REDENÇÃO

A moto em alta velocidade cortando e vento, e seus cabelos contra seu rosto, era tudo o que ela tinha.

Fragmentos de memórias, pedaços, alguns pontos, e nada mais.

Quando você corre, quando você simplesmente corre, é impossível ver o quadro todo...

A estrada cortando a cidade e os prédios, prédios e prédios.

O barulho dos carros, um coral de buzinas, e outras vezes, algumas vozes desconhecidas.

De repente, o nada.

Agora só, e em casa, calmaria.

Redenção.

O corpo trêmulo, incerto, sem nenhum controle. A cena rica em detalhes, cores, mas tudo convergindo para um único ponto, os olhos mareados, ainda sem nenhuma lágrima.

Uma dor descomunal lhe atravessa o peito oco.

A gravidade densa, massacrando seus pulmões, o ar que deveria salvar agora é asfixiante, e ela abraça o chão da sala.

Quando a dor já se torna insuportável, ela evoca algumas palavras, uma tentativa desesperada, mas nada vêm. Como se fosse um ritual, cartada final, a última gota gelada de esperança: uma oração, repetida e ensaiada. Vazia mesmo, e nada...

Um grito afoito e sem vida, sai sonoro, mas ninguém ouve.

O mais pleno silêncio.

Um tudo.

E mesmo assim, o mais pleno silêncio...

Imensidão.

A visão turva, guiada pela claridade, um foco de luz, que entra da rua pela janela do quarto, e a noite segue seu curso natural. Pelo vidro, ela enxerga algumas poucas estrelas, e várias gotas da chuva que cai, muda, do lado de fora da casa.

No carpete, mais alguns pedaços de memória, espalhados, que colorem de cinza o chão da casa...

Um vazio.

O vazio...

Aquela lágrima esquecida floresce sozinha.

Um ato involuntário.

E agora: várias lágrimas, um jardim de tantas lágrimas... Violetas que florescem e escorrem pela face. A visão se perde: turva, molhada, escura e embaçada pela beleza do jardim. As cores morrem, e mesmo assim, permanece o violeta.

As lágrimas não param.

A salvação chega sob a forma de uma estátua, um sapinho verde fosco, que descansa na escrivania. Um peso de papel.

E, de repente, ela não está tão só.

A chuva que cai, lava a terra e encharca sua alma.

O sapinho sorridente continua mirando em seus olhos, rasos de lágrimas.

Não saber passa a ser uma opção, a mais provável alternativa.

Não saber... Apenas isso!

E mergulhada em sua profunda ignorância, ela se esquece de tudo, e por um instante, até de si mesma.

Livre, de si mesma.

Liberdade. Nunca vi palavra mais insegura...

Seu corpo ainda permanece lá, parado, em meio às flores, se dissolvendo em lágrimas, seu jardim.

Não será assim para sempre... Não será? Tanto faz...

É que hoje o dia foi diferente. É que hoje o dia foi angustiante, e ela se permitiu ser um pouco ela mesma.

Não precisamos ser fortes sempre.

Não precisamos...

Hoje ela só quis chorar um pouquinho, e logo-logo vai passar.

É que hoje, ela só quis chorar um pouquinho.

As horas passam. A chuva, forte, continua a molhar a terra. E o sono vem. Amanhã será um novo dia, ou não, ela não sabe. Hoje, ela se permitiu chorar e, por hora, isso é tudo.