Rosas de amanhã

Sábado, 22 de maio de 1982

Olá minha querida Ellen. Depois de tanto tempo você deve estar se perguntando a razão pela qual eu a escrevo. É simples: eu quero lhe contar tudo o que aconteceu conosco sob o meu olhar. Uma forma de me conciliar com o passado, talvez.

Estou aqui sentado na areia da praia onde deixei você. A praia, o mar, está tudo em sintonia... e, posso sentir sua presença no mover das águas, na brisa que me beija o rosto nesse momento. Fico aqui sentado pensando que esses grãos de areia teriam muito a contar sobre nós se pudessem falar. Nosso primeiro beijo foi aqui, você usava um vestido rosa claro e os cabelos presos mas com alguns salientes fios soltos. Era noite, eu sei que você se lembra de tudo. Mas quero que você saiba como me senti naquela noite.

O pessoal nos convenceu a participar de um luau nesta praia. Nós éramos jovens e alegres, tão alegres. Você chegou atrasada e eu a vi se aproximar através da fogueira que não brilhava mais que seus olhos. Seu vestido rosa era suavemente tocado pelo vento fresco do mar. Não sei por qual motivo, mas dentre as diversas opções, você escolheu se sentar ao meu lado perto da fogueira. Começamos a conversar enquanto a viola era mediocremente tocada e os amigos ao redor riam de alguma coisa que não me era importante naquela noite. Me distrai tanto olhando para o seu rosto e me perdendo na suavidade de suas palavras que nem percebi que as despedidas eram muitas e, por fim, éramos só eu e você ao redor das cinzas da fogueira. Você se levantou, sacudiu o vestido. Me disse que precisava ir embora. Eu não poderia deixar você partir. Tive a sensação que se perdesse aquela oportunidade jamais a teria novamente. Não sei com qual coragem segurei sua mão e a convidei para andar pela praia comigo. Você aceitou e caminhamos sob o céu estrelado e com a Lua a nos vigiar.

Você novamente disse que precisava ir embora, mas eu não queria te ver partir. Precisava de algum motivo para te fazer ficar. Eu pensei em falar da minha coleção de gibis, ou do tombo que eu levara que me ralou o cotovelo... Mas uma voz me disse- pode ter sido a do coração, já que você me fez acreditar nessas coisas- para te beijar. Eu hesitei. Então, você estava partindo. Você não podia partir, pois eu nunca me sentira tão bem ao lado de alguém. Corri atrás de você pela praia, cada átomo do meu corpo pedindo por um beijo seu. Você me viu com aquela cara de assustado e eu lhe beijei subitamente. Foi o nosso primeiro beijo, tendo como plateia as estrelas e como aplausos as ondas do mar.

Depois disso, tudo foi fluindo naturalmente. Nos víamos todo dia, conheci seus pais e você os meus. Todas as noites nos encontrávamos no mesmo lugar: nesta praia. Você me falava sobre tudo, admirava a Lua, os coqueiros, dizia como o mundo era perfeito. E eu concordava, perdido em seus olhos. O mundo era perfeito, pois você fazia parte dele.

Os anos passaram, nós nos casamos. Não posso dizer que o melhor dia da minha vida foi o dia em que nos casamos. O melhor dia da minha humilde existência foi quando você trouxe pra mim a espetacular vontade de viver ao seu lado todos os dias que me sobravam e te fazer feliz em todos eles. Nos casamos aqui, nessa mesma praia. Você usava um vestido branco, como manda o figurino. Eu estava de bermuda, mas meu modo espontâneo nunca lhe causou incômodo. Nossa casa foi construída do nosso jeito, com fotos espalhadas em cada canto- como você queria. E as flores, ah sim... você amava as flores na janela, ao lado da cama e sobre a mesa.

Quando muitos calendários da nossa casa já haviam sido trocados, veio nossa filha. O melhor presente que você poderia me dar. Nossa família estava completa, e o mundo estava mais do que perfeito.

Então, começa a parte ruim. Descobrimos que seu câncer estava avançado quando não havia mais esperanças. Infelizmente, eu a vi partir. Eu demorei a acreditar que você não respiraria mais, não me beijaria mais... acredito que quando a dor é muito forte, ela se torna anestésica e, por um tempo, eu simplesmente não consegui sentir algo. Sinceramente, não consigo descrever. Quando nos encontramos, houve a união. Quando você se foi, foi como se tivessem arrancado de mim uma parte ainda viva.

Após a cremação, joguei suas cinzas aqui nesta praia. Assim, você faria parte de cada grão de areia, cada gota de água. Você estava retornando para o seu lugar de origem.

Busquei forças em nossa filha, que crescia e se parecia com você cada dia mais. Ela tem o seu jeito de andar, o seu jeito de falar. E me faz a mesma cara quando quer algo. A propósito, hoje ela está na faculdade. Vive me falando sobre os rapazes e eu sempre a aconselho, como você faria.

Eu sei que você não se foi totalmente. Você está ao meu lado, sempre. Eu acordo todos os dias e ao abrir os olhos, eu gostaria que você estivesse ao meu lado na cama. Então, eu fecho os olhos novamente e posso sentir o seu cheiro. Posso sentir seus pés se aproximando dos meus, suas mãos acariciando meu cabelo. Sinto você me beijando juntamente ao frescor da manhã. Me levanto e me sento na cama. Fecho meus olhos novamente e escuto seus passos pela casa, você passando seu perfume que ainda continua no mesmo lugar. Escuto você me dizendo: "querido, não se atrase!".

Tudo continua como você deixou, as roupas no armário, as cortinas são brancas como você gostava. As flores que você tanto gostava, infelizmente murcham. Mas eu as renovo todas as manhãs. Eu saio ao jardim e escolho cada uma que me lembre você. Elas estão na mesinha ao seu lado da cama todas as manhãs. Hoje foram margaridas, mas amanhã... amanhã serão rosas.

Emily Soares
Enviado por Emily Soares em 01/02/2013
Código do texto: T4117558
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