A querida Dulcinha, após quinze anos, retornava à sua cidadezinha.
Ela saiu quando tinha quatro anos, nunca mais voltou.
Aproveitando as férias da universidade, Dulce combinou com os pais o retorno a fim de curtir a casa e o local onde deu os primeiros passos.
Ela viajou pequenininha, mas uma resistente ponte que abria caminho para o rio da bela cidade permaneceu na sua lembrança.
Algumas vezes os pais levaram Dulcinha lá.
 
A moça recordando quis, então, rever a ponte e o rio.
Atravessando a ponte, logo Dulce constatou a presença de um rapaz olhando concentrado para as águas serenas do rio.
Dulce notou que ele segurava uma rosa.
_ Quem é, Isabel?
_ Esse daí é o Otávio. De manhã ele estuda, à tarde, além de trabalhar no sítio com o pai, sempre encontra um tempo de aparecer aqui antes do Sol sumir. Desde garotinho fica assim, igual a uma múmia. Ele traz uma rosa e, quando está escurecendo, atira a flor no rio, demora uns minutos e vai embora.
_ Por que esse ritual?
_ Dizem que ele vinha com a mãe todos os dias aqui, ela carregava a rosa e jogava no rio. Depois que ela morreu, ele passou a vir sozinho.
_ Que triste! Ele não comenta nada sobre o assunto?
_ Nem sobre esse nem sobre assunto algum, Dulcinha!
_ Por quê? Ele é mudo?
_ Não é mudo, mas é como se fosse. Ele não fala com ninguém.
Dulce, jovem inquieta e curiosa, se aproximou e falou desafiadora:
_ Olá, Otávio! Tudo bem?
O misterioso rapaz, certamente sem ainda alcançar vinte primaveras, olhou assustado, no entanto conservou a atitude silenciosa.
A prima Isabel puxou Dulce, as duas se sentaram um pouco afastadas.
Otávio permaneceu em pé. Após uns quinze minutos, o Sol já querendo descansar, ele atirou a rosa no rio, aguardou um pouco, foi embora.

Dulce parecia hipnotizada.
Na verdade uma atração irresistível começava a dominar a moça.
Envolvida demais nos estudos, Dulce nunca quis ter um namorado.
Moça extrovertida, simpática, bonita, nunca aceitou os galanteios fáceis dos jovens universitários, tão risonhos e bobos.
Agora seu coração, entretanto, palpitava por um rapaz o qual ela jamais havia visto antes, que parecia carregar no peito uma emoção profunda, uma história de dor e um encanto talvez despercebido pelas pessoas.
 
A breve narração de Isabel mexeu demais com Dulce.
Nos dias seguintes, Dulce, durante o final das tardes, passou a visitar o rio sem a companhia de ninguém.
Ela chegava devagar, cumprimentava Otávio, depois, confirmando não obter resposta, escolhia um cantinho e ficava observando o rapaz.
Otávio optava por ignorar Dulce.
Não mexia a cabeça nem falava nada, continuava em pé aguardando o momento de jogar a rosa no rio.
A situação demorou quase um mês, o tempo das férias de Dulce.
 
Ele, desde os dez anos, quando a mãe partiu, seguia atravessando a ponte, observando o rio, atirando a rosa nas águas e indo embora.
Agora o cumprimento da moça insistente era uma novidade.
Otávio desejava não dar importância, todavia, no fundo, aquela moça, a repetição da saudação, iniciavam uma certa mudança no rapaz, despertando alguma coisa que ele não conseguia compreender naquela situação inusitada.
 
Ela atravessava a ponte, se aproximava, cumprimentava o rapaz e saía respeitando o silêncio obtido.
A moça ficava afastada, alguns poucos metros, observando o moço.
Após ele atirar a rosa no rio e sair, ela dava um rápido mergulho antes de ir embora enquanto havia os últimos raios do Sol.
 
Faltando dois dias para ela retornar à capital, numa tarde chuvosa, que não inspirava qualquer mergulho, a moça se aproximou e repetiu:
_ Olá, Otávio! Tudo bem?
Ela estava buscando um cantinho próximo quando escutou uma voz masculina bem agradável:
_ Por que você me cumprimenta todos os dias?
Apesar da enorme surpresa, ela logo respondeu:
_ Porque eu queria conversar contigo.
_ Por quê?
_ Eu soube da sua história quando aqui cheguei, fiquei curiosa para te ouvir e, se você permitir, me tornar uma amiga.
_ Quem é você?
_ Meu nome é Dulce. Eu saí daqui quando tinha quatro anos, estudei fora, estou, nesse período, passando as férias na minha cidade natal. Depois de amanhã vou embora.
_ Você vai embora?
_ Sim, pois minhas férias estão acabando. Por que você pergunta?
_ Porque eu me acostumei com sua presença chata, mas sempre as pessoas me abandonam, sempre foi assim...
_ Ninguém te abandona, Otávio! Se você não quer conversar com ninguém, como as pessoas podem estreitar os laços contigo?
_ Minha mãe me abandonou quando eu tinha dez anos.
Dulce, chegando mais perto do rapaz, disse:
_ Sua mãe faleceu, querido! As pessoas um dia morrem. Precisamos respeitar.
_ Eu só tinha dez anos.
_ Infelizmente às vezes elas partem mais cedo.
Objetivando quebrar a tristeza do tema, Dulce perguntou:
_ Você sempre vinha aqui com ela?
_ Sim! Ela gostava de trazer uma rosa. Temos uma linda roseira no nosso sítio. Quando ela atirava a rosa, dizia que pedia a Deus para ele devolver as coisas boas da vida. Eu não entendia, ela explicava que as coisas ruins nós devemos esquecer, mas as boas, além de agradecer, devemos pedir a Deus para renová-las.
No dia que ela morreu, nós não viemos.
Eu prometi a ela continuar trazendo uma rosa para o rio.
Quando eu jogo no rio a rosa, eu peço a Deus para trazer de volta minha mãe, pois, se Deus pode devolver as coisas boas, talvez Ele possa trazê-la de volta.
Eu sei que ela não vai voltar, mas me acostumei a fazer assim.
Ela merece que eu faça isso.
 
