Bosque do meu amor

Berná Fiúza

Bosque do meu amor

- Vaní, Vaní! Vem filhinha, vem ver sua mesa de aniversário como está bonita!

A menina precipitou-se ao ouvir a avó chamá-la, sua roupa suja de terra por estar mexendo no jardim e os pés descalços e enlameados, deixaram marcas de pegadas por toda a sala. A mãe reclamou com ela e com a avó:

- Mamãe, esta menina está simplesmente sujinha, veja as pegadas de lama que ela fez no piso da sala! Vaní, antes que veja sua mesa, já para o banho!

- Não seja tão severa Nilda, amanhã é o aniversário dela!

- Mamãe ela precisa ter educação, você a mima demais! Não chega o pai fazer-lhe todas as vontades? Agora vamos ter que limpar novamente esta sala.

- Filha, ela é uma criança, gosta de brincar com terra, mexer no jardim. É minha única neta e sua única filha o que quer que eu faça? Também não acho que Vagner a mime tanto assim, na idade dela você fazia a mesma coisa!

- Ah mamãe, você sempre consegue me enrolar.

Mãe e filha gargalharam juntas.

Vani linda com as faces coradas de vestido de organdi verde água de saia rodada e cheio de rendas que já aparecia bem amarrotado, calçada em seus sapatinhos carinha de bebe, cheios de pó, de tanto que brincou e correu na festa de seu aniversário. A avó sorria vendo a neta com sua toalete despedaçada enquanto a mãe balançava a cabeça contrariada; esquecera seu aniversário de dez anos e o estado lamentável em que ficou também sua roupa ao fim da festa. A comemoração havia terminado, Vaní descalça despenteada de vestido sujo, ansiosa, carregavam em seus braços muitos dos presentes que havia ganhado para seu quarto, quando o pai a chamou:

- Venha aqui mocinha, eu trouxe um lindo presente surpresa para uma princesa que está fazendo aniversário hoje, mas não consigo achá-la, você sabe onde ela está?

A menina largou todos os presentes ao chão. Voo para os braços do pai exclamando:

- Sou eu papai, sou eu a princesa!

Ele levantou-lhe ao alto, rodando com ela perguntando-lhe:

- Então você é a princesa que estou procurando? Alteza trouxe-lhe um lindo presente de aniversário; um que há um ano em suas férias viu em uma vitrine e apaixonou-se por ele!

O pai a colocou ao chão, curvando-se em reverência entregou-lhe uma caixa grande embrulhada em papel de presente. A menina febrilmente rasgou o papel abriu a caixa e deu um gritinho de felicidade, segurou nas mãos um mimoso abajur em porcelana no formato de uma boneca chinesa segurando nas mãos um pequeno candeeiro. Exclamou contente:

- Papai você lembrou, obrigada, ganhei outro presente!

- Ahn, ahn, este também é meu e da mamãe!

- Obrigada mamãe por também lembrar, amo vocês!

Passaram-se quinze dias de seu aniversário e Vaní logo se empolgou com outra festa; só que mais sofisticada, com mais convidados, em vez de crianças, adultos; o aniversário de dez anos de casamento dos pais. Foram instaladas luzes por todo o bosque, mesas por todo lado; entrega de bebidas, entrega de salgados, entrega de doces; um corre, corre sem fim, gente para lá e para cá. Para poder brincar ela teve que se aprofundar no bosque; próxima a casa, nem pensar! Aquela gente não a deixava em paz sempre lhe pedindo licença para isso ou aquilo! À noite, por fim, a tranqulidade. Sentou--se no colo do pai para participar da conversar sobre a festa entre ele a mãe e a avó. Porém, foi interrompido com a chegada de um casal Telma amiga de infância de sua mãe e seu marido Teodoro, vieram-lhes insistir para comemorarem naquela noite com eles, pois no dia seguinte eles não poderiam vir à festa. Berta não gostou do convite, lhes fizera uma observação que o melhor era que não eles saíssem, descansassem para estarem dispostos no dia seguinte. No entanto, a mulher insistia com eles.

- Vamos lá Nilda e Vagner, só jantaremos e tomaremos um vinhozinho, vai ser divertido!

- Nós estamos mesmo muito cansados Telma, mamãe tem razão é melhor ficarmos em casa. Por favor, desculpe-nos por hoje.

- Não de jeito nenhum vamos aceitar desculpas. Somos amigos de longa data não ficaremos bem se não comemorarmos juntos seu aniversário de casamento.

- Reforçou Teodoro, marido de Telma.

- Podem ficar tranquilos, nós compreendemos que não poderão vir amanhã. No entanto Teodoro é meio inviável sairmos agora. – Relutou Vagner.

- O que é isso gente, ânimo! Assim que chegarmos lá vocês esquece o cansaço. Existe coisa mais relaxante que um bom papo e um bom vinho?

- Está bem Teodoro, você quer ir meu bem?

- Se não formos querido eles não nos deixarão em paz mesmo. Mas com uma condição, voltaremos realmente cedo e sem discussão.

- Combinado, não é Teodoro?

- Combinado Telma. Não se preocupe Nilda voltaremos na hora acertada.

Dona Berta balançou a cabeça em reprovação, mas nada falou. Nunca gostou da mania de Telma, desde criança insistir no que ela queria até que conseguisse, vencia pelo cansaço. Os casais saíram com destino a um restaurante dançante na cidade. Lá se esqueceram da hora. Apesar de insistente Telma era uma ótima companhia, muito divertida. Conversa vai conversa vem, danças, piadas; beberam não uma garrafa de vinho, mas várias. Na volta, os casais muito alegres riam a toa com o efeito da bebida, não perceberam o caminhão nem ouviram sua buzina insistente a frente deles, apenas um clarão que lhes cegaram os olhos...

Vaní acordou com o grito lancinante da avó, a polícia rodoviária presente e algumas pessoas desconhecida; pensou serem os convidados da festa que já estavam chegando, no entanto ainda era noite. Mas quando ela viu o pranto da avó, sentiu que algo não se encaixava. Com muita dificuldade entre lágrimas a avó lhe contou da morte dos pais e do casal amigo. Vani olhou para ela apática apenas fez um gesto indiferente de ombros foi para o quarto e voltou a dormir. Somente no enterro dos pais foi que ela se deu conta de que eles não estavam mais presentes. Chorou um dia inteiro e a noite sem parar, depois ficou uma semana sem falar uma palavra, numa tristeza de cortar o coração. A avó desesperou-se ao vê-la naquele sofrimento, sufocou no peito sua própria dor para concentrar-se na neta. Procurava de todas as maneiras lhe distrair com coisas que lhes agradassem.

