Promessa de Amor

Tudo aconteceu no segundo dia de aula, pois eu havia faltado ao primeiro e continuava estudando na mesma escola, no mesmo bairro, na mesma cidade. Aquilo para mim era uma tortura, pois tudo que eu queria era de fato ir embora daquela cidade pequena, conhecer novos lugares, novas pessoas.

Mas isso estava longe de acontecer.

Vinícius, o único menino com quem eu gostava de conversar, de um dia para outro estava diferente. Cortara o cabelo loiro que eu tanto gostava de vê-los ao vento, quando estava solto. Seus olhos verdes que me encantavam já não possuíam o mesmo brilho, estavam tristes; o seu sorriso, que tanto afastava de mim a tristeza havia de repente desaparecido.

Não sabia o que estava acontecendo, ele não quis me contar, nem tampouco sentar junto a mim como fazia antigamente. Sai desolada rumo a uma pequena árvore que ficava nos fundos da escola. Sentei-me junto a um banquinho que existia embaixo dela e chorei copiosamente sem saber o porquê. Terminado o recreio voltei à sala e, por mais que eu tentasse disfarçar a tristeza, ela se fazia presente.

Algumas colegas chegaram a perguntar o que eu tinha, segundo elas, eu não parecia a mesma de antes, alegre, divertida, questionadora, amiga. Mas eu nada soube responder ou explicar o motivo daquela angústia. Disse apenas que era um mal-estar passageiro e que logo estaria bem.

Mentira, não passaria tão cedo.

Terminada a aula, voltei para casa, triste, melancólica, nostálgica, sem compreender o que estava sentindo. Meu coração doía sem motivo aparente, eu definitivamente, não acreditava que aquele menino, que tanto considerava, não quisesse conversar comigo, estava distante, mas por quê?

No dia seguinte, ao chegar à escola procurei saber o que estava acontecendo com o Vinícius, entretanto ninguém soube explicar. Disseram que ele andava triste desde que voltara das férias, não havia falado nem mesmo para o Felipe, amigo com quem andava sempre junto, onde quer que fosse.

Depois do recreio, fui a primeira a voltar para a sala para ver se ele estava sozinho, mas ao chegar, a professora Fernanda estava pegando suas coisas. Ele iria embora, pois seu pai viera buscá-lo. Corri até ao portão, porém não o vi. O carro de seu pai havia desaparecido na primeira esquina.

Voltei então novamente para a aula, mas meus pensamentos estavam voltados para o Vinícius.

O que estava acontecendo?

Por que ninguém sabia de nada? Nem mesmo a professora Fernanda sabia.

Como pode um aluno ficar triste e ninguém saber ou querer ficar sabendo porque ele estava disperso nas aulas. Que escola era aquela que ninguém se importa com a dor alheia!

Não, eu não poderia deixar meu único amigo sofrendo sozinho, e não me importar, eu precisava falar com ele, eu precisava saber o que estava acontecendo.

Quando cheguei em casa, procurei minha agenda de telefones, procurei a letra V, contudo não achei seu nome na lista. Liguei pra Jéssica, minha colega de classe. Ela me deu o número do telefone da casa do Felipe, o qual certamente poderia me ajudar. Felipe era a única pessoa que teria o número que eu queria. Jéssica estava interessada em “ficar” com Felipe. Estava apaixonada, segundo havia comentado com a Priscila. Isso porque havia falado sobre aquilo para todo mundo na hora do lanche.

Assim que recebi o número, liguei imediatamente, mas ele me disse que Vinícius não estava na cidade, havia viajado com o pai e a mãe para a capital.

Como assim? – Perguntei. Entretanto, nada mais soube informar.

A noite havia chegado e eu nem tinha feito ainda as minhas tarefas. Antes de aquilo acontecer, peguei meu notebook e escrevi um e-mail para o Vinícius que dizia o seguinte:

Meu querido amigo Vinícius,

Não sei o que está acontecendo com você, mas quero que saiba que pode contar comigo sempre, como havia prometido ao pé daquela árvore, lembra? Serei sua amiga para sempre, mas por mais difícil que seja o que estiver passando, saiba que Deus estará sempre ao seu lado, nunca se esqueça disso. Me liga assim que puder e quiser conversar.

