VIDAS QUE SEGUEM

-Eu te desobrigo de tudo. Disse ela olhando para a seca do sertão, e as plantas secas e as carcaças dos animais secando ao sol de um verão interminável. -Vá buscar por tua vida que amor não enche barriga, não te quero nessa lida, buscano água longe no lombo de animal, nem comendo farinha seca com água pra enganar a fome, to seca e fraca que nem filho ei de te dar, há de encontra la pelo sul outra mulher que ame, e que possa lhe encher de fios, melhor que eu.

Ele não acreditava no que estava ouvindo, não entendia por que el estava falando essas coisas, desde que se conheceram ele jamais havia dado motivos para que ela duvidasse do amor que sentia, olhou-a nos olhos, viu as lágrimas descerem e escorrerem pelo rosto pálido, acompanhou-a com os olhos andar até um banquinho no canto da sala, de piso de chão batido sua beleza ainda era evidente apesar do corpo muito frágil pelos tempos da seca, seu coração encheu-se de ternura, pensou como ela ficaria bonita em outra vida no sul, caminhou até a janela, prostrou-se a observar o céu azul, e as nuvens voando de vários lados.

- Como posso eu querer outro amor Maria? Disse calmamente. - Como posso esquecer as manhãs que corremos pelo que um dia foi pasto verde e grama macia e fria sob nossos pés? Como posso esquecer que te amei quando te vi a primeira vez? E quando toquei na tua pele pela primeira vez? Como posso esquecer que te amo e que a coisa que mais quero é viver contigo por toda minha vida? Ensina isso para mim Maria. Ensina a não te querer, ensina a não sentir sua falta, a não sentir saudades dos teus olhos, de tua voz. Raimundo virou-se para Maria, os olhos cheio d'água, soluço no peito.

- Diz Maria como posso tirar de dentro de mim, minha própria vida? Melhor, ensina a viver sem vida!

Maria o olhava com tristeza, sabia que ele não desistiria, sabia que ele ficaria ali enquanto ela vivesse, queria que ele fosse embora e tentasse mudar de vida, e voltar um dia quem sabe se não conhecesse mesmo uma sulista por lá, se encantasse e casasse com ela, e ela lhe desse muitos fiotes como diziam, e ele feliz, jamais voltasse ao sertão. Ela morreria feliz se soubesse que ele era feliz, que vencera na vida e tinha uma família, isso bastava para que ela fosse feliz.

- Amor que nada Raimundo, o que queria de tu eu já tive, e tu de mim, vá se embora homem que não lhe amo, nunca amei, esquece esse negócio de amor, isso não leva ninguém a lugar nenhum!

Raimundo ficou petrificado ao ouvir as palavras da amada, e de forma bem fria, sentiu um nó na garganta, não acreditava que havia se enganado tanto com Maria.

- Mas Maria, deixa de tolice, isso não você, sei que ama, senti isso várias vezes quando nos prometemos um ao outro e...

- Tolice, já disse, segue teu caminho que vou seguir o meu!

Aquelas palavras pesaram toneladas, Raimundo deixou a casa de Maria cabisbaixo, com cada palavra ecoando em seus ouvidos, não percebeu que chegara a roça do Coronel Silvino, dono das poucas terras com capim verde e animais gordos pastando, dizem que o riacho passando no fundo de suas terras, era resultado o apoio politico que dera a seu sobrinho, diziam as más línguas que Teodorico, o sobrinho é que era o prefeito, mas o coronel é quem governava a cidade.

Entrou para a fazenda, o coronel o aguardava em pé debaixo da varanda, estranhou a chegada do funcionário, pela primeira vez desde que conheceu Maria, era a primeira vez que o via jururu.

- Eia cabra, que cara de enterro é essa? Perguntou o coronel.

-É nada coronel, venha cá me dê minhas contas.

- Que asneira é essa cabra. Perguntou o coronel assustado. - E sinhá Maria? Vais mesmo partir esse coração?

- Coração partido entendo mesmo do assunto, faça já minhas contas pois hoje mesmo o sul é meu destino!

Raimundo e a estrada, poeira alta levantava o pau de arara, dez dias e dez noites, e lá estava o sertanejo no Rio de Janeiro, por obra do destino, ou lágrimas do cupido, a chuva chegou com força depois do amor ter se perdido, Maria ainda vagou pelas ruas da cidade a procura de Raimundo, o amor a fizera mandar embora o grande amor de sua vida sabia da força de Raimundo, dos sonhos e quão nobre era o homem por quem batia seu coração dentro do peito.

Foi assim o fim do interminável verão, e inicio do tão aguardado outono, e os campos verdejaram, e as plantas floriram, e os pastos se encheram de animais, e avida voltou ao sertão.

E passaram invernos e entraram muitas primaveras, e Maria sempre ia a beira da estrada ver se o pu de arara trazia, alguém que havia mandado embora.

Soube por outros sertanejos que Raimundo trabalhava na construção civil, tinha namorado muitas cariocas, casou-se mas não teve filhos, e há algum tempo trás ficara solteiro.

Seu coração encheu-se de esperança com as noticias vindas do sul, um dia ouviu o brulho do caminhão, seu coração bateu mais forte, correu para a beira da estrada na esperança de estar no pau de arara o seu Raimundo, o homem que jamais deixara de amar, o caminhão parou em frente a casa dos pais de Raimundo, quatro homem desceram do pau de arara, em suas mãos puxavam um ataúde.

- Dona Rosinha, triste mas aqui trazemos Raimundinho, amargou té a morte, mas jamais deixou de falar na senhora, e em ti Mariazinha.

Renato Cajarana
Enviado por Renato Cajarana em 18/01/2013
Reeditado em 19/01/2013
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