Na manhã seguinte foi tudo muito triste; retiraram os enfeites, as luzes, as mesas e cadeiras, as comidas e bebidas. Novamente foi um entra e sai de gente, só que removendo coisas. Em lugar da algazarra da alegria da festa, um silêncio sepulcral com muitas lágrimas. Não houve tempo de avisar a todos os convidados, os desavisados que chegavam alegres com presentes ficavam estupefato diante da fatalidade. Vani e avó deixaram o bosque para sepultar os pais e os amigos. Daí em diante ela passou a morar com a avó. Todavia, nunca se esquecera da decoração da festa que não foi realizada.

Um ano depois, ela perguntou a avó o que estavam construindo ao lado de sua casa? A avó lhe respondeu que era a casa de Elisa, uma amiga sua que perdera recentemente o marido; não tinham filhos, nem tinham parentes no Brasil, por isso ela cedera-lhe um pedaço de terra ao lado para que construísse sua casa. Assim, Elisa também passou a fazer parte de sua vida.

Dona Berta e Elisa ria muito, quando Vaní afirmavam-lhes que conheceria seu futuro marido ali mesmo no bosque. A avó argumentava divertida:

- Primeiro precisa se formar. Até lá quem sabe não aparece seu pretendente por estas bandas.

Oito anos se passaram dos acontecimentos fúnebres. Vanilda tornou-se uma linda jovem de corpo esbelto, de cabelos e olhos dourados. Hoje comemora seus dezoito anos por pura insistência da avó; desde a morte dos pais ela não quis mais festejar seu aniversário. A avó respeitou sua vontade até seu amadurecimento para entender que algumas vezes os pais partem primeiro que os filhos, outras vezes, são os filhos que deixam os pais. De uma forma ou de outra, os que ficam têm obrigação de continuarem vivendo e serem felizes. Dona Berta convenceu-lhe a fazer uma pequena festa com a presença de parentes e amigos.

Seu sonho de criança conhecer de seu futuro marido lá mesmo no bosque persistira na idade adulta; não se intimidava com a gozação de parentes e amigos, quando asseverava tal coisa. Alguns até comentavam que ela era um doce de criatura, porém, não pisava no chão. Como se fosse possível ela conhecer alguém naquele mundo de terra onde existiam apenas duas casas; a da avó e a de Elisa, ambas habitadas somente por mulheres.

Afastando-se um pouco da animação da festa Vani foi até ao jardim; o querido jardim de sua avó Bertolda, apelidada de Berta pela família e amigos. Apesar de o bosque ligá-la a um peso de dor ela o amava; o perfume da mata, das flores, o riacho, as sinfonias dos pássaros, tudo lhes davam paz.

A casa de sua avó e de Elisa ficavam na parte alta do bosque, por isso, do jardim, podia se vir todo o pinheiral e o eucaliptal que se abriam em leques coloridos pelas flores que se misturavam a mata; uma floresta mágica que tradicionalmente passou de geração a geração de sua família, atualmente pertencia a sua avó Berta.

Do jardim Vaní ouvia o barulho da festa, seus convidados alegres divertindo-se, entretanto, ela não, a sombra da tristeza rodeava seu coração. Será que um dia ela esqueceria? Fechou os olhos procurando no recôndito da memória a fisionomia dos pais, como seriam eles agora? Não conseguia vê-los como seriam hoje, suas imagens nítidas eram de dez anos atrás. Ainda doíam-lhe tanto suas saudades, ainda era-lhe terrível a lembrança daquele fatídico dia! A avó chegou de mansinho abraçando-lhe beijou seus cabelos com carinho.

- Querida, hoje é um dia de alegria, seus dezoito anos, não carregue lembranças

tristes! Comemore o júbilo de estar viva, de ser jovem, esqueça o passado meu bem!

- Ah se eu pudesse vovó, dói tanto ainda, sinto a falta deles! Qual seria o presente deles hoje?

- Meu bem, não fique assim, não é o presente que eles poderiam lhes dar hoje, com certeza é o presente que eles lhes dão sempre, que é olhar por você, por nós!

- Já os esqueceu vovó?

- Claro que não meu bem, sua mãe era minha única filha e seu pai o filho que ganhei de presente de Deus. Também os perdi e sofro com suas ausências, mas sou consolada diariamente com o tesouro que me deixaram nas mãos, que é você minha netinha amada! Deu-me forças para continuar vivendo e educá-la. Ver-se bem que eu realizei minha missão com êxito. Tornou-se uma moça linda e meiga. E como uma anfitriã polida que é volte agora aos seus convidados querida.

Quando silenciou a festa e os convidados retiraram-se, Vaní suspirou aliviada, como há dez anos pegou os presentes nos braços dirigindo-se ao seu quarto, mas estancou subitamente ouvira a voz nítida do pai, olhou vagarosamente para o lado e o viu com a mesma fisionomia de seu aniversário de dez anos atrás; o mesmo sorriso e quase lhe dizendo as mesmas palavras:

- Senhorita, eu procuro uma princesa sabe onde posso encontrá-la?

- Papai! - Exclamou em lágrimas.

- Tornou-se uma linda princesa filha, eu e sua mãe sentimos orgulho de você! Seu príncipe está á caminho!

Revelou-lhe sorrindo e desvaneceu-se. Vani desesperou-se gritou em soluços:

- Papai, papai, não se vá ainda fala-me de mamãe!

- Vaní, com quem estava conversando, e estas lágrimas minha filha?

- Ora, com papai vovó, ele foi embora sem dá-me tempo de perguntar de mamãe.

- Vaní deixe de história, você não é mais uma criancinha minha filha, e não são mais engraçadas suas fantasias!

- Não estou inventando história vovó, eu estava conversando com meu pai sim, ele veio falar-me de meu príncipe. Sabia que ele está vindo?

