E  SE ?  ( 2ª PARTE)


Passaram-se quatro meses desde que estivera no aeroporto de Frankfurt, em trânsito para Hong Kong. Depois dera um salto a Singapura e regressara a casa seis dias depois, fazendo o trajeto inverso.
Desta vez estava mesmo à espera do avião de regresso. Fora a Munique, também em trabalho de consultoria, despachara-se muito mais cedo do que contava, satisfeito com o negócio e os proveitos que alcançara, alugara um carro para passear nos dois últimos dias de estadia e acabara por o entregar ali, na Avis do aeroporto de Frankfurt.
Agora caminhava na zona que dá acesso ao check in, já tinha despachado a bagagem, uma mala média e agora apetecia-lhe beber um café e talvez comer um bolo.
Sentou-se numa mesa vaga, após ter ido buscar um café e um strudel de ameixa com coco. Deliciou-se com a ementa escolhida, estava a ficar um pouco guloso.
Após largar a leitura do jornal alemão que encontrara sobre a mesa, o Die Welt, olhou à volta e quase caiu da cadeira! Afinal o mundo era mais pequeno do que julgara.
Duas mesas mais distante estava a jovem loura com quem se cruzara da outra vez. Continuava com o mesmo tom de cabelo, o mesmo rosto muito agradável e folheava distraidamente uma revista até que os seus olhares se cruzaram. A sua cara iluminou-se num sorriso sincero e ele, polidamente, levantou-se e sentou ao seu lado, levando consigo o café o e bolo, praticamente intocado.
- Como está? - A sua dição era perfeita embora de modo algum fosse inglesa.
Ele cumprimentou-a e um pouco mais à vontade, falaram livremente. Ele ficou a saber que ela, apesar do seu ar gaiato e despreocupado, calças de ganga e polo, repousando sobre um simples casaco de malha azul escuro, era mestranda de Arte na Universidade de Frankfurt, a sua nacionalidade era holandesa e morava nos arredores de Amesterdão. Ele confidenciou-lhe de igual modo as suas informações, o que fazia, onde morava.
-Tenho uma amiga que vive em Haia com um português. He´s a nice guy (1) .
Continuaram a conversar e para ele, todo o espaço do aeroporto se resumia aquele rosto lindo, o mais lindo que alguma vez contemplara. Lembrava-lhe um quadro de Vermeer.
Ela percebeu o seu encantamento e sorria-lhe simpaticamente.
- You´re also a good guy. I feel it . (2) - Neste ponto ele corou. Não estava à espera dessa tirada dela.
- Lembra-se da outra vez que nos encontrámos aqui, também casualmente? Nessa altura encontrei isto no banco onde esteve sentada... - e debruçou-se sobre a mala de mão, pegando-lhe e abrindo-a. Retirou de uma das divisórias um marcador em plástico com um poema de Saint Exupery. Estendeu-lho.
Ela olhou para o marcador, comovida. - Tem andado sempre com ele?
- Sim, tive sempre a esperança de a voltar a encontrar e lho devolver...
- Darling... - E pousou a mão sobre a dele, o seu olhar era um afago suave, um tremor bom percorreu-lhe o corpo. Ela reparou na timidez dele e então recuou com a mão.
- Como se chama?
- Katherine. E você?
- Pedro, aliás Peter.
O K desenhado no verso, um arabesco perfeitíssimo, correspondia mesmo a esse nome, fora o primeiro que lhe viera à mente quando viu o marcador.
- Foi você que o fez? - Sim!
- Você é muito talentosa. - Ela baixou os olhos, depois fixou-o e sorriu, aquele sorriso maravilhoso que nunca esqueceria.
- A que horas é o seu avião? - O embarque é daqui a meia-hora.  - O meu é daqui a quarenta minutos.
- Posso provar? - Só então ele reparou na indelicadeza que cometera por ser muito distraído. O seu strudel estava quase intato. Ela pegou na colher e provou um pouco.
- Hummmm... Está divinal, obrigado.
- Coma mais um pouco, por favor. - Quer que eu engorde?
- Só por um pedaço de bolo? Não acredito...
Ela sorriu de novo, ainda mais abertamente.
- Que idade me dá? - Ela franziu o sobrolho e depois arriscou: - Trinta e oito?
Ele sorriu, de certa forma envaidecido.
- Some-lhe cinco. E você? - Vinte e nove.
Ele sorriu para ela, mas de forma um pouco triste. Ela era muito mais nova que ele. Menos catorze anos.
- Porque ficou assim triste? Você é um belo homem e aparenta muito menos que a idade real.
- Pois é, mas os anos estão lá. - Você é um homem muito atraente. Acredite-me.
Ele ficou pensativo e entretanto ela levantou-se, pegou na asa da mala trólei e disse, um pouco pesarosa:
- Tenho de ir. Olhe, fique com os meus contatos. Quem sabe nos encontraremos de novo aqui, dentro de quatro meses. - E sorriu, um sorriso gaiato, encantador.
- Eu queria que fosse antes, mas em Amesterdão.
Ela olhou-o, um pouco ansiosa. - Fala a sério? - Acha-me com cara de mentiroso? - Perguntou ele, olhando-a ansioso. Deu-lhe o cartão de visita e depois caminharam lado a lado até à divisória de acesso condicionado.
- Posso ligar-lhe? Amanhã, por exemplo?
- Até pode ser logo, se assim se lembrar. - Não duvide que o farei. Posso?
- À hora que puder, estarei à espera da sua chamada.
Ela então abraçou-o e beijou-o lentamente na face. Ele abraçou-a de novo e também a beijou na face.
- Até logo. - Até logo.
Os dedos tocaram-se de novo, ela acenou-lhe e atirou um beijo pelo ar.
Ele ficou a vê-la afastar-se, o coração a bater desenfreadamente. Sentiu-se feliz. Há muito tempo que tal não acontecia.


11/07/2013





[1] "Ele é uma boa pessoa".
[2] "Você também é boa pessoa. Sinto-o".