Mente violenta

Acredito que se você está no limite das coisas, e essas coisas te machucam, então você precisa parar de alguma forma. Eu não quero te assustar, mas acredito que a morte seja o final de tudo. Você se senta bem no canto, pensa em milhares de olhos, cria milhões de expectativas e satisfações. Mas, o que você não sabe é que, está tudo errado. Tudo está errado aqui. Ele me machuca, então eu corro o máximo. Chego, quase, até onde quero chegar. Corro até não ter mais fôlego. Vou ao infinito das coisas. Ele corre atrás de mim, grita, chora, pede perdão. Tudo continua errado aqui. Paro. Não consigo respirar. Ele não me acertará outra vez. Ele diz que sou tudo o que ele tem. Ele implora, sabe implorar. Não sei por que acredito. Peço que me espere. Ele diz que se eu for, eu nunca vou querer volto. Peço que pare. Ando quase sem respirar. Ando sem olhar para trás. - às vezes acho que desisti. Ele sempre aparece quando quer. Basta ele lembrar que existo, então aparece. As pessoas acreditam que ele me ama. Só que de uma forma diferente, elas dizem. Ou então dizem que gosto, que sou do limite das coisas, que só construo algo ou tomo algum tipo de decisão quando o tempo me sufoca. Elas, as pessoas, dizem que somos loucos, que somos perfeitos um para o outro. Como algo pode estar errado se todas as pessoas dizem a mesma coisa? Acredito que não haja amor dentro dele. Me engano, então começo a acreditar nas pessoas, no que elas dizem em favor dele. Devo estar ficando louco, porque alguém tão amado assim pelas pessoas não deve ser um agressor.

Queria confessar uma coisa. Eu não sei por que sinto falta dele, não sei por que o amo. Não acredito em relacionamentos de amor. Quero me satisfazer das minhas escolhas. Mas sinto falta dele como se nossos momentos fossem bons. Não lembro de nenhum que não tenha sido de dor em alguma parte. Por um momento ele diz que me ama, e no outro ele diz que está fazendo caridade. O mundo está vazio. Além das coisas que vejo, não há nada que me faça dizer que sou feliz nesse lugar. Na última semana conversei três vezes com minha mãe. Ela está assustada, não consegue mais me olhar porque não vê o seu filho. Estou habitando um monstro dentro de mim. Sei que todas as decisões que tomo são manipuladas por ele. Não tenho opção, me sinto fraco, então desisto. Apenas sigo o fluxo das sensações. A própria condição de existência é condicionada. Ninguém respira se não houve um propósito maior. E o meu propósito, é carregar um monstro. Algo que as pessoas só vêem dentro de mim. Sou casca. Sou forma manipulada e vazia. Minha mãe se assusta quando me ouve dizer que só gostaria de dormir para sempre. Não é morrer, é dormir e nunca acordar de novo. Merda! - grito -. Estou tão cansado. Os ratos acabaram com minhas paredes. Estão desesperados de fome. Não tenho o que comer, porque me sinto gordo o suficiente para me alimentar por uma década. Apenas deito e sinto meus ossos quebrarem no colchão macio.

LUZ AZUL:

Estou convencido de que existo para satisfazer alguns tipos de vontade. Nada como lavar, passar ou cozinhar... Cuidar de crianças ou coisas do tipo. Cuido de mentes feridas, corpos quebrados por qualquer motivo. E eu sei que na maioria das vezes os homens acham que tenho essa responsabilidade sobre eles. Eu sei pelo modo como eles agem, se movem, ou falam comigo. No final eles só querem preencher a mão. Às vezes esse ventre pode ser tão cruel. Fui aprisionada nesse corpo de limitações, por correntes de leis e ordens pelo estado garantidor dos direitos sociais, o homem. Há três anos um desses agentes do estado, dominado pela sua sede patriarcal, vem se movimentar na minha cama. Ele diz que devo crescer e ser uma maldita esposa. Tudo está convencido que estou envelhecendo. Não me incomodo se ele não me procurar mais. Ouvir dizer que Anaïs Nin descobriu e declarou sua própria sexualidade. Mas não sinto vontade de comprar pensamentos dos outros. Tenho outra forma de escrever. Mas não escrevo, assim prefiro. Se escrevesse os homens também roubariam isso de mim. Em 1938 eu teria que escrever sobre quanto tempo um bolo deve resfriar antes de ser servido. Se não fosse esse tipo de escrita, teria que cultivar um suporto-nome-masculino. Toda frase feita tem um bom homem no final. Um homem de bem, uma grande piada. Acredito que sou mais homem do que qualquer outro que já deitou nessa cama. Merda! Deixei escapar essa frase como um suspiro. Ele está dormindo. Acho que o único lugar que um homem não pode entrar é no meu pensamento. Há um ano ele não tem mais desculpas para me fazer acordar em sua cama. há dois meses ele nem tem tira mais meu sutiã. Enquanto um sai, outro se sente na obrigação de entrar. Sou vítima do meu corpo. Na verdade, sou vítima e agressora num só corpo. Nasci mulher e me torno pecado. Não acredito em Deus, então já no ventre fui condenada a ser mulher. Às vezes, no íntimo do meu sono, penso que em cinquenta ou cem anos, ou até mesmo dois dias depois da minha morte, as mulheres serão liberta. Não me iludo ao ponto de pensar que será na minha geração. Dois dias atrás nasceu a filha de meu irmão. Quando descobriu que era uma menina ficou decepcionado. A esposa vendo sua reação não quis segurar a criança. Desde então chora pensando que seu marido irá largá-la. E irá. Não a ama. Ele não sabe o que é o amor. Nasceu homem. Foi condicionado a existir como eu, só que com alguns privilégios. Só somos iguais, porque em 1938 não existe liberdade nem mesmo para o homem. Ele segue o sangue dos outros homens. São mortais. Nós mulheres somos figuras de alojamentos masculinos, somos semelhantes umas as outras. Mulheres iguais a mim nascem todos os dias. Todas as vias são iguais. Ele pensa dessa forma. Nojento! Não posso dizer mais nada. Não posso me mexer, pois ele acomodou outro corpo em cima de mim. Outro espaço preenchido nesse buraco úmido e apertado. Outra mulher caiu aqui. Outra vítima e agressora da sua própria especie. Minha condição não me determina. Mas, já nasci morta.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 13/10/2013
Reeditado em 13/10/2013
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