- Vaní pare com este devaneio você pode até ficar doente. Eu lhe quero saudável e não obsessiva! Por favor, esqueça esta conversa de príncipe, de encontrar marido aqui no bosque, isto é impossível minha filha. Os mortos não voltam, eles estão tão bem onde se encontram que não se lembram mais dos que ficaram aqui!

- Vovó como pode falar assim sendo tão sábia é só acreditar! E agora, mais do que nunca eu acredito. E aqui no nosso bosque que eu vou encontrar o meu amor!

A avó suspirou angustiada com um olhar de censura, onde iria dar a fantasia da neta?

Elisa tomava café com Berta, aproveitou para comentar a carta que recebeu da irmã que mora na Itália:

- Não vou mesmo Berta, morar com minha irmã Elza na Itália. Eu adoro este bosque! Além do mais, tenho sua companhia e de Vaní, ainda o fato de o Brasil ser minha pátria amada não vou deixá-la por nada!

- Elisa querida, Elza é a única irmã que você tem contato que se preocupa com você e tem-lhe estima. Seus outros irmãos nem se lembram que você existe disperso por esse mundo afora! Eu não sou eterna e Vaní um dia vai se casar!

- Estou ciente de tudo isso, mesmo assim não vou. Sabe Berta, falando em Vaní, o que eu sempre tive curiosidade em saber é o seu nome ser tão incomum?

- Ah meu bem, mais do que o meu não é Bertolda já viu em algum lugar alguém chamar-se assim? O nome de Vanilda é uma mistura de Vagner e Nilda, coisas de minha filha! Voltando ao nosso assunto, pense bem Elisa, pense bem!

- Eu já pensei Berta, vou responder sua carta lhe agradecendo o convite, demonstrando-lhe o quanto sou grata por ela se importar comigo, mas prefiro continuar aqui!

Mal amanheceu Vaní pulou da cama saltitante, tomou seu café a pressas sob os protestos da avó, saiu porta afora em direção ao bosque. Lá entre as flores, o cheiro dos eucaliptos e o canto dos pássaros, ela sonhava com seu príncipe chegando. Adorava ver o colorido dos morangos por toda a relva e molhar seus pés na água gelada do riacho que corria entre pequenas pedras e cascalhos; suas férias logo iam terminar, precisava aproveitá-las bem. Nem sabia se ainda ia lhe sobrar tempo para caminhar pelo seu bosque depois que iniciasse sua faculdade. Encolheu-se um pouco, estava arrepiada com a lufada de vento mais forte e gelada, fez um muxoxo de contrariedade; o tempo estava mudando, precisava voltar!

Ao vê-la de volta tão rápida, a avó comentou:

- Eu sabia que não ia demorar, saiu daqui parecendo que a polícia estava atrás de você. Tantas vezes já lhe recomendei Vani, para levar um casaquinho!

- Vovó, não se preocupe mais comigo, eu cresci. Foi somente uma mudança repentina de tempo, estamos no verão!

- Eu sei filha, seria muito bom se nós não nos preocupássemos mais com filhos e netos, depois que crescem.

Abraçando e beijando a avó, ela exclamou:

- Oh coisinha mimosa que eu amo tanto! Quando eu me formar médica, ainda vai preocupar-se comigo vovó?

- Eu sempre vou preocupar-me com você Vani, médica ou não!

Elisa chegou afobada mostrando a Berta outra carta que havia recebido da irmã:

- Leia Berta, agora ela me diz que vai mandar o filho para convencer-me a ir. Eu posso com isso?

- Você o conhece pessoalmente Elisa?

- Não, só por fotografia. Elza prometeu-me em sua carta assim que ele se desvencilhar de algum negócio, virá. Estou preocupada justamente por não saber como ele é e do que gosta?

- Calma Elisa, vai dar tudo certo, espera primeiro ele chegar!

Seis meses passaram-se.

Vaní estava nas portas das férias do meio do ano da faculdade, entretanto, desfrutava de um feriado. Aproveitou a folga para andar em seu querido bosque, já que seu tempo atualmente era escasso, porém, na pressa, se esqueceu novamente do casaco; estava no inverno. O vento soprava-lhe lufadas geladas fazendo sua pele enrijecer, os pés descalços sobre a relva úmida estavam dormentes, tremia um pouco segurando nas mãos os tênis, recriminando-se por ter esquecido o agasalho que sua avó sempre lhe recomendara. Mesmo sentindo frio, caminhava sem pressa, absorvendo com sofreguidão o ar mesclado com o cheiro dos eucaliptos e das flores, enchendo os pulmões do ar puro. Abruptamente parou quando ouviu uma voz a suas costas:

- Caríssima aceita meu casaco está tremendo de frio?

Voltou-se rápido, perdeu o fôlego; ele estava ali a sua frente, o seu amor, belíssimo, olhos negros penetrante, cabelos também negros e sedosos, um sorriso aberto. O interrogou com o olhar:

- Escusa-me, sou Rodolfo Bellini, sobrinho de Elisa. Você deve ser Vaní, a neta de dona Berta. Cheguei ontem da Itália já tarde da noite, por isso não fomos a sua casa, hoje pela manhã, eu e tia Elisa passamos lá, mas você já tinha saído. Ela queria apresentar-me a você e a sua avó, aliás, eu a conheci. É uma pessoa incrível! Por sugestão de minha tia vim procurá-la aqui em seu refugio esplendido.

Vanilda permaneceu calada sorvendo-lhe cada palavra, o escutou e o escutaria o dia todo e o resto de sua vida, sua explanação com voz bem timbrada e melodiosa, misturando português com italiano a encantou. Não resistiu, sua mão aveludada tocou-lhe o rosto. Ele a olhou entre surpreso e divertido. Diante de seu olhar zombeteiro, deu--se conta que acariciara o rosto de um estranho, corou envergonhada. No entanto ele amou aquele pudor ingênuo que ela demonstrava-lhe soltou uma sonora gargalhada fazendo um afago em seus cabelos. De cabeça baixa ela tentava balbuciar-lhe uma desculpa:

- Desculp... Por favor, desculpe-me, eu... Só queria saber se é real.

- Eu sou real. Belisque-me com força e vai ver!

O obedeceu puxando a pele e o pelo de seu braço, ele reagiu gemendo:

- Ai não tão forte, doeu!

