Todo o amor que houver nessa vida...

Helena estava deitada no sofá. Por mais confortável que ele fosse, as dores não a deixavam descansar um só minuto, porém, a última coisa em que ela pensava no momento era dormir. Laura se aproximou com a delicadeza que lhe era característica. Sentou-se ao lado da mulher amada, que agora ela uma linda senhora, e pegou-lhe na mão. O simples toque tão conhecido encheu Helena de recordações tão vívidas como se tivessem acabado de acontecer. Ela apenas sorriu para Laura sentindo-se completamente protegida por aquela mulher que tinha sido sua companheira de uma vida, amiga inseparável, amante fiel. As duas olharam pela janela ao mesmo tempo onde o horizonte azul mantinha-se da mesma maneira como os dias anteriores, calmo e sereno. Cada uma se recordava de um momento especial entre tantos que tinham passado...

Laura lembrou-se do primeiro momento em que pousou seus olhos em Helena. Uma jovem bonita, tagarela e com olhos profundamente pretos e expressivos. Esta cena não lhe saiu da cabeça e estava decidida a conhecer aquela garota que lhe provocara aquela explosão de sentimentos. Laura era tímida e não conseguia se aproximar sem temer parecer uma completa idiota, contudo, os deuses deram uma ajudinha. Descobriu que estavam matriculadas no mesmo curso. Sentaram-se uma ao lado da outra e começou então o desenrolar de um relacionamento cheio de descobertas, risos, choros e principalmente um amor incondicional. O primeiro roçar das peles, até então sem um pingo de malícia, fez com que Laura sentisse algo como um choque elétrico. O primeiro beijo, graças principalmente a ousadia de Helena, foi como ouvir pela primeira vez aquela música que nos acompanhará pelo resto da vida. Uma experiência única.

Helena sorria a cada lembrança. O sorriso de Laura enchia seu coração de ternura e de uma vontade de tê-la a qualquer custo. As noites e dias de amor que tiveram, enlaçadas completamente nuas em sua cama, foram magistrais. Acordar juntas, mesmo que um pouco atrasadas, era uma das melhores partes do dia. Sentir Laura, seu corpo, seu cheiro e seu calor eram coisas do outro mundo.

Claro que nestes anos de total cumplicidade fatos ruins também deixaram suas marcas. Laura estava grávida, após tantas tentativas infrutíferas e angustiantes. Descobriram que seria uma menina, uma princesinha. Laura estava linda e com um encantamento que Helena nunca havia visto em pessoa alguma. A felicidade que emanava naquela casa poderia ser sentida há quilômetros de distância. Mas uma nuvem negra pairou sobre suas cabeças e Laura sofreu um acidente de carro enquanto ia se consultar. Perderam sua princesinha...

Os anos se passaram e apesar das dificuldades, discussões e tantas outras minúcias pelas quais casais discutem, o amor era sempre o mesmo. Nenhuma imaginava viver sem estar do lado da outra. Tal possibilidade era indiscutível e inimaginável. Amavam-se. E isso não basta para se estar quite com a vida?

Viveram sua mocidade juntas e envelheceram. Apesar das rugas e do cabelo branco, Laura permanecia com a mesma opinião: sua Helena era a mulher mais linda do mundo, não devendo em nada a sua xará mitológica. E apesar de Laura ter engordado durante esses anos, Helena a considerava sua musa, bela e perfeita, como os poetas traduzem em suas composições, com a diferença que ela não contemplava uma virgem distante. Tinha tornado Laura mulher pelas suas mãos e boca. Sua Laura, para sempre sua.

Helena apertou os dedos de Laura e ambas voltaram ao presente. Era emocionante lembrar-se dos tempos passados. E angustiante também. Desde o descobrimento da doença de Helena, Laura previa que sua mulher estava indo para longe de si, e tal constatação a deixava em prantos. Cada desmaio, cada fraqueza era como uma lâmina estraçalhando sua carne, pois Helena era parte dela. A parte mais bonita, o quinhão mais importante. Porém, esta parte estava definhando a cada dia.

Helena podia vislumbrar a dor no olhar de Laura. Não estava nos seus planos deixar sua pequerrucha nem por um segundo, mas a vida tem dessas coisas e nos pega sempre desprevenidas. A palavra “Nunca mais” torna-se uma condenação, um martírio.

A dor lhe assaltou em cheio, como um assassino escondido atrás da porta e que de repente nos golpeia. Helena apertou com força os dedos de Laura e balbuciou “Eu te amo” com dificuldade. Laura respondeu com um beijo em seus lábios. Tudo se tornou escuridão...

A vida tem dessas coisas, sem dúvida. Mas quem pode passar por ela e afirmar com toda certeza que foi amada? Não como o dramalhão das novelas, onde o amor mais parece propaganda de margarina, mas algo puro, tangível, verdadeiro e acima de tudo recíproco. Não é o tempo juntos que validam nossos sentimentos, mas a veracidade dos nossos atos e palavras. Se eu durar mais uma noite e tiver a mulher amada segurando minha mão na hora da partida, então eu estarei quite com vida. Não deverei nada a ela nem ela a mim. O resto é conversa fiada...