Tonzasuis

As roseiras maltratadas ainda eram a primeira coisa que se via da velha casa, a ultima da rua íngreme que se projetava a frente de um surrado par de sapatos vermelhos. Os paralelepípedos entortavam pelas constantes chuvas de todos os verões que haviam se passado, e de poucos em poucos passos havia um ou outro recorte de asfalto no que antes fora um manto de pedras polidas ao sol.

Já no topo da rua, a mão grossa e grande buscava a campainha, mas seu som não era mais o mesmo, era a mesma melodia, mas a intensidade havia sido suavizada pelos anos, ninguém ouvira de certo, apenas um gato magrelo e cinzento, que antes se esticava pela grama alta e ensolarada ao lado das roseiras, notara a presença daquele homem e agora olhava com suas magnéticas retinas dando passos galgados em direção ao portão baixo.

Era um dia realmente bonito e ouvia-se as crianças brincando na casa vizinha, mas frestas do telhado baixo da velha casa paredes descascadas, nenhum som se projetava.

Tudo era um tanto incerto mesmo que familiar, senão fossem as rosas, talvez não achasse nenhum traço real de tudo aquilo que fora. Sentou-se na calçada apoiando a mochila, que lhe pesava sobre os ombros, entre seus pés e pernas compridas e sorriu ao reconhecer o brilho azulado do carro que acabava de contornar a esquina e subia calmamente a rua numa terça de dezembro.

O gato que vinha caminhando e se espreguiçando pelo quintal, saiu dentre as grades do portão e veio junto aos pés de tênis vermelhos sujos, a mão lhe pousou sobre os pelos das costas acariciando lentamente desde a base das orelhas ate o longo rabo, ate o carro terminar de estacionar e abrir a porta do motorista, suas patas miúdas desfilaram ate os pés que tocaram os paralelepípedos, calçando uma sapatilha miúda e azul celeste, e deixaram de tocar o chão em seguida, as patas e não os pés, misturando os pelos cinza aos cabelos compridos e castanhos da moça que trancava a porta do carro.

Veio caminhando ate o portão levando o gato em um dos braços e no outro uma sacola plástica, seu vestido azul escuro ondulava na brisa suave de um dia sem nuvens, deixando a pele bronzeada de suas pernas e os pelinhos dourados de suas coxas livres ao sol. Destrancou o portão enquanto o gato tentava se livrar de suas mãos, em um salto, veio ao lado do homem miando e ela o olhou como quem nunca havia visto, chamou o bicho malcriado, mas sem resposta voltou-se a entrar.

O homem deixou que as pernas jovens dela sumissem porta a dentro, caminhando até o portão, onde pousou um pequeno embrulho e dentro dele, a história que só aquelas velhas paredes haviam conhecido, agora transcritas nas páginas de um livro azul.

Livro este que desde a capa, até as folhas mais intimas tinham como única inspiração as sombras que rodopiaram ao som de Janis Joplin nas noite mais longas de outono e que caiam no assoalho de tanto rir quando os pés ainda calçavam 33. Que será que o destino havia feito das mãos que se entrelaçavam em seus cabelos há tanto tempo? Será que o outro homem havia feito as escolhas certas para continuar sorrindo aquela boca que ficava roxa quando nadavam no rio que passava atrás da casa da avó dela?

O amor ainda crescia nas envelhecidas roseiras, nas páginas que jaziam nos ladrilhos, nos passos da filha de sua melhor amiga de infância e em todos os tons de azul que se pintam no céu, enquanto houver amanhecer.

Thaina Chamelet
Enviado por Thaina Chamelet em 11/12/2013
Reeditado em 11/12/2013
Código do texto: T4607883
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