Com as faces em brasas Vani olhou para ele surpresa. Ele deu outra gostosa gargalhada, desarmada ela lhe acompanhou. Ainda sorrindo puxou-lhe pela mão:

- Venha, vou mostrar-lhe todo o meu bosque conheço cada pedacinho dele.

Mais tarde, quando Vani voltou a casa já passavam do meio dia. Berta em sua poltrona predileta em frente da janela tricotava-lhe um casaco. Aquele era seu canto preferido; enquanto tricotava com habilidade impressionante podia ver a natureza lhe sorrindo. Sem tirar os olhos do tricô ela interrogou a neta:

- Por que demorou tanto para vir almoçar Vaní? Elisa me fez companhia na hora do almoço para eu não comer sozinha.

- Ah vozinha desculpe-me! Quando estou em meu lugar tão querido esqueço-me da hora. Principalmente quando aproveito uma folguinha da faculdade.

- Vaní, Vaní, querida, muito bonito seu discurso, mas não me convenceu. É necessário mentir-me agora já que nunca o fez? A quem está tentando enganar com estes olhinhos brilhantes deslumbrados de felicidade?

- Vó, para com isso eu não fiz nada de errado!

- Certamente que não querida, mas entristeceu-me.

- Só por que eu demorei?

- Não minha querida, por não confiar mais em sua avó.

Vani a beira das lágrimas de cabeça baixa temia encarar a avó. Jamais pensara em magoá-la e sem querer o fizera. Berta lhe vendo em comoção lhe tomou nos braços afagando-lhe os cabelos.

- Meu bem não é motivo para lágrimas. Naturalmente deve ser culpa minha, em algum momento lhe passei insegurança por confiar em mim. Tudo bem se não quiser me contar!

- Por favor, vovó, sempre me senti segura com você em qualquer circunstância. Só estou receosa de que não me acredite.

- Não tenha receio minha querida, eu não vou duvidar de você.

- Vozinha eu o vi falei com ele toquei em seu rosto!

- Viu a quem, tocou no rosto de quem minha filha? Pelo amor de Deus Vaní, não me assuste, há um estranho aqui?

- Claro que há vovó, o meu amor! Nós conversamos tanto, já sei tudo ao seu respeito e ele também já sabe tudo sobre mim.

- Minha virgem santíssima, até onde você levou sua fantasia Vani? Com quem esteve?

- Já lhe disse vovó, eu estava com meu amor.

- Quem é esse amor de onde ele veio?

- Vovó ele chama-se Rodolfo é sobrinho de tia Elisa e veio da Itália.

- Graça a Deus minha querida! Vani da próxima vez que quiser contar-me algo não precisa ameaçar-me com um enfarte. Que susto! Supus que alguém tivesse entrado aqui.

- E entrou. Também vovó, por quem me toma? Eu lá ia dá atenção a um desconhecido meu pai avisou-me de que ele viria!

- Pois era exatamente esse meu terror você com suas fantasias achar qualquer estranho que entrasse aqui o seu príncipe.

- Vovó você pode ser descrente, eu não! Tenho absoluta certeza de que meu pai falou comigo no dia de meu aniversário! E por que tanta preocupação se todo o bosque e cercado de muro altíssimo e na frente têm um portão de quase dois metros? E eu não sou mais nenhuma criança vovó que possa confundir alguém com má intenção com uma pessoa de bem.

- Tem razão querida. Desculpe sua velha avó rabugenta.

- Vozinha, você não é rabugenta, apenas preocupa-se comigo!

- Obrigada meu bem pela sua compreensão. Conte-me de seu encontro com Rodolfo.

A neta foi desfiando-lhe seu encontro com ele nos mínimos detalhes. A avó a escutava atenta. Vez em quando as duas gargalhavam divertindo-se com as peripécias do encontro. Quando ela terminou de narrar-lhe os acontecimentos, perguntou-lhe ansiosa:

- Vovó eu convidei Rodolfo e tia Elisa para jantarem conosco hoje. O que faremos para o jantar. Ah ele me disse que adorou tê-la conhecido que você é uma pessoa incrível!

- Calma meu bem, não atropele as palavras, diga-me você querida já que sabe tudo ao seu respeito do que ele gosta? Com Elisa não precisamos nos preocupar ela já é de casa

- Ele revelou-me gostar de comidas simples, do trivial mesmo. Excetuando as massas, que ele adora. Confessou-me ter muita vontade de comer seu feijão tropeiro, que tia Eliza tanto lhe propagou nas cartas. Quando ele esteve aqui há dois anos visitando as regiões Norte-Nordeste, experimentou rabada, baião de dois e acarajé. Na época, não veio a São Paulo conhecer tia Elisa pessoalmente, porque segundo ele estava preso a algum compromisso que não conseguiu se livrar. Mas se soubesse que ela era minha vizinha, teria dado um jeito.

- Estou vendo que realmente você já sabe tudo de seu gosto culinário. Que tal uma massa?

- Ai vovó ele vai adorar. Sua massa é divina! De minha parte com toda a ansiedade em que eu me encontro não vou nem ter apetite!

Vaní estava radiante num vestido de lanzinha azul realçando-lhe a cor da pele, prendeu os cabelos dourados no alto da cabeça mostrando assim a beleza de sua nuca e de seu rosto. Rodolfo também bem apessoado, em uma calça cinza e um cardigâ verde, estava muito bonito. Berta e Elisa após o jantar, discretamente os deixaram sozinhos, foram conversar na varanda tomando chá. A noite foi agradável e divertida para todos.

Seis meses depois.

O amor de Vani e Rodolfo só foi aumentando: namoravam no bosque com a cumplicidade do luar sob beijos, carícias e juras de amor eterno. Era a imagem da felicidade. Foi também sob o luar, na relva macia que Vani se deu a ele em sua primeira vez. Três meses depois eles se casaram também no bosque. Foi armada uma grande tenda branca que coubessem os noivos e convidados, fez dentro o altar. Tudo enfeitado com ramalhetes de flores. Pétalas de rosas serviam de passarela aos noivos. O casal irradiava alegria e felicidade. No altar os noivos e os padrinhos atentos as palavra do padre. Elisa cochichou com Berta sobre um casal que ela não se lembrava de onde os conheciam:

- Berta, está vendo aquele casal muito bonito do lado esquerdo do altar? Tenho certeza de que os conheço, mas não consigo lembrar-me de onde. Por acaso você sabe quem são? Creio que são padrinhos também não são?

