Uma carta e algumas lembranças

Em um daqueles lindos e caros apartamentos em frente à praia, Lívia se encontrava sentada de mau jeito em sua cama lendo um romance clichê qualquer enquanto pensava mais uma vez durante aqueles dois meses que estava enrolando para terminar de ler tal livro em alguém que um dia fora muito importante. Na verdade, talvez ainda seja. Talvez nada tenha mudado realmente, talvez ela só estivesse se sentindo na obrigação de mostrar ao mundo que tinha superado e talvez realmente tivesse superado, mas ainda existia a possibilidade de isso não ser verdade.

Levantou da cama, deixou o livro de lado e pegou seu notebook. Abriu um software qualquer para digitar uma carta qualquer. Uma carta que talvez o destinatário nunca lesse, mas que precisava ser escrita.

“Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2014.

Quanto tempo faz Matt? Uns dois ou três anos? Sinto tanto a sua falta. Estou relutando ao te escrever essa carta. Você me conhece, sabe que nunca fui orgulhosa, mas sabe em que circunstâncias tudo aconteceu. Por um lado me sinto envergonhada, nunca disse isso a ninguém, mas você precisa saber. Sinto-me envergonhada porque dias antes de eu desistir de tudo, eu dizia que te amava e que iríamos começar algo juntos e, de repente e sem muitas explicações, abandonei todos os nossos planos. Mas não posso carregar a culpa desses dois ou três anos de mágoa sozinha, Matt. Você sabe que também tem uma parcela de culpa nisso tudo, não sabe? Não, desculpe, não estou escrevendo para te culpar de nada, é só que… Ah, eu sinto tanto a sua falta e queria tanto que toda essa mágoa se esvaísse.

Sabe, nesse tempo em que não nos falamos e acumulamos mágoa, raiva e ressentimento um do outro, não havia um dia sequer que eu não pensasse em você. Fosse por um livro que eu estivesse lendo, por um filme que eu estivesse assistindo. Às vezes até por uma simples coisa que eu via e logo pensava 'Ah, Matthew adoraria ver isso' ou também por às vezes soltar um 'Maldito seja você, Matt! Morra e melhore o mundo!'. Fosse por saudade ou acesso de raiva, fosse por amor ou ódio, eu sempre pensei em você. Sei que seu ego nesse momento está inflando por causa de tudo isso o que eu disse, mas nesse momento não me importo, só quero que leia e acredite. Quero que acredite que sinto falta das suas ligações no meio de alguma aula estúpida que o professor estava passando algum filme ou das suas ligações do trabalho onde você ficava insinuando que eu era uma preguiçosa que não fazia nada produtivo ou das nossas ligações de horas e conversas francas sobre assuntos que ninguém mais entenderia e falaria comigo. Sinto falta das suas críticas sobre os meus desenhos e textos, do incentivo que você me dava. Quer saber mesmo? (Ok, talvez você não queira mesmo saber, mas…) Sinto falta até das nossas discussões.

Eu tentei. Juro que tentei apagar você completamente da minha vida principalmente quando você queimou todas as coisas que eu julgava importantes, mas por um lado eu vejo que aquelas coisas não significavam realmente nada, o sentimento por trás delas sim, aquele sentimento era tudo pra mim. E pra você, Matt? Você acabou com todo o sentimento que dizia ter quando queimou aqueles símbolos do meu sentimento por você? Não consigo acreditar nisso da mesma forma que não consigo nos imaginar conversando sem a ironia e o sarcasmo presentes. Pessoas dizem que nunca viram um relacionamento com um mix tão intenso de amor e ódio, eu digo que nunca vi um relacionamento com tanta paciência, amor, amizade e sinceridade.

Nossa história nunca começou pra valer, Matthew. E nem mesmo teve um fim decente. Sinceramente acho que temos assuntos pendentes ainda. Pelo menos pra mim, ao mesmo tempo em que acho que não temos mais chances, não consigo não imaginar nós dois sorrindo num futuro, conversando, com as feridas já curadas, com as mágoas e o ressentimento já abandonados. O que você acha disso tudo? Faço-te tantas perguntas nessa carta e nem ao menos sei se você lerá. Parece-me muita humilhação, muita tolice te enviar isso. Consigo ver sua expressão de satisfação ao ler todas essas palavras e pensar 'Sabia que ela se renderia, ela sempre faz isso, sempre vem até a mim'. E eu estou cansada disso, sabe? Cansada de sempre ir atrás, de sempre ser totalmente sincera e clara, de sempre te amar incondicionalmente. Cansei de a nossa história não dar certo. Porque eu não posso ser feliz com meu verdadeiro amor, porra? Por quê? Sei que não estou num romance clichê babaca de Sparks, mas mesmo assim! Histórias assim acontecem, não acontecem? Porque não poderia acontecer com nós dois então? Um casal em potencial, melhores amigos, melhores do que qualquer outra pessoa em entender um ao outro… Ah, tanto faz. Acho melhor eu parar por aqui.

Mais uma vez, sinto sua falta.

Eu te… desejo felicidades.

Liv.”

Ela fechou o notebook, pegou um cigarro e foi até a varanda do apartamento observar o mar. Será que deveria enviar aquela carta à Matthew? Enquanto tentava acabar com suas dúvidas fumando um cigarro, ela não sabia, mas do outro lado da cidade em uma grande casa estava Matt sentado no chão do quarto remexendo em uma caixa de lembranças com fotos, camisas, CDs. Ele parou quando viu que a maioria das coisas ali presentes se tratavam de uma só pessoa: Lívia. Ingressos de cinema, fotos, uma camisa de uma banda qualquer que compraram só para estarem vestidos iguais, um CD/DVD de uma banda que gostavam, uma caixinha que ela havia enfeitado para dar a ele em um natal qualquer, um livro e as fotos de todas as outras coisas sendo queimadas. Por um momento sentiu uma enorme vontade de ligar para ela e dizer o quanto se arrependia e sentia a sua falta, mas não se sujeitaria a isso. Aquele era o papel dela e fim. Era orgulhoso demais para se sujeitar a tal coisa. Guardou tudo e ligou para alguma garota sem importância com quem passaria a noite decidido a esquecer aquela tolice, aquela “umazinha sem importância”.

De volta ao outro lado da cidade, de frente para a praia, em seu apartamento Lívia excluía o arquivo com tal carta. Seu namorado chegaria dali a uns trinta minutos e ela precisava se arrumar. “Esquecer o Matt idiota”, repetia para si mesma.

E assim os dois continuariam até muitos anos depois, onde Lívia morreria em um acidente de moto em uma de suas noites de depressão e bebedeira e Matthew morreria lentamente por ter entrado em depressão após saber da morte de seu grande amor. Culpa, raiva, solidão tomariam conta dele e ele se sentiria a pior pessoa do mundo e caminharia consciente para a morte, desejando-a mais do que tudo. Mas por enquanto isso era desconhecido aos dois porque se soubessem do futuro, teriam mudado muita coisa no presente.

Debora Santos
Enviado por Debora Santos em 21/11/2012
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