Dulce, muito emocionada, indagou:
_ Por que você nunca fala com ninguém?
_ Eu falo com o meu pai, mas ele é um homem de poucas palavras. Com os outros nunca senti vontade de conversar.
_ Mas você topou conversar comigo.
_ Eu fiquei curioso com a sua insistência.
_ A minha chatice te conquistou?
_ Desculpa! Você não é chata. Eu acho você legal e bonita.
Dulce sorriu meio constrangida. Não era fácil constranger a senhorita, mas a confissão daquele fascinante rapaz conseguiu.
_ Eu vou me sentar no lugar habitual, querendo conversar, estou aqui.
_ Tchau, Dulce!
Apesar do inegável avanço, Otávio retomou a comportamento solitário, permanecendo reflexivo e silencioso. Perto do anoitecer repetiu o velho ritual. Na hora de sair, ele ofereceu um breve aceno e foi embora.
Dulce devolveu o aceno sorridente.
A moça queria mais, porém era preciso reconhecer que ela já havia conseguido muito.
Afinal de contas, Otávio abriu o coração e, do jeito dele, demonstrou que sentia uma certa simpatia por Dulce.
Ela ouviu a voz dele (Que bela voz!), escutou o desabafo de anos num minuto, pôde perceber a alma frágil e doce que o rapaz possuía.
 
Restava somente um dia! Dulce precisava investir todas as suas fichas naquele intercâmbio mágico.
Ela estava apaixonada por Otávio e não queria esconder essa verdade.
 
Na véspera da viagem programada por Dulce e os pais, ela chegou ao local antes de Otávio.
Quando ele apareceu, a moça falou:
_ Olá, Otávio! Você se importa de eu ficar sentada aqui? Prometo não atrapalhar suas reflexões!
_ Pode ficar. Você vai mesmo amanhã?
_ Você quer que eu vá?
_ Eu não quero, mas você quer.
_ Eu não quero, Otávio. Se você me pedir, eu não vou, a universidade pode esperar. Eu quero ficar aqui com você.
Otávio se sentou sem largar a rosa que trazia.
_ Como seria o seu futuro aqui?
_ Seria o nosso futuro, pois a gente poderia, se você aceitar, namorar.
O rapaz deu um sorriso desconcertado.
_ Eu nunca namorei! Calado a gente não namora, né?
_ É. Eu, apesar de ser muito falante, também nunca namorei.
_ Como pode? Ninguém nunca tentou?
_ Tentaram, mas sempre priorizei os estudos.
_ A gente, até agora, só teve uma rápida conversa ontem, né?
_ É, você não quis esticar a conversa ontem, e ainda me deixou aqui sozinha. Não se faz isso com a possível futura namorada!
_ Desculpa! Hoje eu vou te levar até sua casa, pois eu quero pedir aos seus pais para namorar contigo. Na nossa cidade esse tipo de decisão exige total respeito.
_ Você vai mesmo me pedir em namoro?
_ Vou! Eu gosto de você!

O primeiro beijo, as carícias sutis e meigas, os olhares ternos, outros beijos fizeram crescer o elo que tomava conta do casal.
Dessa vez o rapaz não deixou Dulce sozinha no rio depois de atirar a rosa. Ele não voltou a deixá-la sozinha jamais.
Os dois se casaram no mês seguinte.
 
Após o casamento, juntos passaram a visitar o rio todas as tardes.
Dulce também levava uma rosa.
Um dia Otávio falou:
_ Sabe o que eu descobri, Dulce?
_ O quê?
_ Deus devolveu a minha mãe.
_Como assim?
_ Ele não tinha como trazer a minha mãe, pois os mortos não voltam, porém ela retornou através de você. Você veio me fazer companhia, ser o meu apoio e incentivo, colorir a minha existência. Quem melhor faz isso do que as nossas mães? Ela voltou, Dulce! Minha mãe voltou!  Deus fez o milagre. Ele me escutou.
Dulce sorriu e beijou Otávio com imenso carinho.
_ Só te peço uma coisa, Dulcinha!
_ Peça, meu amor!
_ Você promete nunca me abandonar?
Dulce respondeu abraçando Otávio cheia de ternura.
 
Lançando as rosas no rio, os dois efetuaram o mesmo pedido.
Que Deus fizesse aquele amor alcançar outras pessoas, cessando assim todas as sensações de abandono que o ser humano costuma provar!
Que os outros pudessem também desfrutar aquele sentimento lindo!
 
Seguindo o ritmo suave das águas, as rosas desapareceram levando o pedido, os sonhos, projetos e desejos do jovem casal.
 
***
Ilmar
Enviado por Ilmar em 16/12/2013
Reeditado em 16/12/2013
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