Berta olhou na direção do casal e empalideceu mortalmente balbuciando palavras inaudíveis:

- Deus do céu ela tinha razão, é só acreditar! Ingênua fui eu em pensar que eles não viriam.

- Berta, está passando mal? Como você está pálida, trêmula! Quer que eu chame alguém?

- E estragar o casamento deles! Não Elisa, eu estou bem! Apenas... Surpresa e comovida. È a primeira vez que os vejo após tanto anos jovens e lindos como partiram. - De quem você está falando Berta? Não estou entendendo nada!

- Elisa, Elisa, quase nem acredito... O casal no altar...

Ela calou-se, ao olhar novamente para o altar o casal não estava mais lá. Lágrimas escorreram-lhes pela face. Que pena! Nem se falaram após tantos anos de ausência. Será por ela ter duvidas ou por que as palavras da neta tiveram tanta força em sua mente a ponto de estar vendo coisas?

O que tanto murmura Berta que não consigo lhe entender? Está chorando minha amiga, não fique assim, Vani está indo de encontro a sua felicidade.

- Eu sei Elisa, não se preocupe! São sós pensamentos, bobagem de avó rabugenta que já está sentindo saudades da neta. Eu estou chorando de emoção Elisa, de emoção! O casal no altar... você... Lembrou-se de onde os conhece?

- O casal no altar, não, eu... Ah eles já foram embora Berta! Nem sequer esperaram o final da cerimônia, que estranho não é? Por que quer saber, lembrou-se de onde os conhece?

- Não. Pensei serem pessoas que os conheci há anos.

No meio da festa o casal de nubentes fugiu dos convidados para o aeroporto, viajaram para Itália em lua de mel. Despediram-se apenas dos pais, da avó e da tia.

Elza e o marido Paolo, vieram dias antes do casamento para conhecer sua futura nora, sua família e convencer a irmã a voltar com eles para Itália. No entanto foi inútil, Elisa permaneceu irredutível. Berta também se recusou a deixar seu bosque. Depois de muita conversa em família decidiu-se que Rodolfo ficaria morando no Brasil dando assistência a tia e a Berta. Mesmo assim, Elza e Paolo ainda permaneceram uns dois meses no Brasil em casa de Elisa, tinham esperança que ela mudasse de ideia.

Dois anos havia passado do casamento, Vaní continuava sua faculdade embora sua frequência fosse dificultosa, estava grávida de gêmeos, muita pesada nos sétimos meses de gestação. Quando em consulta, seu obstetra declarou-lhe a indução do parto por serem gêmeos. Ela chorou por não querer deixar o bosque, sua vontade era que os filhos nascessem lá, contudo seu obstetra lhe proibiu; o parto seria cesariano. Por fim, o marido á convenceu ir para maternidade. Rodolfo fez questão de assistir o parto dos filhos, os virem nascerem, emocionaram-se as lágrimas, quando viu seus rebentos chorando fortemente saudáveis e perfeitos. Um casal Elisa e Bertoldo.

Quando os gêmeos fizeram oito meses, um enfarte fulminante levou Elisa embora. Berta também não andava boa, estava mais lenta e esquecia muitas coisas. Passava a maioria do tempo sentada em sua cadeira predileta enfrente a janela, olhando para o bosque. A neta chorava desalentada vendo a apatia da avó, o marido paciente e carinhoso lhe consolava, sempre solícito as duas. Berta aguentou firme até aos dois anos dos gêmeos, quando também partiu. Vaní desmontou-se entrando em completo desespero. Se não fosse o amor que o marido dedicava-lhe, seu apoio incondicional e os seus cuidados com os gêmeos, ela teria sucumbido à dor indiferente a ele e aos filhos.

Oito meses haviam passado da morte de Berta e Vaní continuava apática a tudo, não se importava com os filhos, com casa, com os empregados, nem mesmo com, o marido, há oito meses que não tinham intimidades. Rodolfo já demonstrava cansaço por tomar a frente de tudo; além de contratar babás e mais babás para cuidar dos filhos; inúmeras cozinheiras; copeiras; lavadeiras; engomadeiras; caseiros, jardineiros; que não paravam nenhum por implicância de Vani. Além de educar os filhos, levá-los a médicos, tomar vacinas, cuidar de sua higiene pessoal e de suas alimentações. Ainda tinha que dar atenção na empresa. Mil Rodolfos eram poucos, para solucionar os problemas diários, tanto da empresa como de casa, em total abstinência sexual; não procurava outras mulheres por amá-la muito, não aceitava a ideia de ter outra mulher partilhando sua cama além da sua própria. Sem uma válvula de escape, ele ultrapassara seu limite. Numa atitude drástica segurou-lhe pelos ombros sacudindo-lhe com força lhe obrigou a deixar a cama lhe falou com aspereza dando-lhe ultimato:

- Chega Vani, eu não aguento mais! Ou você reage e procura uma ajuda para sair desse buraco ou eu pego nossos filhos e os levo comigo definitivamente para a Itália. Eu quero a minha mulher de volta, participando da minha cama, da minha vida, da vida de nossos filhos! Você quer ficar aqui neste maldito bosque, sozinha, se enterrar aqui, pois que fique! Eu não vou partilhar de seu suicídio. Sim por que pelo ritmo que segue vai terminar seus dias ou em um manicômio ou enterrada aqui mesmo. Pelo amor de Deus Vani, você é quase uma médica sabe mais do que ninguém que precisa de ajuda para sair desta depressão. Eu não posso fazer mais do que já faço; cuido das crianças; administro a casa; contrato empregado e mais empregado; babás e mais babás por que não para ninguém nesta casa; você consegue espantar toda e qualquer pessoa que venha trabalhar aqui. Tem ideia de quantas cozinheiras, copeiras, babás, caseiros, jardineiros passaram por aqui? Faço compras, levo as crianças ao pediatra. Para completar o quadro aterrorizante, só este mês, tivemos dois grandes prejuízos por perda de contrato por eu não estar presente na empresa para fechá-los. No momento, estamos sem caseiro e jardineiro, o bosque encontra-se em total abandono, não podemos deixar esse mundo de terra coberto pelas ervas daninhas e matos!

