Entardecer a Dois

Eles se conheceram duma maneira estranha. Estava ameaçando chover e ela, como não queria estragar seu cabelo novo, escondia-se no toldo de um bar de esquina. Era nova na cidade. Ainda ria com o forte sotaque dos Londrinos e tentava imitá-los, quando via-se sozinha no apartamento. Ainda não sabia pegar metrô ou fazer ligações interurbanas, mas estava dando seu jeito. E naquela quinta-feira, deu-lhe de sair pelas ruas que a cercavam. Com toda a névoa e as fumaças de cigarros, era preciso forçar sua vista para ver um palmo nítido à sua frente. Deve ter sido por isto que não o viu vindo em sua direção, calmo e distante como gato, ou algo parecido.

Estava ainda longe, caminhando como se não estivesse presente, estivesse com a cabeça noutro lugar. Tinha olhos sérios, olhos pequenos e dramaticamente azuis, os quais chamaram a atenção da estrangeira que encontrava-se pouco à sua frente. Passava ele com um livro, algum exemplar dum clássico relido dezenas de vezes, e parecia que seus versos estavam fixos em sua mente. Pareciam-lhe um mantra. Seus olhos passavam e voltavam para a mesma linha, sua atenção para as mesmas palavras - e em tal distração, não via o que (ou quem) pudesse cruzar teu caminho. Assim, esbarrou na novata. Reparou no instante sua pele arrepiada pelo frio que a envolvia. Seus olhos congelaram. Os dela, estremeceram.

E assim talvez, pelo acaso mais banal, conheceram-se. Suas peles trocaram calor como juras, promessas de algo que jamais saberiam do que realmente se trataria. Mas prometeram - ás vezes foi só pelo frio, mas talvez, pelo intenso e discreto ardor que se manifestou naquele gélido final de tarde.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 16/05/2013
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