OLHANDO O MAR ...

A filha empurrou suavemente a cadeira de rodas onde ela repousava o seu corpo enfermo. A tosse sacudiu a sua estrutura franzina e doente, os seios outrora orgulhosamente empinados jaziam agora pendurados como odres vazios e gastos, debaixo dos fortes agasalhos. Travou o engenho junto ao muro que vedava o promontório em frente ao mar e ajeitou o chapéu de sol sobre a cabeça da mãe.
Ela tinha pedido, à filha e ao genro, que a levassem uma última vez a ver o oceano, aquele imenso plano salgado que sempre a separara do seu amor eterno. O dia estava lindo, embora já fosse Outono, precisamente o dia de aniversário do homem da sua vida.
Maldita tosse, voltou a sacudi-la... Sempre fora obstinada, muito teimosa e inconsciente, também. O tabaco tomara conta dela desde a adolescência e nem o exemplo do pai, que morrera devorado pelo inimigo oculto, esse verme silencioso que lhe havia sugado a vida e feito com que penasse em grande sofrimento até morrer, lhe servira de alerta. Agora sabia que tinha pouco tempo de vida, à conta do mesmo vício. Mas quisera tanto ver o mar pela última vez... A filha conhecia a razão e providenciara, convencera o marido a fazer essa deslocação.
Ela olhou longamente o mar, por minutos, abarcando o horizonte, de um extremo ao outro, até onde a vista alcançava, depois baixou a cabeça e grossas lágrimas correram pelas suas faces. Se ao menos ainda  pudesse ver o seu amado antes de morrer...
Depois, lentamente, a cabeça pendeu um pouco para o lado direito...
A filha, inquieta, espreitou-a. Tinha adormecido.
A tarde refrescou, o sol baixou no horizonte e agasalhando a mãe ainda com mais carinho, empreendeu a viagem de regresso da cadeira de rodas até ao carro.

FERREIRA ESTÊVÃO - 2/04/2013