Vaní chorava compulsivamente ouvindo o longo discurso do marido. Colocara as mãos sobre os ouvidos para não ouvi-lo mais, aquele falatório sem fim deixou-lhe zonza e irritada entre soluços entrecortados gritou-lhe com raiva:

- Pois vá! Pegue as crianças e as levem daqui para o lugar que desejar, não me importa, deixe que as ervas daninhas e o mato cresçam e cubram o bosque, ponha-lhe fogo se o estiver incomodando, mas deixe-me em paz com minha vó Berta!!

No auge do descontrole Rodolfo a estapeou ela caiu sobre a cama e lá ficou em um pranto lamuriento. Ele levou às mãos a cabeça em total desespero não acreditava que tivesse chegado à impulsividade de bater em sua própria esposa, um ser doente, completamente indefeso. Arrependia-se amargamente sem saber o que fazer. Enquanto os gêmeos berravam beliscando-se um ao outro. Ele gritou-lhes que se calassem, porém só os fez assustá-los e chorarem mais alto. Num gesto impaciente os colocou no chiqueirinho aumentando a grade para que não saíssem deixando-os num berreiro só. Voltou-se para mulher, acolhendo-a em seus braços, amargurado com o que lhe fizera Implorou seu perdão:

- Vaní meu amor perdoe-me eu imploro-lhe! Por Deus, veja o que está fazendo comigo, perdi totalmente meu controle, um monstro é o que eu sou!

Por um momento ela esqueceu seu pranto as palavras de dor e repulsa do marido

caíram bem fundo em sua mente. Como no primeiro encontro tocou em seu rosto com a mão suave e fria, aconchegou-se mais ao seu peito ficou quieta por longos segundos, depois em rio de lágrimas e soluços entrecortados balbuciou-lhe:

- Eu sei o quanto sou culpada Rodolfo por ser fraca e submetida a minha própria dor, não tenho nenhuma força para lutar contra. Não lhe odeio por ter me dado uma tapa, eu mereci! No entanto meu querido, eu não estou nem ai, se você vai continuar me batendo ou não. O melhor seria é que me matasse, ficaria livre de mim e levaria seus filhos para onde quisesse sem preocupação.

- Não fale assim, não fui educado para bater em mulheres, principalmente na minha, nunca tive tais exemplos na família. Se meu pai souber deste episódio, ele nunca mais vai me perdoar.

- Qual o motivo da preocupação, ele mora na Itália nunca vai saber a não ser que você lhe conte ou eu mesma quem sabe! Ouço muito falar Rodolfo, que quando um homem bate pela primeira vez na mulher fica batendo-lhe sempre. Porém você acha que estou preocupada? Nãaao meu querido, pouco me importa!

- Não, não, por Deus Vani, meu amor, eu não a espanquei dei-lhe uma tapa por momentaneamente ter perdido meu controle. Não sou nem tenho instinto assassino, por quer razão a mataria se amo com toda minha alma? Já me sinto um trapo pelo que lhe fiz não precisa pôr-me mais ainda abaixo do chão, jamais deveria ter levantado-lhe a mão. Por favor, eu imploro-lhe perdoe-me, perdoe-me! Eu juro-lhe nunca mais em circunstância alguma este meu gesto vai se repetir.

- Eu acredito em você Rodolfo, sei que nunca quis machucar-me, já o perdoei, não lhe tenho mágoa nem rancor. Também não quero que sofra meu amor porque eu também sofro com sua dor. Continuo te amando tanto! Queria, queria mesmo ser diferente, estar diferente para você só para não vê-lo padecer com minha debilidade.

- Vaní meu amor, você precisa de ajuda, desde sua infância quando perdeu seus pais! Tenho quase certeza, se dona Berta lhe visse neste estado estaria arrependida e muito de não ter dado a devida atenção ao que seu problema merecia. Ela foi muito ingênua por achá-lo resolvido. Não percebe amor que ele ascendeu-se com toda energia com a partida dela?

- Eu sinto tanto a falta dela Rodolfo, ela foi tudo para mim e agora a perdi, como os meus pais, eles também não tinham o direito de me abandonarem.

- Eu sei meu amor, o que eles representaram em sua vida e as marcas que deixaram em sua alma. Todavia seus pais não a abandonaram foi uma fatalidade! E dona Berta, chegou sua hora de partir, como chegou a de tia Elisa; assim como chegará a minha, a sua, a de meus irmãos, de meus pais e a de nossos filhos!

Ela ficou indignada com a explicação do marido, reagiu aos gritos:

- Cale essa sua boca agourenta meus filhos nunca vão morrer, nunca!

- Você não entendeu meu amor, eu não os desejos mortos, espero que cresçam, construam suas famílias, nossos futuros netos. Foi apenas um exemplo, embora não fuja a realidade. E não são seus filhos, são nossos filhos, não os fez sozinha!

- Onde está o amor que sente por mim Rodolfo, por que fala desta maneira comigo, não percebe meu sofrimento, que esta dor não passa?

Sangrava-lhe o coração vendo-lhe arrastando-se no sofrimento, amava-a tanto, se ela não reagisse certamente a perderia para sempre. Não, ele não podia deixar acontecer precisava sacudi-la:

- Ela morreu Vaní, dona Berta morreu a oito meses, aceite e compreenda o fato!

- Não, não fale assim meu amor, eu não quero ouvi-lo!

- Ah, mas vai me ouvir. Vani ela viveu seu tempo de vida, cumpriu sua missão de educar e instruir a filha e a neta teve lá suas perdas, seus sofrimentos, do jeito que a vida nos dá. Conheceu os bisnetos e foi muito feliz. Deixe-a descansar em paz! Acredite, ela está olhando por nós, assim com tia Elisa!

- Por que tem tanta certeza disso Rodolfo se nem religioso é duvido até que acredite em Deus?!

- Baseada em quê você afirma que eu não creio em Deus?

- Simplesmente porque nunca o vi rezando!

- E para se rezar tem que se tocar trombeta? Pois eu creio em Deus sim, e não preciso de demonstração. Do eu preciso realmente Vaní é você levantar-se desta cama e tocar nossa vida como ela deve ser tocada.

