Coração para Maria

O coração foi arrancado de seu peito. Assim como folhas que caem das magníficas árvores indefesas, o punhado de sangue que escorria de sua mão grossa manchava o chão frio – na verdade o pintou de vermelho como em uma de suas obras de arte. Ele havia feito a arte de seu própria morte quando começou a sentir que não era mais possível viver. Não mais daquela forma. Pintava qualquer imagem, qualquer história incompreendida, qualquer desejo possessivo ou qualquer vida miserável, mas não era capaz de pintar um único quadro de sua emocionante vida, pois já esteve em muitos lugares. Era um viajante. Afinal, como podia um homem de mãos divinas à com a arte não traçar uma única pincelada de sua angústia? É claro que ele traçou. O quadro de madeira velha, transparente de sua morte, ainda está nos museus como as de artista desconhecido. Muitos dos poucos que conhecem a sua história vão lhe afirmar: “Homem sanguinário! Em nenhum momento aquele moribundo amou em vida... Artista doente!”. Mentira desgraçada, digo eu. Pois o que faria um homem que não amou arrancar o coração do próprio peito, apodrecendo sem ele? Não. Seu coração já bateu forte pela perdição dos homens, e é ai que o princípio do fim começa. Ele foi conhecido como um estranho qualquer, pobre homem, pobre sentimento morto...

"Estradas foram criadas, mas nenhuma que me de o caminho de seu coração, sonho com o sabor de seus lábios cada noite, muito embora nunca tenha tocado suas mãos. Sinto que estou morrendo por dentro, em silêncio não revelo minha angustia, e tampouco um sofrimento sem importância para você... Maria...Oh minha doce Maria... Tentando me libertar de seus feitiços me perco ainda mais, a cada dia. Recuso-me a revelar meus loucos sentimentos de desejo, obsessão, machucada a alma, enlouquece. Aclamado pela fúria sinto o demônio me abraçar com calma, ele sorri com a transparência que eu jamais tive, e com suas assas frias e negras me protege como Deus jamais o fez. Quem é o demônio agora? Tenta-me. Sinto-me amarado, deixado para morrer em um manicômio qualquer... Preso nas palavras raivosas e podres que me tentam cada vez mais, enquanto a única coisa que me mantêm vivo é a esperança de um dia ser seu."

Ele escreve pra ela e canta em seu nome como um sonhador, como se a conhecesse por anos. Ela, Maria, nunca o ouviu dizer uma única palavra, mudo – Pensava. Só se fosse de repreensão, trêmulo, esquiva-se das palavras e decide que não pode mais chorar. Seu medo o prendeu e o arrastou para dentro do oceano como uma âncora que segura um navio para não percorrer os mares. Um futuro navio naufragado. Pintava somente se a cada amanhecer visse o rosto belo e torturante da jovem que pouco sabia de sua amarga existência... Fraqueza sombria de olhos cegos. Diga-lhe uma palavra homem moribundo! Nada, nem sequer um sussurro, ou uma respiração mais grossa. Como continuaria sobrevivendo? Eram dias, noites, calado... Preso na própria coexistência infeliz, procurando outro sentimento vivo que dominasse aquele que o matava aos poucos. Até sua alma era muda.

“ Sem tocar-lhe viajo pelo seu corpo, percorro o oceano de seus olhos e desço as estradas rochosas de seus lábios... Nem ao menos conseguirei beijar-lhe. O veneno me atrai, penso em beber da saliva da cobra, ou dos pequenos tesouros brancos... Seria doloroso... Mas um pesadelo sem fim. Pois enquanto meu coração habitar esse manequim, não conseguirei descansar em paz sem antes lhe dizer que te dou minha fonte de vida.Cuide bem dele.”

O quadro velho de codinome “coração para Maria” está em qualquer lugar, em pobres galerias de arte do mundo. Ame agora coração apaixonado! O viajante julgado sentado com o próprio coração na mão e com uma âncora amarrada no pé direito simboliza hoje o lado cruel do sentimento que todos querem possuir. Uma tinta vermelha, uma pincelada grossa... Entre o olhar distante do pintor viajante, Maria nunca soube que ele estaria para sempre percorrendo seu corpo. Louco, insano, mudo, cruel, triste...

Assim como desejou, sem dor e no silêncio mais absoluto, morreu em paz.

CarolEscritora
Enviado por CarolEscritora em 18/12/2012
Código do texto: T4041258
Classificação de conteúdo: seguro