NAMORICO

Namorico

Emoldurada numa antiga janela com olhos bem atentos, Mariazinha, passava boa parte da tarde na esperança rever e acenar para o seu antigo amigo e amor de infância, que por tanto tempo guardava em segredo. Agora acabara de voltar para a cidadezinha mineira, pacata e acolhedora de Várzea do Largo. Com tanta gente na praça era possível que ele por lá estivesse sem que Mariazinha percebesse. Logo deveria fechar a janela, a mãe chamaria para o jantar e o vento frio da tarde de agosto já incomodava, ficando cada vez mais insistente. Seus olhos buscavam sem descanso o tal rapaz.

“ Todas as amigas da redondeza já estiveram com ele numa conversa animada, será que somente eu não vou revê-lo?” Indagava a si própria enquanto a irmã lhe tocava o ombro chamando-a para o jantar. Não ouvira a mãe chamar. O pensamento estava longe, ou por perto... quem sabe na praça mesmo... Agora não havia mais tempo, era fechar a janela e torcer para que no dia seguinte a sorte fosse diferente. Pensou em chamar a irmã para dar um passeio na praça, mas a mãe certamente iria impedir dizendo que estava tarde. Não insistiria, bem sabia a rigidez com que era educada. Seria motivo de desconfiança, o que certamente em nada ajudaria.

No dia seguinte foi para a janela mais cedo que de costume. Tinha a certeza que teria a sorte de rever o “amigo de infância” antes do que imaginava. A praça estava bem movimentada e ainda mais linda que a noite anterior, com a encantadora luz da lua que se exibia no canto do céu! “Hoje vai ser diferente!” Pensava animada com a possibilidade de ter a visão tão esperada. O vento trazia um frescor agradável.

Mas antes que convidasse a irmã para juntas caminharem pelos jardins da praça, ouviu seu nome ser chamado e era uma voz que podia reconhecer por mais que o tempo passasse. “É ele!” Disse em voz alta sem perceber. Ainda bem que estava só na sala, porque o tom foi bem elevado para um simples pensamento. Correndo até a janela com o coração disparado já sentia um calor diferente na face. Seus olhos logo o encontraram, era o tal amigo de infância. Na transparência do entusiasmo, meio atrapalhada com as palavras sorria e tentava disfarçar a imensa emoção. Naquele momento, uma tempestade de pensamentos fez-se perceptível entre eles. Um tanto desconsertado o rapaz sorria e parecia entrar dentro de seus olhos. De certo modo, ele se declarava também com o brilho dos olhos. Parecia que o tempo da infância havia retornado. Era mais que um simples reencontro, era uma verdadeira contemplação, pois sonhava com este momento quase todos os dias. Sentia como se os pés não tocassem mais o chão. Mas em seguida Mariazinha se viu surpreendida pela chegada de alguém que conseguiu tirá-los do encantamento. A sensação era como se saíssem do sonho e fossem jogados para o mundo real. Uma moça de traços finos e modos requintados, com vestido bordado de mimosa renda, deu-lhe o braço demonstrando intimidade de casal. Presenciar aquele aconchego, foi como se a luz da lua tivesse desaparecido de repente e o vento frio congelasse toda a praça... além do seu coração. Rapidamente se despediram restando para ela apenas um grande nó na garganta.

Os olhos marejados seguiam o casal sem que houvesse espaço para qualquer esboço de esperança. Percebia que havia acreditado o bastante num sonho que somente ela alimentara por tantos anos. Enquanto fechava a janela não conseguia impedir que grossas lágrimas rolassem levando toda a brandura dos sentimentos . Com passos lentos e incertos retirava-se da sala e jurava em pensamentos que nunca haveria de se esquecer o quanto a distancia da realidade a feriu um dia, sem deixar a paixão por fim se declarar.

Recolheu-se na escuridão do quarto, num choro silencioso como se fosse possível fugir do sofrimento. Com os pensamentos completamente desalinhados procurava consolar a si mesma; “ Tudo não passou de uma ilusão”.

Sandra Sampaio
Enviado por Sandra Sampaio em 14/02/2013
Reeditado em 14/02/2013
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