- O que está pedindo-me é impossível Rodolfo, eu não tenho alento para mais nada!

- Olhe para mim meu amor, nada é impossível quando se tem força de vontade! Se você deixar de lutar, se não fizer um esforço para sair deste quadro, vai nos perder a mim e aos nossos filhos, é o que deseja? Vai desistir da faculdade, dos anos de estudos, das muitas noites em claro queimando as pestanas sobre os livros, quando já está na reta final? É degradante Vani, ver alguém como você morrendo de pena de si mesma, lamuriando-se da vida, despertando a comiseração e o enfado de todos em vez de despertar admiração, o exemplo, por ser uma lutadora que não se abate com as lutas perdidas, ao contrário, ultrapassa seus obstáculos que lhe impede de vencer. Embora não se aplique a você, é uma covarde, uma derrotada!

- Não, não é verdade que pensa que eu seja tudo isso?

- Infelizmente é verdade eu penso mesmo que você é uma pobre coitada que está morrendo de pena de si mesma, aliás, faz questão de ser infeliz e derrotada, uma covarde! E os nossos filhos também pensarão isso de você no futuro em vez de eles se lembrarem de uma mãe guerreira, determinada que sabe o que quer, irá lembrar-se... Ou melhor, Vão querer esquecer-se da mãe infeliz e derrotada.

- Mas você não vai deixar que isso aconteça, irá falar muito bem de mim para eles não é?

- Não vou não. É impossível se falar de algo que não existe, se você mesma qualificou-se como perdedora e covarde, nossos filhos virão exatamente essa imagem que você lhes deixou.

- Não, por favor, eu não quero que meus filhos, você ou qualquer outra pessoa tenha tal impressão a meu respeito. Eu não sou uma perdedora nem uma covarde, só estou sem forças para lutar. Ajude-me Rodolfo, por favor, não me abandone!

- Por Deus que lhe ajudarei Vaní, nunca lhe abandonarei, eu te amo e quero lhe salvar desse precipício em que se encontra. Nós precisamos de você ao nosso lado. Prepara-se meu amor para iniciar seu tratamento amanhã mesmo.

Rodolfo calorosamente envolveu a mulher em seus braços ficaram por muito tempo abraçado, silenciosos. O berreiro dos gêmeos os tirou do enlevo. Na manhã seguinte ela começou seu tratamento. Mesmo com a atenção, o carinho e amor do marido, ela levou mais de um ano para ter alta e voltar as suas atividades normais.

Passaram-se cinco anos...

Os gêmeos então com sete anos, entraram correndo na cozinha com as roupas sujas de lama nas mãos de Elisa uma bola de lama que queria jogá-la no irmão. A mãe os repreendeu, não se cansava de ver a impressionante semelhança dos olhos de Elisa com os da bisavó; o mesmo tom de azul, a mesma expressão. Bertoldo não tem os olhos negros do pai. Aliás, são muito parecidos. Vani despertou de seus pensamentos com a voz do filho chamando-lhe:

- Mamãe, mamãe, você está assim calada nos olhando, por que está zangada com a gente?

- Não meus amores, mamãe não está zangada com vocês. Hora do banho! Vão rápido, peça a Nana para separar suas roupas enquanto tomam banho, sem bagunça e sem demora, papai já está chegando para almoçar, quero-os limpinhos a mesa.

Minutos depois, Rodolfo chegou afogueado pelo calor, beijou a esposa, tirou o paletó pondo-o sobre a cadeira. Sua expressão era de preocupação e angústia. Apreensiva ela perguntou-lhe:

- O que houve amor, que cara preocupada é esta?

Ele suspirou fundo, sorriu-lhe desviando seus olhos dos dela mordendo o lábio num gesto nervoso. Tentou explicar-lhe:

- Meu amor, eu espero que compreenda ao que vou dizer-lhe:

Ela voltou-se bruscamente para o marido exclamando agitada:

- Por favor, Rodolfo, nada de suspense, entre logo no assunto!

- Calma meu bem, não é nada grave apenas precisamos ir para Itália o mais rápido possível, é provável que nossa estadia lá se estenda por um período mais longo.

- Precisamos ir para Itália com estadia demorada! Explique-se amor, não estou entendo aonde quer chegar.

- Querida mamãe me telefonou hoje, papai não anda nada bem de saúde, pediu para reunir toda a família para a divisão dos bens com ele ainda em vida, quer evitar conflitos entre nós. Não se esqueça de que é também o patrimônio de nossos filhos. Ele deseja rever os netos, já faz dois anos que estivemos com ele e espera que desta vez fiquemos por lá alguns anos, ou morarmos lá definitivamente

Será que ela entendera direito, ele quer que ela deixe seu querido bosque onde tudo que marcou sua vida acontecera lá, seu trabalho no hospital, seus pacientes, para começar uma nova vida na Itália, longe dos amigos, da família, da sua pátria? Após longo silêncio, onde ele quase explodiu de ansiedade, ela falou que não deixaria seu bosque por nada, se ele quisesse que fosse sozinho. A sua preocupação não era resguardar o patrimônio dos filhos não, seria deles depois de sua morte e sim com seu próprio patrimônio, que ele não envolvesse os filhos em suas desculpas. Ele abriu a boca em espanto, não, podia estar ouvindo isso de sua própria mulher, ele usando os filhos como desculpa para voltar para Itália! Desde quando ele precisava de desculpas para ver sua família? Profundamente aborrecido contestou:

- Como é que é Vaní, o que esta querendo dizer com isso?

- É o que você ouviu muito bem Rodolfo. Nem eu nem as crianças, deixaremos nosso bosque por Itália alguma ou por qualquer patrimônio! Tem mais, se seu pai tem saudades de nós que venha nos ver a distância é a mesma! .

- Você só pode ter enlouquecido, estou lhe falando do meu pai que se encontra muito doente e não pode viajar, da minha família!

- Faça-me o favor Rodolfo, eu não acredito que ele esteja assim tão doente que não possa vir, sua mãe exagera muito as coisas, desde que nos casamos que eles tentam para irmos morar na Itália. E sua família somos nós, eu e nossos filhos!

- Ah, você falou muito bem, são minha família e como minha família tem que me seguirem a onde eu for! O meu pai está realmente muito doente, é um homem íntegro, nunca precisou de desculpas para tomar suas decisões e você não tem direito de duvidar de sua doença.

