Raios de Sol

Sentei em uma pequena mesa, encostada nas paredes do fundo da taverna mão dourada.

Parcialmente coberto pelas sombras, chamei a garçonete com um gesto casual, pedi uma jarra de cerveja e um ensopado, que me disse ser a especialidade da casa.

Após ter sido devidamente servido entreguei uma moeda de prata para que ela garantisse que eu não fosse incomodado.

Me pus a observar o local.

Os móveis eram antigos todos frutos de diversas reformas, era possível perceber que o objeto mais novo daquele local era a colher em minhas mãos, as mesas eram cobertas com toalhas encardidas, o cheiro de fumaça impregnava o ar.

O palco estava na parede oposta a minha mesa, se é que poderiamos chamar aquilo de palco , mais parecia um poleiro, do que algo onde um artista decente se apresentaria.

Pelo mão dourada estar próxima estar próximo a docas pude observar todo o tipo de pessoas naquele lugar, marinheiros, prostitutas, vigaristas, as escórias da humanidade.

Pude perceber uma mulher de meia idade, com um vestido que mais mostrava seu corpo do que ocultava tentar se aproximar, foi rapidamente repelida pela garçonete.

De repente o silêncio se estabeleceu naquele buraco, não foi algo organizado mas de certa forma rápido.

Um jovem rapaz de aparência troncuda e desajeitada subiu, no puleiro, com um sorriso tímido nos lábios e os olhos demonstravam desespero.

Ensaiou algumas notas no seu alaúde . O silêncio enfim se estabeleceu.

A história que ele contou arrancou suspiros de muitas mulheres naquele salão, até as prostitutas se viram pensando no amor. Tentarei descrever o que ouvi naquele dia, porém afirmo que por mais que tenha esforçado não conseui chegar nem perto das palavras daquele garoto.

- Essa é a história de uma pessoa que soube o que era amar e ser amado, que se sentiu completa por muito tempo porém tudo nesta vida possui preço e as vezes ele é alto demais.

Raios de Sol, a cigana mais linda que o mundo já presenciou. Dizem que seus olhos eram mais belos que o desabrochar de rosas. Sua voz equiparava-se a sussurros celestiais.E o seu sorriso, ah! O seu sorriso seria impossível descrever com palavras.

Nasceu para viver livre, sem ser posse de homem algum.

Muitos por ela se apaixonaram e o que dela conseguiam foram apenas sorrisos e a desolação no peito que acompanhavam a sua partida.

Mas não me entendam mal esta dama nunca fez promessas de amor eterno, simplesmente amava demais a liberdade para traí-la.

Porém um dia ela se apaixonou, por um jovem que apesar de não ter a belea de sua amada, possuia o coração de um leão.

Inocentemente se apaixonaram e com a visão dos jovens, aquela que os levam a crer que podem mudar o mundo, se deixaram envolver.

No dia da sua partida o coração de Raios de Sol despedaçou, pois nunca poderia deixar a liberdade sem se matar por dentro.

Por isso fugiu, sem pestanejar, não poderia dizer adeus a seu amado, era muito difícil, impossível de se imaginar.

Correu até a beira de um rochedo e pode ver o mar.

Sua avó lhe dizer que não existia coisa melhor, que o mar para limpar mágoas e frustações do peito. E ali ficou por dias refletindo sobre os amores que degladiavam em seu peito.

Finalmente decidiu voltar, se tivesse que largar a liberdade pelo seu amor que assim fosse.

Encontrou seu amado, que havia organizado diversos grupos que estavam a seu encalço.

Viveram felizes por algum tempo, porém este momento sublime de se sentir completo não poderia ser eterno. Raios de Sol não era mulher submissa e de afazeres domésticos e aos poucos dias após dia morreu por dentro.

Em uma noite chuvosa encontrou o seu amado nos braços de outra mulher, sua fúria foi tanta que não conseguiu conte-la . Atacou ambos com raiva, arranhou, mordeu, socou, chutou. Ferindo os seriamente.

E fugiu, correu com um turbilhão de pensamentos confusos e destrutivos.

Chegou ao penhasco, sem percebeu correu para aquele lugar.se pôs a refletir. Estava condenada, uam cigana nunca sairia de um ataque a um homem da nobreza, tendo o traido ou não, para a sociedade ela estava errada.

A dor não passava, havia entregado a sua essência, aberto mão do seu maior amor e em troca havia recebido traição.

Lembrou - se das palavras de sua avó sobre o que o mar fazia, sem dúvidas no seu pensamento, não daria o prazer a aquele amor de encontra-la e machuca-la.

Se pôs de pé e com lágrimas nos olhos se entregou ao mar.

O rapaz chegou a tempo de ver a sua amada se atirar do penhasco, impotente a viu cair no mar e se pôs a chorar.

O silêncio pairou sobre a taverna, alguns choravam, outras se revoltavam contra o amor. Mas a ninguém a história atingiu tanto quanto a mim.

Me levantei enquanto o garoto começava outra história dessa vez mais alegre, sai coxeando pela noite, as cicatrizes ainda ardiam, porém a única ferida permanente ocorreu em minha alma.

Perdi tudo e me destrui por dentro, nada mais restou do coração de leão. A pior parte desses erros é assumir que a culpa sempre foi minha.

Quando voltei a mim estava mais uma vez na beira do penhasco em que a única mulher que um dia amei se matou.

Passei os ultimos anos pranteado a sua morte. Meu lembrei das palavras que um dia Raios de Sol havia me dito, não existe melhor remédio para dores na alma que o mar.

Olhei na beira do abismo onde as ondas que quebravam nas rochas e finalmente fui atrás da minha amada e por um momento a dor sumiu.

Não se esqueça de sonhar...

Marcelo Rebelo