10 (...) 19h.

As horas. Ela estava perdida pelas horas em busca de um ser anacrônico e atemporal.

Chego a pensar que até os anjos as vezes gostam de brincar.

Todos têm seu lado sombrio.

Ela andava no caminho do tempo esperando que o tempo a trouxesse de volta.

Não trouxe.

- Eu a atenderia em qualquer hora em que me ligasse. Disse a menina esperançosa.

- Mas ela já te ligou. E você não a atendeu. Disse uma voz dentro da sua cabeça.

Fim.

Em que lâmpada quebrada vou te encontrar de novo?

Em que segunda, em que sexta?

Qual pizza eu tenho que pedir pra esbarrar com você na portaria?

Helena de Castro
Enviado por Helena de Castro em 03/07/2012
Reeditado em 16/07/2012
Código do texto: T3758852
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