O Sabiá e a Velha....



Na solidão da natureza isolada do mundo abarrotado de pessoas, sozinha a velha pilava os grãos de café...Oras, mas ela não gostava de café, pilava os grãos por mero costume, e o pó ofertava para viajantes que de quando em quando passavam...
O café roubava o sono e mais longa tornavam-se as noites escuras e vazias da velha senhora que sozinha ali vivia; e além do mais, café era bom de se provar ao lado de uma boa companhia.
Certo dia, quis aproveitar mais da noite, e então coou o pó e sorveu o negro e amargo liquido...Deixou um resto na caneca e pouco antes do sol nasce foi descansar. Algumas horas depois acordou, coçou os olhos e ouviu muito perto um sabiá cantando, abriu a janela e olhou para a mesinha posta na rústica varanda, viu surpresa um pequeno  sabiá batendo seu bico no fundo da caneca, bebendo o resto do café enquanto cantarolava feliz...Diante tal sinfonia a velha senhora não sentiu solidão, e costumeiramente passou a tomar durante a noite seu café e deixar na mesma mesinha um pequeno recipiente de barro com a bebida para o pequeno pássaro...
E assim foi por muito tempo, sábia e mulher tornaram-se amigos, bons companheiros e mais feliz a vida passou a ser...
Certo dia a senhora acordou e estranhou o silencio, o pássaro não veio, não ouve canto, e no outro dia a mesma coisa, e na outra semana, e no outro mês...E então se deu conta; seu amigo havia finalmente encontrado o fim certo de todo ser vivo...A impertinente morte.
Chorou, muitos dias se lamentou, não fez café, não cantou mais...

 Anos se passaram a velha senhora estava muito mais velha e cansada e o ensaio da morte já brilhava em seus tristes olhos.
Em um dia preguiçoso de sol bateu a sua porta um moço simples que carregava um bandolim, muito sorridente o rapaz pediu algo para comer e beber, mesmo desconfiada  a velha o convidou para entrar, deu-lhe um pedaço de pão e um copo de água fresca; sem jeito o rapaz a olhou e sorriu recusando a água:

- Não teria a senhora um gole de café?

O coração da mulher bateu triste, lembrou-se de seu amigo Sabiá, quis negar o pedido do rapaz, mas resolveu pilar um pouco de grãos, passou o café e serviu... Esfomeado o rapaz comeu o pão e em três goles grandes secou a caneca.
Sem dar tempo para que a mulher o mandasse embora ele foi sacando de seu instrumento e disse:

-Deixe-me retribuí-la...

Sorrindo se dirigiu a varanda, sentou-se no degrau velho de madeira que separava a casa do grande gramado verde, e sem pressa começou a tocar uma canção...


“Não esqueci teu amor
Tua alegria e tua dor...

Fui sabiá e cantei feliz
A vida no ar...
A alegria em ser pássaro e voar...

És tu todas as belezas do mundo...
És tu, amor, a mais linda flor
E contigo os campos se coloriram...
Foste sonho...foste estrela
Foste a saudade fagueira...
Iluminou os dias meus...

Hoje ainda sou pássaro
Que volta aos teus braços...
E sempre estarei ao teu lado...

Amada minha...
Tenha fé...
Muita fé....

Venho provar-te meu amar
depois de tanta saudade
Me apresentar....
O teu Sabiá se chama José...


Asas cresceram nas costas do rapaz, tal como o sol ele iluminou-se, em um espetáculo sobrenatural de cores tornou-se pássaro, sobrevoou a cabeça da emocionada senhora e partiu para o infinito azul do céu...
Por mero descuido, ou por conta de sua memória já tão afetada pela idade, a mulher deu-se conta de quem era o rapaz somente depois que ele se foi... O mesmo sabiá que a visitava, Era seu amado amor, cuja falta pintava seu coração de luto ainda depois de tantos anos, o amor não vivido que a fez escolher a solidão... Uma história que se perdia no passar do tempo.
José fora seu grande amor prometido, seu noivo, que a pobre mulher havia apenas visto uma vez.
 Muito jovem José havia ido estudar na cidade e antes de partir os familiares firmaram acordo de casamento, que foi brindado por uma fumegante xícara de café passado pela jovem noiva.
No entanto quis o destino que ele morresse antes de chegar para a tão esperada união... Seu cavalo se descontrolou em um trecho isolado da estrada, ele caiu da montaria, e a ultima coisa de que o rapaz se lembrou, foram os olhos da moça e o cheiro do café... Depois de um suspiro o ultimo som que ouviu, antes de fechar seus olhos, foi o canto tímido de um sabiá.


Depois deste dia, todas as tardes a senhora sentava-se na varanda e em homenagem ao seu amor cantava enquanto sorvia em seus enrugados lábios o liquido escuro e amargo, o néctar de seu amor...Não mais chorava de dor, e não mais sofria a solidão, sabia que a morte viria e que seu destino era ser pássaro e com seu amor desbravar toda a imensidão.



*Por um ano do falecimento de meu amado Esposo....
Um conto simples...Mas que expressa meu amor, minha esperança e minha saudade eterna....
José 14/09/1954...13/09/2011
Noah Aaron Thoreserc
Enviado por Noah Aaron Thoreserc em 13/09/2012
Reeditado em 13/09/2012
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