Portas

Eram tempos difíceis e uma “fresta” da porta acabou ficando entreaberta. Não demorou a essa fresta abrir espaço para um rombo, e então, sem olhar para trás, você saiu, utilizando o escombro da porta, e deixando algo semelhante dentro de mim.

A porta permaneceu por demasiado tempo aberta, estampando para quem quisesse ver, que eu ainda esperava que em alguma daquelas tardes deprimentemente calmas – que passaram a ser uma descrição perfeita dos meus dias - você entrasse por ela.

Dia após dia, não só a porta permanecia escancarada a quem quisesse ver, mas também o desespero nos traços do meu rosto, e até mesmo no meu jeito distraído de andar, por você não ser nenhuma das pessoas que batiam a minha porta e pediam licença para entrar.

Eu coloquei uma cadeira a frente da porta, e passei a te esperar. Eu queria ter certeza que se você rondasse por ali e por medo de entrar acabasse indo embora, eu estivesse ali para dizer que a casa ainda era sua. A cada pessoa que passava a frente do meu portão, eu levantava a cabeça – que nessas alturas já não mais permanecia levantada com orgulho, como um dia já permaneceu – com a esperança de serem os seus passos que estavam novamente a caminhar no território da minha vida.

Mas nunca era você. Pessoas com toques mais suaves chegaram a bater na porta, e com muito carinho me pedir para entrar. Eu neguei. Eu não queria toques mais suaves, palavras mais carinhosas, eu não queria alguém melhor, eu queria você. Acabou por se tornar uma obsessão. Eu já não mais dormia, eu também não comia, e deixei toda a vida de lado para ficar mais tempo a frente da porta esperando por você.

Por vezes virei a cara para pessoas importantes para mim, pois já não mais conseguia pensar em ninguém, exceto em você. Eu mandei pessoas embora, e as que insistiam em ficar e me estender a mão, eu ignorei. Fiquei sozinha. Eu me pus naquela situação, eu me enlouqueci. Definhei na cadeira, e a cada dia sentia uma parte da minha alma deixar meu corpo por já não mais aguentar aquela dor.

Eu fiquei tão sem forças, que cai da cadeira, a frente da porta. Eu não tinha sequer voz para gritar por socorro, e não tinha forças para alcançar nada, exceto a porta. Foi então que finalmente percebi que: você não viria. Eu bati a porta, e apesar de fraca, usei todas as forças que me restavam, para que a batida ecoasse, e eu mostrasse para mim mesma que era capaz de te por para fora do meu coração, já que da casa você já havia saído.

Recuperei as forças, guardei a cadeira no seu devido lugar, me alimentei, e então decidi que estava na hora de trancar a porta, para finalmente voltar a dormir em paz, sem medo de você tentar voltar.

Passou-se um tempo, que foi o suficiente para eu conseguir me recuperar. Eu estava sozinha, com a porta fechada, mas já voltava a ser a mesma pessoa de antes. Já não deixava de lado quem realmente se importava comigo, e voltei a fazer aquilo que a vida exige: viver a minha vida, e não a dos outros.

Era uma manhã calma, eu ainda estava a acordar, e me preparar para um novo dia. Alguém bateu a porta. Era você. Eu não precisei perguntar quem era, pois eu tinha certeza que aquela batida era a sua. Eu não respondi, e eu não abri.

Você permaneceu a bater, e a pedir para entrar. Precisamos conversar – dizia você, do lado de fora da minha porta. Eu permanecia calada. Você forçou o trinco, mas a porta estava trancada, e a fechadura também já não era a mesma. Você disse que definharia ali, até que eu finalmente abrisse.

Eu sabia desde a primeira batida que teria que fazer isso, e foi então que fiz. Disse em alto e bom som, sem medo das consequências, e sem demonstrar sentimento qualquer: Vá embora, e jamais volte a bater na minha porta, ela está fechada para você, e não mais se abrirá.

Você foi embora, eu quase morri por dentro, até que finalmente tranquei a porta. Quando você voltou eu estava preparada. Falei com tom de convicção que não mais a abriria a porta para você. E eu realmente não abri, e nem mesmo destranquei a porta. O problema é que mesmo em silêncio eu não consigo parar de te olhar pelo buraco da fechadura.

Aline do Amaral
Enviado por Aline do Amaral em 24/02/2014
Reeditado em 28/11/2015
Código do texto: T4704844
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