JOÃO E MARIANA

João e Mariana, ambos filhos únicos, conheceram-se muito novos nas carteiras da escola. Sentavam-se na mesma fila, com um colega de intervalo. Moravam perto um do outro e o convívio, aliado à proximidade, fez com que se habituassem à companhia mútua, andando sempre juntos, mesmo na adolescência.
Um dia, como prova da sua amizade, João ofereceu a Mariana um par de gatos de biscuit (porcelana fina). Ela adorou esse gesto, sobretudo quando ele lhe disse que a prenda se destinava a recordá-lo, se o destino os afastasse um do outro.
Fizeram em conjunto os estudos secundários e depois, continuando excelentes alunos, mas devido a orientações e desejos próprios, seguiram cursos superiores distintos, ele foi para Medicina e ela para Direito e assim, progressivamente, deixaram de se encontrar. Acabaram por morar em locais distantes e quase perderam o contacto um com o outro.
Passados alguns anos, formados e a exercer as respetivas profissões – ele médico de clínica geral e ela advogada de causas nobres, pois nunca teve instinto mercantilista – voltaram a encontrar-se, ambos já casados, e paradoxalmente cada um com um filho, no caso dela uma menina.
Cumprimentaram-se efusivamente, souberam das novidades um do outro e dado que ele iria para uma formação em Coimbra, combinaram encontrar-se um mês depois, para convívio, desta vez alargado às respetivas proles.
Esse convívio foi-se repetindo regularmente, mais ou menos de seis em seis meses, ao longo de mais de três anos. Entretanto, ele telefonou-lhe a dizer que iria trabalhar para uma cidade do interior, integrando o Centro de Saúde local.
Passaram-se alguns meses e os contactos foram sendo cada vez mais espaçados até que João deixou de dar notícias. Mariana deixou passar mais algum tempo e depois encheu-se de coragem e contatou com a esposa dele, tentando saber da razão dessa ausência. Ficou a saber que João tivera uma pneumonia, estivera acamado durante duas semanas com complicações graves, tendo falecido três dias antes. Tentaram contatá-la mas sem êxito. Ela recordou que era contrária às novas tecnologias, não tinha telemóvel nem atendedor de chamadas no telefone fixo e estivera fora alguns dias.
Apanhou logo o comboio e foi ter com a esposa de João. Choraram ambas a morte do seu ente, o funeral tinha decorrido na antevéspera.
Mariana foi levar flores ao cemitério, fez algumas preces junto à campa do amigo e não deitou uma lágrima.
Nessa noite, quando regressou a casa e após o jantar, pegou na sua filha ao colo, passou junto à vitrine da sala e olhou para o par de gatos de biscuit, que repousavam virados ternamente um para o outro. Então, só então, uma lágrima furtiva correu pela sua face. Correu rapidamente a deitar a sua filha e dirigindo-se para a sua cama, deixou-se tombar e chorou convulsivamente a morte do amigo de sempre, o seu único amor verdadeiro, aquele que sempre desejou e nunca teve de outra forma que não fosse como um irmão.

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