Ela calou-se deixou a sala precipitadamente aos prantos, trancou-se em seu quarto. Fora à primeira briga deles, Rodolfo sentou-se largado ao sofá, amava-lhe muito, mas desta vez, ela estava sendo incompreensiva Incoerente e egoísta só pensando no que lhe servia no que lhe era cômodo no tal do bosque. Os sentimentos dele não contavam, nove anos de amor, harmonia, dedicação, não representaram nada para ela? Será que ela ainda o amava? Sentiu-se incompreendido, sem o apoio de sua própria mulher, chorou em conflito, acabou adormecendo no sofá.

Os gêmeos saíram do banho enrolados em toalhas a procura da mãe para queixar-se de Nana, que queria impor-lhes roupas que não desejavam, no entanto, só viram o pai adormecido no sofá, foram bater a porta do quarto dos pais:

- Mamãe abre á porta, papai está dormindo na sala e Nana não quer nos deixar vestir as roupas que queremos! Mamãe nós estamos com fome!

A mãe com os olhos inchados de tanto chorar abriu a porta, as crianças as olharam interrogativamente para disfarçar lhes disse que estava com dor de cabeça, perguntando-lhes da barulheira que faziam? As duas crianças queriam falar ao mesmo tempo, ela interveio:

- Primeiro as damas, fale Elisa o que aconteceu?

- Mamãe, Nana não quer me deixar por meu vestido bonito azul.

- Ela explicou-lhe o motivo?

- Explicou disse que não era adequado por ser um vestido de festa, o ideal era uma roupinha leve para eu poder brincar a vontade. Mamãe eu quero por meu vestido de festa hoje!

- Muito justo o vestido é seu, vai alguma festa?

- Não mamãe. Mas...

- Meu bem seu vestido azul é uma roupa de festa, é pesado quase longo, cheio de bordados, você vai se sentir presa dentro dele, vai sentir calor por que estamos no verão e ele é muito quente, não vai poder subir nas árvores, certamente vai atrapalhar seus movimentos e naturalmente rasgá-lo, não vai poder brincar com água nem na terra, senão vai estragá-lo e não poderá vesti-lo em mais nenhuma festa. Ainda vai querer vesti-lo?

- Não mamãe, eu não tinha pensando nisso.

- Ai é que está a Nana pensou em lhe deixar confortável. Que roupa ela lhe sugeriu

- O que é sugerir mamãe?

- Quer dizer, indicar, aconselhar, recomendar.

- Ah ela me recomendou uma roupinha de malha que eu ia me sentir leve e solta.

- Está vendo como a Nana sabe das coisas vá lá com ela por essa roupinha! Agora é a vez de Bertoldo. Fale filho.

O menino com ar de sábio deu um muxoxo resignado, sacudiu os ombros com indiferença.

- Para que se vai me falar a mesma coisa que falou para Elisa, minha roupa também de festa, vou por um shortinho mesmo!

Apesar da tensão entre ela e o marido, riu muito da resposta inteligente e perspicaz do filho. Quando Vaní chegou à sala seu coração apertou vendo o estado do marido ainda com vestígios de lágrimas nas faces, pálido com os cabelos despenteados. Sentou-se a sua enfrente e meditou... Ele acordou sobressaltado estava sonhando com ela caindo num precipício tentava segurá-la e não conseguia, sentou-se rápido deparando-se com ela o observando. Ficaram encarando-se por algum tempo sem nada falarem, por fim, ela levantou-se se sentou ao seu colo lhe beijando efusivamente.

- Perdoe-me amor, você está certo. Como pude ser tão egoísta, tão insensível, tão má! Tão...

Rodolfo lhe beijou calorosamente

- Esqueça meu amor os casais brigam de vez em quando, nós não somos exceção á regra. Vamos olhar a questão pelo lado positivo o nosso bosque já está tornando-se um lugar perigoso. É muita terra para se olhar, tratar, administrar, corremos ameaça de entrar alguém furtivamente aqui e nos fazer algum mal. Semana passada mesmo, por duas vezes, mandei reconstruir o muro do lado norte por tentativa de invasão. Se conseguirem entrar não há como nos defendermos. Não podemos viver eternamente com seguranças as nossas sombras para nos proteger.

- Por que não me disse nada? Deixei as crianças todos estes dias correrem pelas matas até perdê-las de vista.

- Com os seguranças que os contratei não correm perigo eles circulam motorizados por toda a extensão da área. Também não queria preocupá-la, se soubesse ia prendê-los dentro de casa.

- Ah com certeza!

- Já alguns meses que sou assediado por uma grande construtora com excelente proposta de compra de nosso bosque.

- Vender o nosso bosque, está brincando não é amor, querem construir o que aqui?

- Não, não estou, no entanto só farei se você concordar. Querem construir um condomínio residencial. Em conversa com eles caso de decidirmos pela venda, expus uma cláusula que deve ser cumprida.

- Que cláusula?

- Construirmos nossa casa no condomínio da maneira que desejarmos com o espaço que acharmos conveniente para nós. Eles concordaram.

- É uma boa alternativa para quando voltarmos continuarmos aqui. Será que quando voltarmos vamos encontrar ainda algum vestígio do que foi nosso bosque?

- Eles demonstraram interesse em preservar muitas coisas daqui amor. Ainda será um lugar de ar puro, de contato com a natureza.

Chegou o dia da partida. Vani avidamente guardava cada pedacinho do bosque em seu coração, pensando se quando fizessem o condomínio continuaria a magia e o encantamento. Por mais que ela amasse o bosque não tirava a razão do marido, ele estava certo o mundo evoluía incessantemente e os que não o acompanhavam ficavam para trás. Não havia mais condições de continuar sendo um bosque; a violência alastrava o mundo e o desrespeito pela natureza era evidente.

Os dois deram-se ás mãos dirigiram-se ao portão de saída com os gêmeos correndo as suas frentes. Antes de entrarem no carro olharam pela última vez seu bosque com saudade e nostalgia. Quando retornasse ao Brasil existiria talvez pouco vestígio do que fora, mas em seus corações a lembrança seria eterna.

Berná Fiuza
Enviado por Berná Fiuza em 01/09/2013
Código do texto: T4462570
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