A LEMBRANÇA FORTE DO AMOR!


Eu a acompanhei por muito tempo... só era visto e usado em casos especiais, como só uma família unida e feliz possui: momentos felizes, únicos e marcantes.
Era como um ritual: a programação era feita, organizada, o dia sendo marcado para o almoço com todos.
Era a família mais linda que já vi. E eu, fazia parte desse ritual!
Observava da prateleira antiga o movimento, a correria dos preparativos, as conversas entre as irmãs sobre tudo e todos, crianças correndo... gostava daquilo.
O ápice do ritual era o momento em que a matriarca da família abria a prateleira e retirava, com todo o cuidado, uma das riquezas mais preciosas : a louça completa que ganhara no casamento, peças únicas e frágeis mas que deixava a mesa simplesmente mágica.
Eu fazia parte disso tudo, junto com meus companheiros, pratos, pires, xícaras... éramos importantes.
As netas tinham que ter muito cuidado ao nos manusear, pois a riqueza da lembrança da vó estava ali, em suas mãos.... a pouca distância do chão.
Hoje lembrando, tenho a impressão que sentia até o suor do nervosismo em nosso delicado e frágil material das recordações.
Devo confessar que, na verdade, existia no ar um medo, receio, digamos que até um certo pavor.... já imaginou se, um dia, alguém nos quebrasse?
Não era bom nem imaginar, podia trazer energias negativas e o suor nervoso se fortalecer e fazer uma “ vítima de remorso”!
Por esses motivos, pensamentos e insegurança...
Nem gostavam da tarefa de lavar a louça... fugiam, não sei, por medo ou preguiça...
Após o ritual, a cozinha ficava digamos... um pouco vazia.... só os mais corajosos se aventuravam, por isso se revezavam na função.
E eu, fazia parte de tudo, era divertido. Eu era, até pouco tempo, um lindo prato desta coleção mágica da vó.
A dona da louça contava com detalhes o dia de seu casamento, e, sobre os acontecidos nos dias posteriores ,onde a louça é, hoje, a única lembrança que restou dos presentes que ganhara na época.
Uma festa linda! Uma época maravilhosa. Foi tudo perfeito....por isso o ciúme e a importância da lembrança!
Eu fiz parte desta história sim....fiz,...pois hoje, só estou em seu pensamento. Quando acontece um novo ritual do almoço, já não faço parte...falta um prato...existe um vazio!
Um dia aconteceu....um barulho, um estrondo...as netas deram um pulo....correram para a cozinha de onde o som vinha, e se depararam com a vó juntando meus pedaços....lágrimas....
Era o prato do vô!
O triste vazio!
Mas a culpa não foi de uma das filhas e netas...
Não foi o suor do nervosismo...
Não foi a energia negativa....
Somente foi a lembrança forte de um amor, ou melhor, do seu amor!