Sempre sua amiga

Mariana.

Depois disso finalmente fui fazer minhas tarefas. Quando terminei já era tarde e nem me lembrei de abrir meu e-mail para saber se meu amigo havia respondido o meu bilhete.

Acordei com minha mãe me chamando para levantar, tomar banho, me arrumar, tomar café e ir para a escola. Aquela era minha rotina diária.

Até que minha mãe era legal. Estava sempre ali, mas ainda não tinha percebido a minha tristeza, já que corria demais. Em verdade, mal tinha tempo para a família, a não ser nos fins de semana. Ela trabalhava demais. Era empregada em uma fábrica de biscoitos.

Não me lembro bem o nome da empresa, mas sei que produzia biscoitos, minha mãe de vez em quando traz alguns para casa.

Ao chegar à escola, nem notícias do meu amigo. Ninguém sabia o que tinha acontecido, nem mesmo a direção da escola. Segundo a professora Suzana, ligaram para a casa do Vinícius, mas não houve resposta do outro lado da linha, não havia ninguém em casa. Fiquei ainda mais preocupada com o “Vini”, que era como todos o chamavam.

Puxa vida! O que estaria havendo? Ele nunca foi de faltar às aulas, alguma coisa muito séria estava acontecendo.

Eu precisava saber, por certo ele estava sem apoio dos amigos, mas o que seria?

Ao chegar em casa fui direto ao computador, abri meu e-mail e nada. Ali não havia nenhuma resposta. Será que ele não checara o e-mail, não tivera tempo, como saber? O que fazer?

Meu coração se apertava cada vez mais e a partir daquele momento eu tinha certeza que havia alguma coisa séria, mas com quem?

Será que o Vini estava doente, ou alguém da sua família?!

Precisava fazer algo, mas não sabia como começar. Não tinha o número de seu telefone, e ele não respondia ao e-mail.

De repente veio a ideia de rezar por ele e então ajoelhei ao chão e pedi:

Meu querido Deus!

Cuida do Vinícius por mim. Sei que ele está precisando da sua ajuda, da sua proteção. Não o desampare. Acolha suas orações, suas lágrimas; pois sinto em meu coração que alguma coisa muito séria está acontecendo com ele, e não posso estar neste momento ao seu lado.

Não deixe, Deus, nada de mal lhe acontecer. Ilumine seus sonhos e dê-lhe conforto e esperança. Faça-o sentir minha presença em sua vida, por meio de suas bênçãos. Eu vou estar aqui meu Pai, rezando e agradecendo cada esperança que brotar em seu coração.

Amém.

Depois de rezar fui dormir, e pela primeira vez, dormi tranquilamente. Parece que minha oração foi atendida e Vinícius finalmente respondeu meu e-mail.

Minha querida Mariana,

Desculpe-me não ter te dado atenção, e nem falado com você na escola. Realmente estou sofrendo muito, e é muito bom saber que tenho seu apoio e sua amizade para sempre. Sei que fiz você sofrer por minha causa, pois sei que você chorou sentada em nosso banquinho embaixo da árvore da escola. Mas perdoe-me por isso, foi sem querer. E lembro sim, da nossa promessa feita no ano passado antes de terminar o ano, que seríamos amigos para sempre, e em meu coração até pedi mais do que isso. Você não sabe, mas após você sair eu desenhei no tronco da árvore um coração e dentro dele coloquei as nossas iniciais. Se você for lá vai encontrá-lo gravado para sempre em nossas vidas.

Meu anjo, o papai descobriu que a mamãe está doente, muito doente. Por isso viemos para São Paulo. Não sei ainda o que ela tem, mas acho que é grave, pois o papai anda muito triste. Outro dia eu o peguei chorando. Ele disfarçou e disse que era um cisco que tinha caído em seus olhos.

Mentira. Não quer me contar o que está acontecendo.

Você sabe o quanto amo minha mãe, e se alguma coisa acontecer a ela eu não sei como viver. Ela é a razão da minha vida, não que eu não ame meu pai, mas não é a mesma coisa, você sabe, MÃE é MÃE, não é, Mary?

Por favor, não conte a ninguém ainda. Este será o nosso segredo.

Beijos de carinho do seu amigo

Vinícius.

Como era final de semana, acordei bem mais tarde. Mas ao levantar-me da cama a primeira coisa que fiz foi abrir meu notebook e verificar meu e-mail.

Não acreditei quando vi a resposta e li várias vezes.

Queria logo que chegasse segunda-feira só para olhar a árvore e verificar se havia mesmo um coração lá. Depois fiquei triste pela doença da mãe de meu amigo. Puxa! Como ele estava sofrendo, como aquilo era difícil para ele e além do mais, longe dos amigos então.

Procurei minha mãe e pedi que me levasse a uma igreja, ela quis saber por que, mas apenas disse-lhe que queria falar com Deus e sozinha, e aquilo tinha que ser numa igreja.

Minha mãe não me disse nada, apenas me levou à igreja do bairro. E enquanto ela conversava com o padre sobre os preparativos da paróquia para uma festa, eu me aproximei do altar e rezei, agradecendo do fundo do meu coração pela resposta do meu amigo. E em seguida pedi a Deus que ajudasse a mãe dele, que não a deixasse morrer, pois Vini era muito novo para ficar sem mãe. Sem dúvida seria difícil demais se aquilo acontecesse. Disse a Deus que se ele atendesse meu pedido, prometia uma coisa e cumpriria: durante dois anos de minha vida vestiria azul, em homenagem a Nossa Senhora, mãe de todas as mães.

Despedi-me, agradeci novamente e fui estar com minha mãe.

_ Pronto, mãe, podemos ir agora.

_O que você estava fazendo, minha filha?

_ Conversando com Deus! A senhora deveria fazer isso também!

_ Minha filha, o que é isso?!

Eu sempre rezo. Agradeça também, mamãe, por tudo que temos, a gente pede, mas também precisa agradecer. Hoje eu vim agradecer e fazer um pedido. Foi muito boa minha conversa com Deus.

Minha mãe olhou para o padre e riu, agradeceu e voltamos para casa.

Depois dessa visita à igreja, eu só desejava que segunda-feira, chegasse logo queria ir para a escola e checar a árvore da Amizade.

Então finalmente chegou o dia. A ansiedade era tanta que a primeira coisa que fiz ao chegar à escola foi ir direto verificar a história de Vinícius. Qual não foi minha emoção ao constatar um coração com duas iniciais juntas V e M.

Quase chorei de emoção, mas apenas sorri e me dirigi à sala de aula.

Aquela semana passou lentamente, pois tudo que desejava era que chegasse logo o dia de Vinícius voltar.

E finalmente ele voltou.

Depois de dois meses de ausência, da cidade e da escola, Vinícius e sua família estavam de volta. Minha alegria estava estampada em meu rosto e ela era percebida por todos.

Até mesmo minha mãe notou o quanto eu estava feliz, pois meu amiguinho estava de volta. Entretanto, o que mais me alegrava era que a mãe de Vinícius estava melhorando a cada dia e aquilo significava que eu teria, com certeza, uma promessa a cumprir. Isso por que Deus havia ouvido minha prece, então eu só tenho que cumprir a minha parte no” acordo”. Quando pedimos algo a Deus, isso deve vir do fundo do coração, pois só quando somos verdadeiros com Deus é que temos nossas preces atendidas.

Maria Nilza Oliveira de Carvalho é professora e escritora. Titular da Academia de Ciências do Piauí, Academia de Letras do Médio Parnaíba

Maria Nilza
Enviado por Maria Nilza em 27/01/2013
Reeditado em 15/07/2017
Código do texto: T4108416
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